Capítulo 50 - Segundo Andar

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O sol irradiava pelos vitrais do Arcanjo, e olhando ao redor, Dan respirou fundo sentindo-se confuso com a repentina mudança de ambiente. Não estava compreendendo o que acontecia, então deduziu que aquela não era a realidade, mas sim algum tipo de sonho. Pensando melhor, recordou-se de que ao tentar deixar o quarto de Marlon Gayler, o ser que o dominava, o havia tomado pelo colarinho, e com força, arremessado contra uma das paredes. Assim começava a perceber a loucura de tudo aquilo, e tocando a parte traseira da cabeça, sentia a sensibilidade de onde a ferira.

A violência do arremesso o havia feito entrar naquele delírio, se é que podia ser chamado desta forma, porém, o mais estranho era a perfeição dos detalhes que podia observar ao redor.

Ele desviava os olhos do Arcanjo quando ouviu o sino soar. As badaladas estremeceram as paredes de Saint-Michel, e sentindo o coração acelerado, virou-se e observou os vários grupinhos de jovens deixando o salão comum. Afastou-se com o intuito de se esconder, então percebeu que eles não o podiam ver.

Aquelas certamente eram as primeiras horas da manhã, já que todos trajavam os uniformes. Tentou reconhecer ao menos um dentro os vários rapazes que subiam as escadarias a conversar, mas absolutamente ninguém era familiar, até que se virando, viu sair do refeitório um último garoto, apressado a mordiscar uma maçã. Ele fitou sua feição, então percebeu de quem se tratava. Aquele era ele, aquele era Charles Widmore, e para seu espanto o garoto parara a fitá-lo:

— Hey, você por aqui?

Dan não soube como reagir, gaguejou com o questionamento, e quando se preparava para responder assustou-se com uma segunda voz ecoando as costas. Virou-se confuso.

— Pequeno Charles? Então, nos reencontramos? — um segundo garoto retrucou parando ante o clarão do vitral, e Dan tentou ver sua face, mas o brilho a ofuscara — Estava me preparando para subir — disse apontando para a escadaria — Venha, quero que conheça duas pessoas.

Ele observou a silhueta de Charles Widmore aproximar-se da dupla que estivera parada bem ali, a observá-los dialogar. O primeiro tinha um sorriso simpático, era baixinho e rechonchudo, as bochechas levemente coradas.

— Charles, este é Bernardo, ou como o chamamos internamente, Pombo. A maioria o apelidara de Beterrabas, acho que não preciso explicar o motivo — sorriu indicando as bochechas proeminentes.

Por um momento Dan sentiu-se desconsertado com a revelação, mas reparando melhor na face corada e no jeito acanhado do rapazinho, teve a imediata constatação do que aquilo significa.

Ele estava no passado de Saint-Michel. Ter batido com a cabeça fê-lo de alguma forma ficar preso naquele delírio, e fixando as silhuetas com assombro, teve a atenção roubada pela nova apresentação:

— E este — o garoto cuja mão estava enfaixada apontara para uma segunda silhueta, que agora se revelava rente ao corrimão — É Alex Cotton, o Marreco.

Se a revelação sobre a primeira imagem fora um impacto para Dan, a segunda o deixou sem ar. Ele fixou as feições do rapaz alto e de traços rudes, que apenas olhou para o novato, porém não estendera a mão como fizera o primeiro. No entanto pôde ouvir sua voz, e mesmo sendo um Cotton anos mais novo, Dan reparou que mantinha a mesma postura arrogante dos tempos atuais. Como aquilo era possível?

— Então, você é o famoso sobrinho do frei das hortas?! — o rapaz questionou arqueando a sobrancelha.

— Ah, Sim. Eu acho que sim. — Dan ouviu Charles responder com um sorriso sem graça, percebendo que nele havia um pouco de hesitação. Na cabeça, um único questionamento pairava: "Ele dissera Sobrinho? Mas, Charles não era filho do frei Corcunda?" — Acho que estou me recordando de você — Charles sorriu, umedecendo os lábios — Por acaso não nos vimos antes? Digo, na semana passada, quando deixava a sala do diretor?

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora