Capítulo 53 - O sangue

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"Daniel Henrique Mason, Dezessete anos. Monitor: Lúcios Brian".

Os olhos de Jeremy passeavam novamente pelas linhas transcritas, e recostado à porta, deixara-se sentar ao chão cansado de pedir ajuda. Ele implorara socorro por horas, e devido ao cheiro de pó, tinha a garganta irritada e respirava com dificuldade. No teto as luzes falhavam, mas ao menos ainda tinha claridade, o que mantinha os roedores afastados, ocultos nos vãos das paredes.

Ele lia cada linha, cada informação com surpresa, e todo o tempo voltava a observar a fotografia em preto e branco, a feição que o observava em silêncio, os traços familiares.

Chamava-se Daniel Mason, mas tinha a aparência do irmão, Dan. Na expressão, as mesmas orelhas pontudinhas, o mesmo recorte facial e olhar desafiador. Aquilo sem dúvidas era espantoso.

Por anos ouvira que na família havia um tio que seguira os caminhos religiosos, mas nunca pudera supor que este estudara bem ali, no monastério para o qual foram enviados, e pior, que Daniel fosse a imagem perfeita de Dan.

Ele continuou deslizando os olhos pelas fichas amareladas. Eram vários relatórios grampeados, anotações assinadas, históricos. Parte das informações haviam se perdido, roídas por traças, mas o que estava intacto contava um pouco da história de seu parente desconhecido:

"...armou um plano para vingar-se de um castigo que recebera do professor. Em companhia de [parte ilegível] e [parte ilegível], deixaram as camas após o horário de recolher, e colocaram [parte ilegível] à porta do professor da classe, para que este ao acordar, pisasse e se irritasse".

Então pelo visto Dan tinha a quem puxar. Aquelas linhas demonstravam que Daniel Mason, o tio que não conheceram, era igualmente aversivo a regras e punições, e questionou-se o que Dan diria ao descobrir aquilo, ao descobrir que o parente do qual pouco ouviram falar também estudara ali, também sofrera detenções. O que diria ao ver a fotografia, e deparar-se com alguém semelhante à sua fisionomia, mas numa década anterior.

Continuou a ler, eram relatórios de castigos e advertências.

"Após interrogação, o colega [parte ilegível] não resistiu à pressão e acabou denunciando-o ao padre. Mason deverá cumprir [parte ilegível] nas celas".

As punições sempre foram as mesmas, Jeremy deduziu, o que mudava era o fato de serem registradas nas fichas dos internos. Ao que sabia, desde que chegara em Saint-Michel nada mais era documentado, exceto notas e pontuações. As advertências e castigos deixaram de ser anotados, e talvez por isso acontecessem de formas mais agressivas, completamente contrárias àquilo que seria considerado correto.

Ele continuou a folhear os documentos, eram muitas páginas de anotações, muitos rostos, entre eles outros dois que saltaram diante de si. Ele puxou as fichas, e limpou o pó de sobre elas. À sua frente dois nomes saltaram, incluindo a imagem em preto e branco de seus portadores:

Alex Cotton, Dezessete anos. Monitor: Lúcios Brian.

Bernardo Guttman, Dezessete anos. Monitor: Lúcios Brian.

Então, todos estudavam na mesma sala? Todos eram amigos no passado? — Meneou a cabeça, e curioso, passou a ler os relatórios referentes a Alex Cotton, observando ali um pouco de suas advertências:

"Pego nos corredores fora do horário permitido. Denunciou os colegas que planejavam sair sem permissão. Confirmado os fatos de que Charles Widmore e Daniel Mason estavam fora da cama, teve o castigo amenizado para reclusão e jejum".

Charles Widmore? — Jeremy lera e relera o nome na ficha do monitor — Então, eles o conheceram? Eles conheceram Charles Widmore? — um nó pressionou a garganta, e tentou prosseguir a leitura, mas, a partir daquele ponto a ficha do rapaz estava completamente em branco.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora