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 Por mais que já tivesse passado quase um dia inteiro desde quando fiquei sabendo de toda a história de Avren, ainda pensava e repensava em alguns detalhes que me incomodavam.

— No que está pensando tanto, garota?

— Não é nada.

Ele deu de ombros e continuou com os pés sobre a mesa, afiando a adaga com toda a paciência do mundo. Olhei para os livros e mais uma vez na direção dele, considerando a ideia de perguntar-lhe algo mesmo sabendo que estava lidando com alguém tão instável quanto a chama de uma vela ao vento.

— Avren, você me disse que o encantamento de Grethel lhe trouxe como consequência uma espécie de "dependência" da floresta, certo?

— E o que tem isso?

— Você nunca tentou encontrar um meio de desfazê-la?

— Não quero perder meu tempo com nada desse tipo. Com toda a certeza apenas a velha sabia e isso morreu junto dela. Além do mais, sua morte foi tão súbita que acabei descobrindo o efeito na prática.

Tentei esconder meu desapontamento. Queria ajudá-lo a se libertar, porém a solução estava se esvaindo como areia por entre meus dedos e eu não podia fazer nada a respeito. Não consegui evitar me sentir inútil.

— Nem continue perdendo seu tempo pensando nisso. Estou bem como estou e não preciso da compaixão de ninguém. Conheço a floresta como a palma da minha mão, logo nunca vou correr o risco de ser visto ou pego por ninguém.

— Sinto muito, mas temo que não seja verdade.

Ele me encarou e deixou a adaga de lado.

— E o que sabe para discordar?

— Na primeira vez que nos vimos, havia seis homens na floresta, lembra? — Vi que assentiu e continuei: — Quando preguntei se estavam te procurando, sua resposta foi: "por que estariam atrás de você?".

— Aquilo foi um pequeno deslize meu. E sim, eles estavam realmente atrás de mim. — Avren estreitou os olhos enquanto me olhava — Porque sim.

— Eu nem disse nada!

— Ia dizer. E já estou respondendo.

— "Porque sim" nunca foi uma resposta válida — reclamei.

— Claro que é. O único problema é sua curiosidade. A qualquer hora isso vai te deixar em sérios apuros.

Levantei da cama e fui em direção à estante de livros, pensando por onde deveria começar.

— Já disse que é perda de tempo...

— Se tem uma coisa que minha curiosidade fez até hoje foi arrumar soluções para vários problemas.

Avren revirou os olhos esmeraldas e voltou a fazer o que estava fazendo, sem dizer mais nada. Peguei o primeiro livro da direita para a esquerda e comecei a folheá-lo, contudo não havia nada que pudesse ajudar. Deixei-o na mesa de cabeceira para pegar outro, depois outro e mais outro, bufando ao não encontrar nada útil.

Só que desistir estava fora de cogitação. Com tantos livros espalhados pela casa, era impossível não existir uma única pista para aquele problema. Avren podia falar o que quisesse, mas eu estava determinada a provar que ele estava errado.

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Nem mesmo percebi que a noite havia caído. Só me dei conta ao sentir o quão divino estava o cheiro do jantar. Confesso nem ao menos ter escutado a movimentação dele pela casa o tempo todo. Quando o vi com o prato em mãos, não havia nenhum traço de sopa, mas sim pedaços de peixe e arroz.

— Se continuar assim, vai ficar sem ter o que comer.

— Você não ousaria...

— Experimente.

O sorriso malicioso dele foi o bastante para me fazer correr até a cozinha e pegar minha parte. Ainda me encontrava surpresa com o fato de eu sequer ter notado a ausência dele para ir pegar peixes, contudo estava impressionada com a enorme habilidade dele para cozinhar. Não havia uma única espinha do peixe ou escamas, e admito ter ficado com um pouco de inveja. Me ofereci para lavar a louça e quando voltei da cozinha já não havia mais ninguém. Fiquei me perguntando onde ele ficava durante a noite para me deixar tranquila, mas talvez jamais soubesse.

Não consegui pregar o olho por ficar pensando em algo para libertar Avren do encantamento. Sabia que não era problema meu e ele falou para não perder tempo, porém era algo muito mais forte do que eu. Levantei e novamente continuei procurando por uma resposta, dessa vez com vários livros sobre a mesa para me facilitar. Era certo que aquela cadeira não estava longe de ser uma das melhores, porém isso não iria me parar. Algo dentro de mim se importava demais com a liberdade dele.

O Último CorvoWhere stories live. Discover now