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— Sei que nunca me viu antes, mas ninguém te disse que encarar fixamente uma pessoa é descortês?

— Sinto muito, "Sem Nome".

— A velha costumava me chamar de Avren. Agora pare de me chamar de "Sem Nome", é irritante.

— "Costumava chamar"... —  E pensar que estávamos indo tão bem — Então esse não é seu nome de verdade?

— Abandonei meu nome de nascença, mas não importa. Essa história de nomes não vale o meu tempo — Avren revirou os olhos e suspirou — Nomes possuem significados e isso faz com que as pessoas justifiquem suas ações ou acusem os demais em torno disso, portanto não faço questão de ser chamado por nome algum, já que vão apenas atrapalhar minha vida.

— Que filosófico da sua parte.

— Obrigado, "Sem Nome".

— Serene — Me apresentei.

— Agora sabemos os nomes um do outro, está contente? — Era incrível como ele conseguia ser tão "agradável" — Não que isso vá fazer alguma diferença para mim.

Avren deu de ombros e sentou em uma cadeira, apoiando os pés sobre a mesa enquanto puxava mais o capuz para cobrir os olhos. Decidi sair e caminhar pelas redondezas da casa, encontrando uma horta nos fundos que estava cercada e bem arrumada, me fazendo deduzir que aquele rapaz cuidava dali também.

Arriscando caminhar um pouco mais além, encontrei uma lápide completamente limpa, como se estivesse ali recentemente. Ajoelhei diante dela e lá estava o nome "Grethel Benjamin", bem como a idade da mulher quando faleceu, aos 80 anos no caso. Pelo menos não foi condenada à fogueira pelos clérigos e pôde ter um fim como qualquer pessoa normal.

Isso me fez pensar se Grethel era realmente uma bruxa ou aquele era o modo "afetuoso" de Avren se referir a ela, uma vez que o próprio disse terem sido próximos. Será que eram mãe e filho? Talvez não descobriria tão cedo.

Comecei a perceber o sol se pondo e decidi colher um pouco do que estava na horta. Passei um bom tempo procurando por algo onde eu pudesse colocar os vegetais até encontrar uma cesta não muito grande, mas também nem tão pequena, permitindo que coletasse algumas cenouras e batatas antes de seguir para o interior da casa.

— O que vai fazer com esses legumes?

— Não é óbvio? Uma sopa — respondi.

Avren estava saindo pela porta que eu não havia aberto ainda, carregando algo nas mãos com todo cuidado enquanto sentava na cadeira.

— O que é isso aí? — Foi minha vez de perguntar.

— Não é óbvio? Uma sopa.

Comecei definitivamente a odiar o fato de ele usar minhas respostas contra mim. No entanto, mais uma vez a incomodada era apenas eu, pois Avren estava preocupado demais com a sopa. Fiquei com os legumes nas mãos, ponderando sobre o que fazer com eles. Será que havia ainda um pouco do jantar para mim ou precisaria cozinhar? Não que isso fosse um problema, mas temia que ele fosse me vigiar durante o preparo da minha própria comida.

— Por que está parada aí com essa cara? A sopa vai esfriar.

— Então quer dizer que...

— Se tem uma coisa que a velha me ensinou bem é que não devemos negar alimento para ninguém. Guarde os legumes, vão ser úteis para amanhã.

Passei por aquela porta e vi um pequeno fogão à lenha. Em cima dele, uma panela de barro deixando escapar um pouco de vapor e um cheiro magnífico de sopa tomava conta do local. Na parede da frente, havia uma mesa com alguns pratos, copos e talheres ao lado de uma pia e um armário. 

Imediatamente comecei a me servir. Avren cozinhava bem, isso deveria admitir. Era como se eu estivesse saboreando a comida da minha mãe outra vez. Fizemos a refeição em completo silêncio e em seguida fui lavar os pratos e as colheres.

Finalmente, o cansaço começou a tomar conta de mim e fiquei me perguntando se teria companhia. Queria ficar sozinha para dormir com tranquilidade, apesar da porta não possuir nenhuma trava. No entanto, eu poderia cuidar disso.

— Bem, boa noite para você.

Ele estava saindo. Decidi não perguntar nada, pois entendi que Avren não gostava de dar satisfações do que fazia ou para onde ia e não tiro a razão dele. Afinal, sequer nos conhecíamos. Ao menos não precisei pensar em uma desculpa para fazê-lo ir embora. 

Assim que a porta se fechou, empurrei a mesa e as cadeiras para criar uma espécie de barreira. Tirei o manto e me permiti dormir tranquilamente, imaginando o que seria de mim nos próximos dias.

O Último CorvoWhere stories live. Discover now