PARTE I

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Datada: 8 de maio de 2014.
Fotos originais de Caroline Raicco.

Ana. É, só Ana, odeio meu nome todo mas adoro lembrar de onde tudo veio, mas aí, vou contar bem do comecinho...
Moro no Méier desde os meus 10 anos de idade, com meus pais, claro. Sou filha única e minha mãe sempre me paparicava de mais, eu nunca gostei, ela ficava muito em cima de mim e eu sempre queria MEU espaço. Aos 16 anos comecei a estudar de manhã, o que me dava tempo pra não fazer mais nada pelo resto do dia! Sempre fui a má influência perante as mães das minhas amigas, por isso quase não tinha amigas por perto, sempre fui julgada por roupas curtas ou palavras ignorantes!

Era uma sexta-feira, tinha acabado de chegar da escola e fiquei sabendo da boa do final de semana, uma banda de reggae ia tocar na minha cidade, uma banda muito famosa e eu não podia simplesmente "não ir".
Insisti continuamente pra minha mãe deixar eu ir, já que quase nunca podia sair pra lugar nenhum, sempre tinha que ir escondido!

— Ah mãe, qual é.... Antes das duas eu tô em casa. Promessa! - cruzei os dedos atrás das costas.

— Ana, não existe condição! Você sabe o que rola dentro desses lugares... - ergueu as sobrancelhas com as mãos na cintura.

— Na verdade, eu não sei não, você nunca me deixa ir! - fechei a cara e soltei o ar pela boca.

— Quer saber? Você acha que conhece o mundo todo, quer ir? Então vá em frente, mas não volte atrás. - por fim, de saco cheio de cansou.

— Isso, me deixa viver... - revirei os olhos.

— Você só tem 16 anos, quer viver o que?

Eu não respondi! Era de perder tempo.
Coloquei minhas roupas curtas novamente, só que dessa vez mais arrumada, o tênis reto de marca fazia uma ótima companhia com o traje.
Eu estava cansada de ouvir as pessoas dizerem o que eu devia fazer, ou como devia me comportar, por isso eu tinha um hábito de andar sozinha. E foi assim que eu fui nesse show, solitária.
Eram nove da noite quando saí de casa, não deu nem tempo de me despedir de ninguém, fui escondidinha, vai que minha mãe muda de idéia?!
Com 70 reais no bolso já me achava rica, no showzinho eram dez conto pra entrar, me embolei na fila e atrás de mim tinha um grupo de moleques que falavam muito alto e eu tentava me concentrar no som lá dentro. Uma briga pra ver quem ia dar dinheiro pro outro, pelo o que eu entendi, um não tinha o dinheiro o suficiente.

— Ai, vem cá! - e puxei a mão de um magro, moreno, de bigode, todo tatuado. - Eu pago. Relaxa!

Ele me olhou assustado, eu acho que fui palhaça, mas logo depois ele sorriu e eu acabei devolvendo. Ele não era gato, mas era charmoso e estiloso.

— Olha, não precisa. Tá tudo bem! - mexeu os ombros.

— Quê? Fala sério, sem problemas... - dei de ombros também.

E ficamos quietos e só trocamos sorrisos até chegar a nossa vez. Paguei a minha entrada e a dele.
Era um clima agradável lá dentro, calor humano, bebida, violão e bastante dread no meio.

— Bom... - ele se aproximou juntinho do meu ouvido - Ainda posso te pagar uma bebida!

Eu sorri e fiz que sim com a cabeça, a partir dai o assunto começou a surgir.

— Você é linda! - disse meio envergonhado, enquanto olhava pra baixo. - Quantos anos?

— Eu? Imagina... - sorri com as bochechas vermelhas, certeza! - Tenho 16, e você com essa cara de velho?! - falei dando gargalhada e encostando a cabeça, de leve, no ombro dele.

— Eu só tenho 20 anos! - disse em ironia. - Para, 16? Não acredito! Tá fazendo o que aqui? Sua mãe sabe? - gargalhamos juntos.

— Ta ok então, "senhor". - fiz as aspas. - Esquece as idades, eu quero só curtir... - ele sorriu e me olhou fixamente, eu desviei o olhar. E que olhar, parecia queimar em mim, arrepiei.

A cada balançada que eu dava no ritmo do reggae, ele me examinava, e eu tentava escapar, me senti como uma tela de pintura, todo mundo parecia me observar de uma forma estranha mas bem delicada. Não bebi pra ficar bêbada, bebi pra relaxar, no copo eu carregava minhas vontades e sabê-se lá mais o que. A noite girou e quando fui ver já passava das duas, fiz careta e fui em direção da saída.

— Calma! - era um grito de desespero. Continuei andando, não achei que fosse comigo. - Ei! Calma aí. - me virei só pra ter certeza de que não era eu. Mas era.

— Ah...oi? - era o moreno xuxuzinho!

— Eu nem sei seu nome! - eu sorri. Ele respirava ofegante e risonho. - E foi difícil te alcançar, quebra essa...

— É melhor ainda não saber. - ele fez careta e eu fiz mistério no olhar. - A gente ainda vai se encontrar...

— O meu apelido é J..... - encostei na boca dele e balanceia a cabeça negativamente.

— Calma, guarda pra próxima! - sorri, me virei e fui andando, admirando a noite que tava foda pra caramba!

— Vou guardar seu cheiro! - olhei pra trás e ri.

Entrei em casa pela janela do meu quarto, entrada de emergência! Larguei o celular em cima da mesa do PC e tirei o tênis do lado da cama, dormi de pressa mas com certos sonhos. No dia seguinte, adivinha? Dor de cabeça enorme!
Sentei na beira da cama, ainda com a roupa da noite passada, fedendo a álcool, tirei a roupa e coloquei um pijama de freira pra enganar o cheiro um pouco e sabe aquele cabelo grudado de sujeira? Prazer, era o meu!

— Bom dia, mãe! - falei atravessando a sala.

— É, bom dia! - me reparou dos pés até a cabeça.

Fiz um Nescau e coloquei requeijão, presunto e queijo no pão, me sentei na sala e fiquei vendo desenho. É, desenho!

— Café da manhã às três da tarde? - ergueu a sobrancelha e fez cara feia.

— É pra não perder o costume... - sorri.

Em seguida lavei o cabelo pra sair toda aquela sujeira e cheiro, depois fui comprar um piercing.
Atravessei a rua e fui em direção ao bazarzinho. Olha aqui, olha lá, 30 minutos pra escolher um piercing, finalmente, um de pedrinha rosa foi o que eu levei. Enquanto me olhava no espelho, senti uma mão no meu ombro.

— Ana? Ana! Quanto tempo, como você tá, louca? - alguém gritou e interrompeu meu ritual de piercing.

— Clarinha! - abracei ela e já comecei a reparar. - Caraca, tá toda tatuada! - gargalhei. - Que foda!

— Tô! - concordou com a cabeça e sorriu. - Tava indo lá fazer outra agora, que tal arriscar uma? - mexeu as sobrancelhas e me cutucou no braço.

— Sua louca, eu quero... Mas como? Sou de menor, maluca! - cruzei o braços e fiz bico.

— Vem comigo... Sabe que a gente dá jeito pra tudo! - me agarrou pelo pescoço e me puxou pra fora.

A Clara era aquela famosa exceção. Era a única das minhas amigas que minha mãe tinha medo que eu andasse, além de ser mais velha era totalmente porra louca!
Comigo e com ela juntas, algumas mães surtavam mesmo. Havia tempo que não a encontrava, e chegar em casa com uma tatuagem e dizer que foi a Clara? Aquilo causaria um infarto na minha velha!

linda, louca & mimada [1]  - Caroline RaiccoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora