Capítulo 59 - O silêncio da Mata

691 102 123
                                    

O passado de Daniel e Alex Cotton estava entrelaçado como um emaranhado de arames farpados. Um não podia livrar-se do outro, pois para o lado que tentassem puxar, acabariam se ferindo. A amizade fizera deles unha e carne, e a traição, uma balança sobre o abismo, quem dela ousasse sair, condenaria o outro a cair.

Trocavam olhares enquanto Marlon Gayler os observava de sobre a cama, e contra o corpo de Cotton, Jeremy servia de escudo, o punhal afiado em seu pescoço.

— Você acha mesmo que ameaçando o rapaz irá obter algum êxito? — o possuído sorriu, as tiras ainda prendendo seus punhos com força — Se orações, águas ungidas e crucifixos de nada surtiram efeitos, acha mesmo que um rapaz recém-saído das fraldas vai ter o poder de interferir no julgamento que sobreveio?

Cotton virou-se para ele, o punhal arranhando o pescoço de Jeremy.

— Para o seu bem e o dele, é bom que cale a boca — apertou Jeremy contra si, que choramingava, orando baixinho, pedindo ajuda ao Arcanjo que protegia a ordem. Todavia não sabia se ainda acreditava naquilo, já que há muito, a luz parecera deixar aquele lugar, e eles foram entregues à própria sorte.

— Você é covarde Alex, sempre foi, e... ameaçar uma criança nunca fora uma novidade — Marlon se ajeitou, olhando para o teto — Mas no final, com ou sem um banho de sangue, você está condenado à escuridão.

Cotton o encarou, os olhos cingidos de furor. Então engoliu em seco.

À frente, Daniel tremia e não sabia o que falar, estava atônito, procurando uma forma de ajudar Jeremy. Todavia, para conseguir algo, tinha que imobilizar Cotton, e isso era muito arriscado.

O temor pressionava sua garganta.

— Vocês sabem que no fim vou estraçalhá-los, não sabem? — Marlon resmungou, e olhando para eles com ar de desprezo, cuspiu de lado — Eu vou destruir tudo no que se apoiaram todos estes anos, e fazê-los chorar pelas mentiras que aceitaram construir.

— Eu não tenho medo de ameaças Charles. Estou em Saint-Michel há tempo suficiente para ter me adaptado ao terror psicológico.

— Só que em Saint-Michel ao menos há um momento de descanso Alex. E para onde você vai, a dor é eterna.

A fala foi ameaçadora, e Alex e Daniel trocaram olhares. Trêmulo, Jeremy a todos ouvia, mas nada pronunciava. Então Mason rompeu o silêncio.

— Cotton, desista desta loucura. Você está se deixando levar pelo orgulho, e este demônio está conseguindo o que quer. Olhe para você, perdeu toda a confiança que um dia lhe colocaram, e agora, com a morte do padre, o que será do seu futuro tendo agido assim diante do bispo?

— Foda-se o bispo, Daniel. Não sei se reparou, mas isso há muito tempo deixou de ser por Saint-Michel. Eu defendi a ordem por anos, tive honrarias por muito tempo, mas chega um momento que simplesmente é cansativo fazer o papel de bom moço.

— Ora, ora... onde estamos chegando? A serpente enfim assumindo seu veneno. — Na cama Marlon sorriu, mas Cotton não o deu atenção.

— Cotton, não precisa ser assim, deixe-me ajudá-lo.

— Ajudar-me? E como iria ajudar-me Mason? Tudo o que planejei para minha vida desandou com a chegada disto que se chama Charles, e agora, olha onde estou... — meneou a cabeça, a fúria em seu olhar — Tínhamos planos, Saint-Michel não era para sempre, tínhamos planos de ir para Palência e viajar o mundo... e... olha só onde terminou.

— Alex...

— ...Você foi na frente. Você conheceu o mundo, foi bem recebido em várias catedrais, e olha só o que restou para mim — praguejou trêmulo, pouco se importando com a profundidade que o punhal arranhava o pescoço de Jeremy — Quinze anos perdidos neste lugar, servindo de babá para crianças mimadas e um velho asqueroso, lecionando para almofadinhas como esse seu sobrinho maldito e o irmão — pressionou o pescoço de Jeremy e o garoto gemeu, muito assustado. Então ele folgou os dedos — e agora não há mais como voltar atrás.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora