Capítulo 28 - Estilhaços

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— Frei Beterrabas? — O coração do homenzinho disparou quando virando-se de supetão, deu de cara com o frei da manutenção parado às costas, a observá-lo paralisar — O que faz aqui em baixo? Não devia estar no salão comum junto aos demais?

— Frei Mantenedor? — Beterrabas gaguejou trêmulo, as mãos atrás das costas, como se escondendo algo que não desejava ser visto — Eu... eu... — olhou ao redor, estavam na salinha onde guardavam os objetos da manutenção. Em uma lateral, a maleta de ferramentas do homem calvo descansava sobre uma banqueta de madeira, próxima a uma estante cheia de peças e velharias — O padre-diretor, ele... bem... O padre... pediu-me para vir procurá-lo — sorriu aproximando-se de forma gentil — Ele sabe o quanto o irmão tem se esforçado para deixar o monastério impecável a fim de surpreender o bispo, e... bem... pediu-me para lembrá-lo que assim como os demais, o irmão também é um filho de nosso Senhor, e precisa fazer uma pausa para apreciar a reunião em comemoração à data de nascimento do menino Jesus.

O homenzinho colocou de lado algumas ferramentas que trazia em mãos, e apoiando sobre a mesinha o crucifixo que ficava afixado no corredor das salas de aula, sorriu empolgado.

— Ele disse isso mesmo? — questionou com ar de alegria. Parecia cansado, abatido devido ao longo dia de trabalho incessante. Ao que aparentava, exatamente na data festiva, Saint-Michel exigira várias manutenções de última hora. Literalmente, tudo o que era possível dar defeito no intervalo entre manhã e noite parecia ter dado — Quero dizer, sobre meus esforços? — Virou-se para ele com as bochechas coradas, e Beterrabas sorriu, sentindo-se constrangido por mentir.

— É claro que disse. — O frei das hortas engoliu em seco tocando seu ombro gentilmente, desviando rapidamente o olhar até o crucifixo, pedindo perdão a Deus por mentir diante da imagem do Cristo. Então observou o frei da manutenção olhar um minuto para o longe, agraciado pelo elogio velado que recebera de seu superior. O padre-diretor era assim, um homem sério e ríspido, não dado a parabenizações, então, este tipo de gracejo era algo a ser apreciado. — Ele reconhece que Saint-Michel não seria o mesmo sem vosso esforço diário irmão. Suas habilidades em corrigir problemas prediais são demasiadamente necessárias, compreende?

— Eu, bem... eu pensei que ele estivesse irritado — O frei se virou um minuto a confessar, ouvindo ao longe o canto do coral — Pensei que estivesse irritado por não ter conseguido corrigir o problema do sino a tempo. Eu...

— Ora irmão, não fique assim — Beterrabas pressionou seu ombro com um sorrisinho amável — Não se sinta repreensível por algo que não é sua culpa. O sino está bastante velho, eu mesmo presenciei quando conversou com o padre sobre a necessidade da substituição das peças antes do inverno. Infelizmente não havia dinheiro para enviar alguém a tão longe para comprá-las. Não se puna por isso.

O homenzinho parou um minuto olhando para os pés enquanto limpava as mãos sujas em um pedaço de pano velho. Então ergueu a cabeça com um sorriso.

— Você está certo frei — ele murmurou, ainda fascinado pelo padre ter reconhecido seus esforços — Está certíssimo sabia? Eu fiz tudo o que era possível, tudo mesmo. — então beijando o crucifixo que pegara de sobre a mesa, o guardou dentro de uma caixa, com todo o cuidado — Mesmo quase congelando lá em cima, na torre, tentei a todo custo deixá-lo pronto para o badalar da meia-noite. Uma pena não ter conseguido.

— Sim frei — Beterrabas tornou a dar apoio, deixando as mãos aquecerem dentro dos bolsos do hábito — E agora, acho que o irmão deveria se apressar, o padre e o Bispo não podem ficar esperando. Todos contam com a presença do irmão. Essa é uma data muito especial, devemos apreciá-la com regozijo conjunto.

— Sim — ele respirou fundo — Sim, sim frei das hortas, você tem razão. Farei isso — virou-se a passear rapidamente pelo quartinho, recolhendo alguns objetos que ficaram jogados por ali, devolvendo-os à caixa aberta sobre a banqueta — Precisamos nos apressar. Vou apenas passar água nas mãos e no rosto, trocar de vestes, e logo estarei junto aos demais — ele sorriu conduzindo Beterrabas para fora, e então, enfiando a mão no bolso fundo do hábito, retirou uma chave, trancando a porta estreita. — Se o senhor me dá licença, preciso correr. Acho que perdi tempo demais tentando corrigir a posição daquele crucifixo.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora