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 Acordei sentindo um peso sobre meus ombros. Apenas recordei o que estava fazendo ao dar de cara com um livro aberto na metade, mas não me lembrava de ter caído no sono e muito menos ido buscar um cobertor. De toda forma, deveria ser coisa do Avren. Fui para a cozinha beliscar um pedaço de pão e voltei para guardar os livros, com o intuito de continuar minhas pesquisas depois de preparar o almoço, quando algo fez barulho sob meu pé direito.

Era um envelope branco com o nome  "Avren" escrito na parte de trás. Não pude acreditar naquele golpe de sorte e corri para fora, onde o encontrei recostado na parede da casa.

— Pensei que não fosse acordar mais.

— Que horas são? — perguntei ao ver tamanha luz ferindo meus olhos.

— Pela claridade, quase meio dia.

Realmente tinha dormido demais, porém não era sobre isso que eu queria falar. Voltei correndo para dentro e alcancei a carta, entregando-a para ele e notando sua careta estranha.

— Onde você achou isso?

— Ela caiu de dentro de um livro. Achei que poderia te interessar.

— Nunca vi isso antes. — Avren desdobrou o papel dentro do envelope — E quem escreveu foi a velhota, não tenho a menor sombra de dúvidas.

— Eu te disse que minha curiosidade traria soluções.

— Não fique se vangloriando por ter a sorte de encontrar uma carta. Venha, sei que está se torturando para saber o que está escrito aqui.

Arregalei os olhos, surpresa.

— Tem certeza?

— É melhor do que você me encher de perguntas depois ou tentar ler escondido de mim.

Sentei ao lado dele e começamos a leitura. Não era muita coisa, mas ainda assim conseguiu me deixar incomodada.

"Avren, se conseguiu ler esta carta, significa que decidiu se preocupar com o feitiço ou porque encontrou isto puramente ao acaso pelas mãos de outrem, o que é mais provável.

De qualquer forma, tenho a obrigação de esclarecer tudo a respeito do encantamento. É claro que, a uma hora dessas, você já saiba da reação na qual o deixa atado à floresta quer queira, quer não. Descobri esse efeito pouco depois de ter lhe dado a poção e para mim foi uma surpresa.

Ao mesmo tempo em que o protege, também extrai um sentimento profundo daquele que estará sob efeito dela. Após utilizar-me de meus últimos dias para pesquisar mais a fundo, uni isso a sua reação ao saber do sacrifício exigido para o elixir e consegui saber qual era o sentimento usado para mantê-lo preso. Tenho certeza de que você se conhece bem e também deve saber agora.

Não quero obrigá-lo a mudar de postura ou de pensamento, ainda mais depois de tudo o que passou, pois isso cabe somente a você e a mais ninguém. Apenas me preocupo com seu destino e imagino que a pessoa que lhe trouxe a carta também. 

Gostaria que entendesse que, às vezes, a morte é inevitável e necessária".

O silêncio que pairava no ar era mortal e eu não ousava dizer uma palavra sequer. Avren olhava fixamente para a carta, aparentemente digerindo as últimas linhas, com o músculo da mandíbula contraído.

— "Necessária"? Não diga besteiras, velhota.

Ele levantou tão de repente que não tive tempo de segurá-lo. A carta estava no chão e Avren outra vez desapareceu das redondezas. Pelo que me contou de seu passado, não precisei de muito para entender o que estava acontecendo. Sequer poderia culpá-lo por reagir assim, mas Grethel também tinha razão no que disse. Quanto mais ele cultivar desgosto e desprezo pela morte, mais preso ficará a floresta. Dobrei a carta e a coloquei sobre a mesa antes de sair para procurar algo para o almoço.

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Não havia outro tipo de ruído que não fosse de passos de animais e de seus próprios. A floresta era grande, contudo ainda tinham muitas horas de claridade pela frente. Caso se tratasse da garota de fato, encontrá-la não seria tão difícil e assim poderiam retornar logo. 

Antony Brasjen assumiu a linha de frente, com três camponeses e os pais de Serene em seu encalço, por isso nada o preocupava. Estavam na metade do caminho para um rio quase seco quando pararam, a fim de recuperarem as energias. Sentaram à sombra de uma árvore para almoçarem até que ouvem o barulho de gravetos sendo esmagados e o som agudo de pássaros.

— Um animal selvagem?

— Não. Um ser humano.

O Último CorvoWhere stories live. Discover now