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 Tropecei em algo ao sair para colher frutas e quase fui de encontro ao chão. Na verdade, não era exatamente "algo" no caminho, mas sim "alguém".

— Por que está sentado no meio do caminho?

— Você ainda estava dormindo, então preferi esperar do lado de fora. Ah, quase ia me esquecendo... — Ele começou a procurar algo nos bolsos — Enquanto fazia o caminho de volta para cá, encontrei algumas amoras. Elas não são tão fáceis de se achar nas redondezas.

Peguei as frutas das mãos dele e voei para a cozinha, com o intuito de fazer uma geleia. Avren me seguiu, mas parecia não entender quais eram as minhas reais intenções e percebi que ele estava apenas aproveitando o cheiro bom da geleia, que estava quase pronta.

— Nem pense em mexer aqui. — Afastei a mão dele da panela com um tapa de leve — Por acaso quer se queimar? 

Ele não ficou muito feliz com o fato de eu não tê-lo deixado provar ainda. Vestiu a luva de volta e continuou prestando atenção em mim, sem dizer nada. Coloquei o doce dentro de um pote de vidro, depois entreguei a panela e a colher para Avren, cujos olhos se iluminaram ao finalmente poder raspar o restante da geleia.

— De onde você tira essas ideias?

— Minha mãe me ensinou. Grethel não fazia essas coisas para você?

Balançou a cabeça em negativa, soltando um suspiro.

— Não fazia porque algumas coisas ela não sabia e outras porque não tinha como conseguir os ingredientes nas redondezas, apenas na cidade. E jamais nos aproximamos de lá.

— Por que não?

— Não quero falar sobre isso. Não agora.

Deixei-o raspar o fundo da panela em paz enquanto pegava pães para nós dois. Naquele instante, percebi que Avren era mais inclinado para coisas doces, uma vez que não gostou muito da geleia junto com o pão e preferiu apenas a geleia pura.

— Serene, o que realmente veio fazer aqui na floresta? Também não tem família?

— Tenho, mas resolvi ir embora.

— E por quê?

O encarei com uma sobrancelha arqueada.

— Quer dizer que devo falar da minha vida enquanto você não pode contar nada da sua?

Ele revirou os olhos.

— Se é assim, que façamos uma troca: você me conta sua história e eu conto a minha. Não acho que tenho muito a perder. E então, por que resolveu ir embora?

— Acho que você sabe que agora a Igreja está tomando conta de tudo...

— Isso não é novidade para ninguém.

— Eles me obrigaram a me tornar uma serva real dotada. Queimaram todos os livros e não tive mais liberdade para nada. — O desgosto me dominou enquanto relembrava de tudo o que passei — Além disso, meus pais, por servirem fielmente ao clero, aceitaram um dos pedidos de casamento absurdos que fizeram para mim. Iria me tornar noiva do filho adotivo de um Cardeal contra minha vontade.

— E decidiu fugir? Mesmo sem um objetivo concreto de fato?

Balancei a cabeça em concordância, comendo outro pedaço de pão.

— E quanto a você? — perguntei.

Avren olhou para o chão durante algum tempo, talvez tentando se situar e não me importei, apenas aguardei pacientemente. Até porque, a julgar por sua expressão, o assunto deveria ser delicado e acabei decidindo que não me preocuparia em fazê-lo dizer nada.

O Último CorvoWhere stories live. Discover now