Capítulo 34 - Confidências

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— Olhe para a carinha dele — ela sorriu afastando a pequena manta que recobria o seio — Não é a coisinha mais linda que você já viu? — fitou sua feição encantada, e observou lágrimas formarem-se em seus olhos.

— Eu queria estar presente quando ele nasceu. Eu, queria estar presente.

Tomando o pequeno bebê nos braços, o homem trajando vestes clérigas o ajeitou próximo ao peito. Estava adormecido, mas a feição transmitia paz, o que lhe fez bem ao coração, como nada outrora o fizera.

— Isso já não importa meu querido, o fato é que agora está conosco, e... é uma criança bela e saudável.

Houve uma pausa, ele acariciava a face do pequeno que lembrava um anjo adormecido.

— Veja este nariz. É igualzinho o seu.

Ela sorriu e aproximou-se mais, ouvindo o som dos pássaros voando pelas árvores.

— Mas as bochechas são suas. Não há dúvidas.

— Isso é verdade — ele brincou, e ela o encarou.

Então ficaram trocando olhares por longos instantes, até que fechando os olhos, a jovem aproximou-se e selou-o num beijo que acalentara o coração.

— Frei Matheus? — De repente a porta fora aberta, e passando por ela, o padre-diretor entrou recostando-a — Está tudo bem por aqui? — ele olhou para o idoso deitado na cama, percebendo que a pele estava mais alva que o costumeiro.

— Ah, sim diretor... eu... eu o mediquei há poucos minutos — deixando a lateral da cama, o baixinho que estivera a ouvi-lo murmurar, aproximou-se ajeitando o hábito — Esteve delirando outra vez, desta falava sobre uma criança, então fiz como recomendado, duas gotas.

— Perfeito, perfeito — o velho limpou a garganta aproximando-se do leito, e tomando a temperatura, fitou o moribundo um momento mais. Ele estava tão adoentado, que sequer parecia o jovem que um dia fora.

— O estranho é que desta vez mencionou também o nome de uma mulher. Eu, não entendi sobre o quê falava, já que não temos contato com garotas, mas o nome era algo como...

— Devia ser a mãe — o padre o interpelou, agitando as mãos no ar — Dizem que quando estamos com grande dor, tendemos a chamar pelo nome da mãe — conferiu a temperatura do idoso, buscando afastar aquele diálogo.

O jovem frei aproximou-se os observando.

— E então, o senhor acha mesmo que...

— Sim — o padre afastou-se respirando fundo — Infelizmente creio ser a doença de inverno. Estamos orando para que Widmore se recupere logo, mas, devo confessar que temo por ele.

Houve uma pausa, o homem respirou fundo fitando o enfermo.

— Lembro-me dele nas hortas. Eu, era adolescente quando fui transferindo para sua turma — olhou para o padre uma vez mais e sentiu-se corar, voltando ao adormecido — Quero dizer, o frei Widmore sempre foi muito divertido, em nada parecia com o idoso em que se tornou.

— Ninguém espera que a velhice nos mude garoto, as pessoas vão perdendo o brilho, o encanto, acontece com todos. — o padre retrucou, então ajeitou a vestes, afastando-se — Widmore adoeceu muito cedo, as dores da coluna foram fazendo-o curvar-se também diante das dificuldades em não poder mais liderar turmas, e isso o fez tornar-se mais recluso. Muito triste e... lamentável — olhou para a chama da vela um instante, recordando-se do passado, então meneou a cabeça, tornando ao homenzinho — Mas bem, agora preciso ir, tenho que visitar os demais enfermos. Caso ocorra algo, não hesite em me chamar. Compreendido?

— Como desejar padre.

— Deus o mantenha bem.

O diretor então se retirou do aposento, e recostando a porta, caminhou sentido ao fim do corredor. Naquela noite em especial as limitações estavam mais escuras e frias, e depois da conversa que tivera com Cotton em sua sala, sentia-se perturbado e com um nó na garganta.

Ele refletia sobre os irmãos Mason, e então, ao fazer uma curva em direção ao aposento onde estava o frei Jubilado, assustou-se ao dar de cara com uma silhueta parada no escuro. Imediatamente deu um passo para trás.

— Diretor?

— Alex? — Limpou a garganta e tentou visualizá-lo melhor, colocando a mão no coração. O frei estava envolto por roupas pesadas e um cachecol. Alguns flocos de neve branqueavam os tecidos — Por Deus Cotton, o que diabos faz aqui há esta hora?

— Venho dos estábulos — respirando fundo o monitor retirou o cachecol que protegia o rosto, e pôde sentir o cheiro forte do corredor — Acabei de despachar o garoto. Frei Isaac deve chegar ao vilarejo pela manhã, as estradas estão com muito gelo, mas, acredito que não ocorram imprevistos.

— Só espero que a égua não morra neste percurso. Eu devia ter pensado melhor, talvez expulsar Mason antes do degelo fora imprudente.

— Imprudente? Não padre, por Deus, não pense assim. O senhor sabe muito bem que fez o correto — ele o acalmou aquecendo a garganta, então o conduziu à lateral — Dan Mason era um perigo para todos nós, não somente ele como os aliados.

— Marlon Gayler e Beterrabas — o padre refletiu — Por acaso descobriu onde estão?

— Não. Infelizmente o garoto recusou-se explicar o plano. Eu até o intimidei ameaçando o mais jovem, mas isso de pouco serviu. Dan finge que não saber sobre o quê falamos, ele nega-se a mencionar...

CHIU — o padre fê-lo calar — Aqui não. Estas paredes têm ouvidos.

— Oh. Perdoe-me. Eu... — respirou fundo, sentindo o nariz congelado — Bem, quero que saiba que estarei vigiando com maior atenção a partir de agora. As aulas retornam pela manhã, então, ficará difícil de permanecerem ocultos. Se há uma coisa que os internos do monastério gostam, é de sussurros, então ficarei de ouvidos em busca de pistas.

— Você revistou os quartos uma segunda vez?

— Sim, antes de conduzir Dan aos estábulos. Infelizmente as coisas estão no mesmo lugar, assim como os objetos que reuniram para a fuga.

Respirando fundo o padre-diretor engoliu em seco, olhando rapidamente para a portinha que se projetava à frente.

— E... qual a possibilidade deles terem deixado o monastério? Digo, no susto, talvez tenham deixado os irmãos e seguido sozinhos. Talvez Bernardo tenha desconfiado que os houvéssemos descoberto e temeroso...

— Não, ele não desconfiou. Se soubesse de algo não conseguiria disfarçar. Beterrabas nunca foi bom em esconder as coisas.

O padre respirou fundo, conduzindo-o mais adentro do corredor.

— O que é muito estranho, ninguém some assim.

— Também desci às celas, como sugerido. Eles não estão lá embaixo, tampouco nas salas desativadas.

— Então resta-nos esperar, ninguém consegue ocultar-se por tanto tempo, e se Gayler der as caras, não hesite em mandar prendê-lo. Ele sabe da punição para garotos que se rebelam, ao menos espera-se que saiba, já que esteve bem próximo de Dan estas últimas semanas.

Houve uma pausa. Lá fora o vento zumbia, e Cotton limpou a garganta.

— Como estão os freis adoentados?

— Sedados — o velho retrucou, cauteloso para que ninguém os ouvisse — Não podemos permitir que despertem antes da partida de Europeus. Por mais que estejam debilitados, um sussurro poderia levantar muitas questões.

— Ótimo, é o melhor. O senhor precisa de algo mais?

— Não, acredito que não Cotton. Pela manhã espero vê-lo cedo no café, e desde já, muito obrigado pela ajuda.

— Não por isso padre. O que faço, faço pelo bem da ordem.

— Então tenha uma boa noite.

— Igualmente padre. Igualmente.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora