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 A noite caiu e até então nenhum sinal de vida de Avren. Será que tinha acontecido alguma coisa? Balancei a cabeça em negativa, evitando pensar nisso. Ele conseguiu escapar daqueles homens outro dia, então era sinal claro e evidente de que tinha condições de se cuidar sozinho. Não sabia por que eu sentia tanta preocupação... 

Talvez a culpa já estivesse me deixando louca.

Ouvi uma batida na porta, mas ninguém entrou. Com certo receio, caminhei devagar e abri, ficando aliviada em seguida ao ver quem era.

— Por que não entrou de uma vez?

— Porque eu não sabia quantos móveis estavam atrás da porta.

Ele ainda parecia contrariado, porém nem tanto quanto estava pela manhã. Ao ver a mesa, arqueou as sobrancelhas, sem esboçar maiores reações, então se aproximou devagar antes de olhar para mim.

— Você fez tudo isso sozinha?

— Sim, mas tive ajuda do corvo.

— Corvo? — Sua expressão era de descrença — Não existe mais nenhum depois de todos os assassinatos.

— Ainda existe um e ele me ajudou.

— Entendo... — Avren voltou a encarar o que estava na mesa por alguns segundos e prosseguiu: — Mas, me diga uma coisa: como conseguiu o que precisava para fazer tudo isso? Uma parte dos ingredientes não pode ser encontrada na floresta e nem na área de cultivo da bruxa.

— I-isso não importa.

Senti o olhar dele pesando sobre mim. Não sabia qual seria sua reação ao saber que usei o dinheiro guardado aqui para comprar o que precisava.

— O que é isso no seu rosto?

O encarei instintivamente ao ouvir isso.

— Esse arranhão — insistiu. — Como o conseguiu?

— Não foi nada, só me arranhei com a faca ao cortar os legumes.

O vi franzir a testa antes de dizer, a voz carregada de desdém:

— Acha mesmo que vou acreditar nisso? Saiba que eu desprezo mentirosos.

Suspirei, olhando para baixo um instante enquanto reunia coragem para voltar a encará-lo e contar a verdade, mesmo correndo o risco de desencadear um novo ataque de fúria.

— Foi um homem da cidade que estava atrás de mim... — comecei. — Ele estava com uma arma e...

— Por que alguém da cidade estaria te perseguindo com uma arma nas redondezas?

— Eu não estava nas redondezas...

— Não estou entendendo aonde quer chegar.

Estremeci e engoli em seco antes de tentar resumir tudo.

— Queria fazer alguma coisa para pedir desculpas pelo que fiz e ao mesmo tempo te agradecer por me deixar ficar aqui. Por isso, tive a ideia de fazer um bolo assim que fui verificar o que tinha na horta. Como ainda faltavam algumas coisas que só encontraria na cidade, fui até lá quando encontrei um saco com moedas de ouro em uma das gavetas... 

O observava com cuidado, temendo uma mudança de comportamento. Porém, para minha surpresa, Avren se mantinha impassível, esperando pela minha conclusão. 

— Quando estava voltando para a floresta depois de ter comprado tudo, um homem me viu e disse que eu era uma bruxa — prossegui. — Saí correndo, mas ele me perseguiu e quase me pegou se não fosse pela ajuda do corvo para distrai-lo.

— Não sei se fico com raiva de você ou agradecido.

— Prefiro a segunda opção, se for possível — arrisquei, cabisbaixa, e o ouvi rir.

Olhei na direção dele e tal qual não foi minha surpresa ao vê-lo começar a comer a sopa com o pão e bebericar o suco, sem dizer absolutamente nada. No entanto, a expressão dele era calma e fiquei mais tranquila por ver que não ficou furioso pelo fato de eu ter usado um pouco das moedas. Logo, comecei a comer também, contudo não tentei conversar.

Avren se ofereceu para lavar os pratos e os copos e voltou logo em seguida, olhando para o bolo criticamente.

— Qual é o gosto disso?

— Tem o gosto de um bolo, oras.

— E como é o gosto de um bolo?

Arregalei os olhos, sem saber se era brincadeira ou não.

— Você nunca comeu um?

Ele negou com a cabeça.

— Apenas conheço por ter visto com um padeiro certa vez, que estava vendendo vários como esses.

— Bem, por que não experimenta, então?

Cortei um pedaço pequeno para que Avren pudesse experimentar, mas não precisei de palavras para entender o que ele achava. Apenas o fato de vê-lo cortando um pedaço atrás do outro e comendo era o suficiente para saber que meu bolo tinha caído em seus gostos. Em um piscar de olhos, metade da sobremesa tinha desaparecido.

— Bem, acho que isso é uma aprovação, não é?

— Pode apostar. — Ele estava raspando a cobertura que ficou no fundo do prato. Parecia até uma criança  — E eu agradeço imensamente por isso. — O olhar dele voltou-se para mim — Desde então, a única pessoa que se preocupou comigo foi a velha bruxa e mais ninguém.

— Isso não foi nada.

— Para mim foi muito, ainda mais sabendo que você ganhou um arranhão apenas para fazer um bolo de desculpas... — O silêncio tomou conta do ambiente enquanto Avren me analisava — Sabe, olhando atentamente, você até que se parece com ela.

— Obrigada?

Pensei tê-lo visto sorrir antes de ir embora para me deixar dormir. Apesar do mal entendido pela manhã, fiquei feliz por resolver essa situação. Guardei o restante do bolo e fui me deitar para mais um dia que viria. 

Mais um dia foragida de casa. 

Mais um dia sem saber que rumo tomar.

O Último CorvoWhere stories live. Discover now