Capítulo 38 - Fotografias

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— A ponte não pertence a Saint-Michel — o velho sorriu capengando até ela — Não percebe no traçado da vegetação? Há mais que pinheiros e corvos, veja — indicou as laterais próximas à margem do riacho, e então Dan fitou o traçado cheio de florzinhas amarelas — Esta é uma ponte que há nos fundos do vilarejo. Eu a pintei anos antes, enquanto aguardava Widmore retornar da feira.

— Widmore?

— Você o conhece como frei Corcunda. Todos o chamam assim atualmente — o velho sorriu, então tornou a fitá-lo — A imagem foi pintada na época em que Widmore era frei das hortas, eu era o responsável por ajudá-lo. Hoje em dia o responsável é um garoto chamado Bernardo.

— Ele já não é tão garoto assim — Dan o interrompeu, e o velho recordou-se de que não estavam nos tempos antigos.

— Não é? Ah sim, eu... faz tanto tempo que deixei aquele lugar que por vezes esqueço que os anos passam rápido.

Dan fez uma pausa, o homem era literalmente louco, mas ainda assim tornou a ele.

— Por que dos corvos em todas as imagens?

O velho sorriu, caminhando de volta a pia.

— Ora. E tem como nos livrarmos deles? — meneou a cabeça — Por acaso você já tentou ficar um instante sem ouvir ou ver um corvo na colina? — sorriu e Dan refletiu sobre aquilo. Era verdade. — Há quem diga que os corvos serão os últimos habitantes do lugar, quando a ordem tiver chegado ao fim.

— Chegado ao fim? — Ele o encarou. Aquele assunto parecia muito interessante.

— Ora, nada dura para sempre garoto, não é mesmo? — o velho sorriu, e Dan não compreendeu — Pense um momento, Saint-Michel foi um mosteiro construído para abrigar freis, e não garotos rebeldes como você — fez uma pausa — Enquanto esteve lá, por acaso viu entre seus colegas algum que mencionava o desejo de integrar a ordem religiosa? — Dan pensou outro instante, e percebeu que por mais maluco que parecesse, muito do que o velho falava fazia sentido.

— Eu, acredito que não.

— Sendo assim, logo os que administram já não estarão ali.

— A que se refere?

— À morte rapaz, ela chega para todos, cedo ou tarde — deu um sorriso mudo, e Dan sentiu-se estranho. Então voltou a olhar para os quadros.

— Mas neste caso Palência mandaria novos representantes? Não?

Houve silêncio, e numa alta gargalhada o velho quebrou o clima sombrio. Dan se virou, tentando entender o motivo da piada, e afastando-se Ratazanas buscou por uma garrafa de bebida.

— Novos representantes? O local realmente o isolou do mundo não foi?

— Eu, não compreendo.

— Palência está em crise garoto. Na realidade, todas as grandes catedrais. As pessoas já não se importam com locais de reclusão — ele umedeceu os lábios, então apontou a televisão — O que no passado enchera conventos e mosteiros fora o medo do inferno. As pessoas de hoje são mais esclarecidas, e veem que a fé pode andar de mãos dadas com a liberdade. Já não é preciso extremismos para se achegar a Deus, por isso os jovens compreendem que a dedicação total lhes é desnecessário, uma vez que Deus pode ser encontrado em todos os lugares.

Dan fitou-o um minuto, e então respirou fundo. Falar sobre religião e sociedade não lhe era algo agradável.

— Se você ousasse falar isso em alguma aula de Alex Cotton, certamente teria a língua arrancada.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora