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— Mas o que diabos está acontecendo aqui?!

Acordei com o maior susto que já levei em toda minha vida. Avren estava empurrando a porta com os olhos faiscando de raiva. Talvez não fosse uma barreira tão eficaz assim, pois ele conseguiu empurrar sem muito esforço aparente.

— Tive que improvisar algo para fechar a passagem, pois não sabia se alguém ia entrar enquanto eu estivesse dormindo... — justifiquei.

— E esse "alguém" por acaso era eu?

— Qualquer pessoa, incluindo você.

Ele ficou estático, me encarando com suas íris verdíssimas transbordando ainda mais fúria.

— Achou mesmo que eu iria entrar durante a noite?

— E como eu poderia ter certeza que não? E se outra pessoa entrasse?

Assustei com a carraca feia dele, pois de forma alguma pensei que poderia ficar pior. Para mim, toda aquela irritação já estava passando um pouco do ponto.

— Se saí para te deixar dormir sozinha, por que imaginou que eu voltaria no meio da noite? Além disso, você achou mesmo que alguém iria entrar numa casa completamente isolada na floresta?

— Mas você estava tentando entrar agora.

— Sim, porque conheço o lugar. Além disso, como eu poderia saber que você ainda estava dormindo? 

Não pude responder. Seu olhar recaiu sobre os móveis e depois ele voltou para fora, batendo a porta com força atrás de si. Fiquei sem saber se o procuraria ou se o deixava em paz, pois percebi que sua fúria tinha fundamento, afinal. Além da minha desconfiança tê-lo afetado, Avren também pareceu magoado por alguém como eu ter tirado os móveis de uma pessoa importante de lugar, sendo que nada daquilo me pertencia. 

Decidi ir atrás dele, mas não consegui nenhuma pista de onde poderia estar, vez que havia desaparecido misteriosamente de novo das redondezas da casa. Pela primeira vez senti uma pontada de culpa desde quando fugi, e não sabia o que fazer. No fim, coloquei as coisas de volta em seus devidos lugares antes de ir tomar um banho.

Segui até a horta para poder ver melhor o que havia por ali e notei que, além de batata e cenoura, também foram plantados rabanete, couve e trigo. Naquele instante, acabei tendo a ideia de cozinhar algo para pedir desculpas a Avren e o trigo me deu uma ideia. 

Corri para dentro e vasculhei os armários, encontrando farinha, fermento e manteiga, alguns ingredientes necessários para se fazer um bolo. O único problema seria conseguir leite, açúcar e ovos em um lugar como aquele, pois não havia criador de animais algum por perto a não ser na cidade. Suspirei, aceitando que deveria ir até lá e vasculhei as gavetas da casa toda em busca de algum dinheiro até encontrar um saco com moedas de ouro. 

Coloquei o manto e fui seguindo pela margem do rio até ver as casas e as pessoas mais de perto. Por um instante, me perguntei o motivo de eu arriscar meu pescoço voltando para a cidade apenas por leite, ovos e açúcar. Avren superaria isso e minha obrigação de fazer algo para pedir desculpas era nula... Ora, a quem estava tentando enganar? Sem querer o magoei e é claro que deveria compensar, mas não faria só isso. Aproveitaria a oportunidade para agradecer também.

Antes de chegar até a vila mais próxima da floresta, tentei cobrir meu rosto ao máximo com o capuz enquanto procurava pelo primeiro vendedor disponível em prol de terminar logo com isso antes que algum conhecido me avistasse. Não demorou para eu avisar uma mulher nos arredores carregando em sua cesta as últimas unidades do que me faltava. As comprei e estava voltando para a floresta quando ouço alguém gritar:

— Uma bruxa!

Só podia ser brincadeira. Apressei o passo e um tiro passou raspando por mim, rasgando uma parte do manto e arranhando meu rosto, me fazendo correr ainda mais por entre as árvores para evitar ser atingida por ele.

Pouco depois, ouvi o barulho do corvo e o homem praguejando, porém não havia mais nenhum sinal de tiro. Arrisquei olhar para trás e vi o rosto do aldeão com um corte profundo logo abaixo do olho esquerdo enquanto o pássaro voava depressa para longe dali. 

Quando estava perto da casa da bruxa, vi a ave novamente. Dessa vez, voou na minha direção com calma e me seguiu até eu chegar à porta, sem emitir um som sequer. Assim que entrei, ele fez o mesmo, porém optei por não espantá-lo. Tirei o manto e coloquei sobre a cama para começar a colocar a mão na massa. Durante o tempo em que deveria esperar o bolo assar, passei a agir como louca outra vez e conversar com o corvo.

— Sabe, me pergunto onde Avren está agora... realmente não foi minha intenção fazer algo de errado. — suspirei — Só queria pedir desculpas por ter tirado as coisas de Grethel do lugar sem autorização e também agradecer como deveria por me deixar ficar aqui.

O pássaro grasnou, agitando as asas para mim. Não sabia dizer o que aquilo significava.

O cheiro do bolo estava tomando conta da casa e isso para mim foi um sinal de que já estava pronto. De fato ficou com uma cara boa, mas ainda faltava alguma coisa. Coloquei o manto mais uma vez e fui até a floresta, onde encontrei alguns morangos nas proximidades da lápide da bruxa. Voltei e preparei uma cobertura para deixar a sobremesa com uma aparência melhor. Fiquei tentada a comer um pedaço quando terminei de decorar, mas não o faria até Avren voltar. Pela claridade, em breve anoiteceria e desde cedo ele não apareceu. O corvo voou na direção da janela e o permiti sair, ficando novamente sozinha.

Enquanto esperava, decidi usar o restante dos ingredientes que sobraram para assar alguns pães também. Consegui fazer seis, uma quantidade razoável, depois preparei a sopa para o jantar e um suco com os morangos que restaram.  

Arrumei a mesa e coloquei tudo o que havia feito sobre ela, ainda aguardando o retorno dele, que custava a chegar.

O Último CorvoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora