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 Acordei com um sobressalto por causa de vários sonhos, os quais não conseguia mais lembrar. Ainda era madrugada e tratei de me aninhar para tentar dormir de novo, porém o som de gravetos e folhas sendo esmagadas nas proximidades me chamou a atenção. Permaneci sentada, com a audição alerta e cuidando para não perder um único ruído sequer. 

Pelo que consegui perceber, tratava-se apenas de uma pessoa. Arrisquei uma espiadela atrás da árvore, notando uma sombra por perto. Era alta e, pelo porte físico, diria tratar-se de um homem. No entanto, não se parecia com meu pai ou com alguém da cidade que eu pudesse reconhecer. Aquilo me deixou preocupada. Um arrepio percorreu a espinha e não tive coragem para fazer mais nada além de ficar congelada no lugar, esperando com todas as forças que aquele desconhecido fosse embora o quanto antes.

Ele passou por uma árvore e depois não o vi mais. Estiquei o pescoço para enxergar melhor os arredores, no entanto não havia mais sinal dele em parte alguma. Nenhum som de folhas sendo esmagadas, nem de passos. Logo, decidi pegar minhas coisas e ir mais longe, pois tive medo daquele homem voltar e acabar me encontrando.

Continuei seguindo pela beira do rio, cujas margens eram totalmente iluminadas pela lua e assim não correria o risco de me perder. Não sabia ao certo quanto mais deveria andar, mas decidi obedecer meus instintos e ver até onde me levavam.

— Estava por aqui! Tenho certeza de que vi alguma coisa!

Meu coração começou a bater mais forte. Será que a "coisa" era eu? Talvez não. Algo me diz que tem a ver com aquele vulto que vi há pouco, mas decidi que não ficaria por perto para descobrir, principalmente se tratando das pessoas da cidade procurando por ele. Corri abraçada ao cobertor alguns metros e me escondi atrás de uma árvore quando julguei estar segura, a fim de observar a movimentação.

Havia três homens com tochas e outros três com armas em punho, prontos para atirarem. Caminhavam com todo cuidado, observando tudo no entorno a cada passo, tomando cuidado para não perderem nada de vista.

Estava escorregando pelo tronco quando vi uma sombra correndo até mim e parando na minha frente. Era o mesmo homem daquela hora. Sua mão esquerda, coberta até o cotovelo por uma armadura prateada brilhante, ficou apoiada na árvore onde eu estava e a outra, coberta por uma luva preta com detalhes em verde, próxima a minha boca, pedindo silêncio. Parecia sem fôlego, talvez o resultado de ter corrido para longe dos aldeões, porém o que me preocupava era o que ele poderia fazer comigo.

Os passos dos caçadores também não paravam, fazendo minha aflição aumentar. As mãos já suavam frio e as pernas tremiam de medo pelo que poderia acontecer. O rapaz a minha frente parecia recuperado e continha a própria respiração, temendo chamar atenção para si. Os raios da lua me permitiam ver sua vestimenta, a qual era inteiramente preta com adornos verde esmeralda. Fiquei até me perguntando se realmente não eram esmeraldas. Uma adaga prateada e afiada estava em seu cinto no lado direito e engoli em seco ao vê-la.

No entanto, não consegui observar o rosto dele pelo fato de estar virado na direção dos passos, onde o luar não alcançava. Só sabia que usava um capuz preto com detalhes verdes também.

— Por que não voltamos? É perda de tempo. Não vamos encontrar ninguém a uma hora dessas.

— Não podemos voltar de mãos vazias. Nem ao menos temos pistas.

O desconhecido ficou mais próximo a mim, encolhendo-se contra a árvore e o cheiro que vinha dele era de hortelã.

O mesmo aroma do cobertor.

Então foi ele quem me deu isso? 

Tentei alcançar seu rosto, o qual continuava encoberto pela sombra da floresta, mas só obtive pistas quando nos encaramos. O cabelo era da cor da noite e algumas mechas lhe caíam nos olhos, que eram verdíssimos como duas esmeraldas polidas. Sua pele era tão pálida quanto o luar.

— Não se atreva a gritar — sussurrou de maneira quase inaudível. Seu hálito doce e frio contra meu rosto causaram ainda mais arrepios.

— Eles estão atrás de você?

Pensei tê-lo ouvido rir.

— E o que te leva a pensar que estão atrás de você?

A conversa foi interrompida por um galho sendo quebrado perto de nós. Apenas alguns segundos de distração foram suficientes para que se aproximassem excessivamente da nossa localização.

— Droga.

 Ele praguejou e pegou meu pulso, me arrastando consigo para longe dali. Naquele instante, um tiro acertou uma árvore a milímetros de nossas cabeças.

— Está ali! E tem outro! — Um dos aldeões exclamou.

— Quero ver o quanto pode correr para se salvar, garota.

O rapaz me empurrou para frente com tanta força que  cambaleei, entretanto obedeci e corri como se não houvesse amanhã. Minhas pernas tremiam o dobro e quase caí várias vezes. Não sabia se continuavam nos seguindo ou não, mas o medo não me permitia olhar para trás de jeito nenhum.

Continuei até cair de joelhos, sem fôlego e sem comida. Havia perdido as maçãs quando fui forçada a correr. Por outro lado, ainda estava viva e isso era o importante. Ainda faltava coragem de virar para trás, dessa forma prestei o máximo de atenção nos arredores. Não havia mais a luz das tochas ou os passos pesados dos caçadores. Logo, decidi olhar na direção do homem, só que me encontrei totalmente sozinha.

O Último CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora