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— Avren, por que disse que sou parecida com a Grethel?

— Porque é verdade — afirmou, me analisando com atenção. — Ela também era ruiva, mas tinha os olhos verdes e não castanhos. Já em questão de personalidade, você também se preocupou comigo e, por causa disso, recebeu a fama de bruxa apenas para pegar ingredientes de um bolo de desculpas. 

Seu olhar logo foi em direção à janela, se perdendo nas árvores ao redor.

 — Mas o importante mesmo é ter encontrado a casa logo na primeira tentativa, sem ter dúvidas do caminho que estava seguindo — prosseguiu, mantendo o olhar distante. — Para ser honesto, não imaginei que você seria capaz disso, pois dificilmente alguém consegue chegar aqui. A velha costumava dizer que alcançar este lugar significa ser guiado pelo destino... E talvez seja verdade, afinal.

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— Tem certeza do que viu?

— Absoluta! Estava vestida com um manto marrom e branco, Vossa Eminência, não tem como ela ser uma simples camponesa e muito menos herdeira de alguma família nobre! 

O homem falava tão depressa que o Cardeal Brasjen precisou levantar a mão, silenciando-o e fazendo-o respirar fundo para se acalmar.

— Quando a vi, ela saiu correndo floresta adentro e parecia ter certeza do caminho que fazia — prosseguiu, menos afoito. — Tentei impedi-la e de certo conseguiria capturá-la, acontece que um corvo me atrapalhou. Precisei recuar e perder a garota de vista se quisesse continuar ileso, afinal aquele pássaro avançava em mim a todo instante e com uma determinação surpreendente.

— Entendo... — O religioso coçou a barba grisalha, pensativo — E conseguiu ver algo além das roupas? A cor do cabelo, por exemplo?

— A voz era de uma pessoa jovem, mas o manto a cobria por completo e não pude ter mais informações. Ainda assim, aposto que mal deve estar na casa dos vinte anos.

— Interessante... — Ele colocou a mão sobre o ombro do caçador — Precisarei de seus esforços para encontrá-la o quanto antes. É inadmissível uma bruxa perambular pela cidade livremente. Quanto ao corvo, já sabe o que fazer caso o veja de novo. 

O outro assentiu e saiu da igreja, deixando o Segundo imerso em pensamentos por alguns segundos enquanto olhava para as imagens nos vitrais. Apesar de não ter levado o relato muito a sério depois de ter ouvido a parte do corvo, a pessoa que o aldeão tinha visto só poderia ser quem procuravam há alguns dias, então talvez valesse a pena investigar.

— Uma bruxa, não é? — murmurou para si mesmo, estreitando os olhos castanhos. — Se realmente for ela, então teremos muito trabalho para colocá-la em seu devido lugar.

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Alguém abriu a porta da casa para Brasjen.

— Senhor Cardeal! — A mulher deu passagem — Por favor, queira entrar.

Ele assim o fez, sem dizer uma palavra a mais e nem a menos. O outro homem, que estava sentado na poltrona, logo ficou em pé tão estático quanto uma escultura enquanto mandava a esposa trazer uma xícara fumegante de café para a visita.

— Não preciso de nada disso, meus irmãos. Estou aqui para lhes contar as boas-novas que acabei de saber.

Marido e mulher entreolharam-se, apreensivos.

— Tenho notícias de sua filha.

— Oh, que maravilha! — A mãe de Serene exclamou.

— Apesar de ter quase certeza que se trata da menina, ainda quero pensar na chance de isso ser um equívoco — O cardeal prosseguiu, alternando o olhar entre os Westshine. — Relataram a passagem de uma mulher que mal estaria ainda na casa dos vinte anos pela cidade, porém ela fugiu de um caçador e seguiu floresta adentro sem hesitar ao ser percebida.

—  Foi para onde Serene fugiu, Vossa Eminência, só pode ser ela! 

— Pensei nisso também, minha irmã — concordou o religioso. — No entanto, se for verdade, a moça estava vestida como uma bruxa. 

A mulher colocou as duas mãos sobre o peito e o homem mantinha os olhos arregalados de pavor ao entenderem o que o visitante queria dizer. O casal trocou rapidamente os olhares antes de encararem o cardeal outra vez.

— Isso é impossível, Cardeal Brasjen. — O pai da jovem tomou a palavra — Serene nunca faria uma coisa dessas. Ela foi sempre muito bem doutrinada como nós e jamais cogitaria a ideia de transformar-se em bruxa. Se me permite dizer, talvez a pessoa que lhe contou isso tenha se enganado ou então exagerado um pouco.

— Também não acho que uma jovem como ela vá seguir por um caminho tão pecaminoso e condenável. — A concordância do cardeal fez a expressão de Alfred Westshine suavizar — Por isso, peço que vocês, junto com meu filho e outros homens, continuem a procurá-la para que todas essas más impressões desapareçam e tudo volte ao normal.

— Vosso filho também? — indagou Mildrith, surpresa.

— Sim. Antony está desolado com o desaparecimento da noiva e mais ainda com os boatos de que estou a lhes falar.

— É claro que ajudaremos — A mulher afirmou no mesmo momento. — Não vamos deixar Serene por aí com fama de bruxa.

— Isso é magnífico. — Brasjen sorriu — Lhes concedo minha benção para que possam ir em segurança e em paz.

O Último CorvoWhere stories live. Discover now