Ceres - O Retorno Da Escuridão [LIVRO 3 - COMPLETO]

Capítulo Vinte e Quatro

Capítulo Vinte e Quatro

As volumosas árvores que cobriam o topo da cabeça de Savannah lhe faziam pensar numa cabana, apesar dos persistentes chuviscos que ensopavam seus cabelos cor de ébano e suas vestimentas de lã negra. Acimam, o céu abandonava o manto gris que vestira toda a manhã, adensava agora um âmbar delicado e poderoso, onde aos poucos deixaria somente a escuridão prevalecer na noite.

Como as histórias já diziam, a subida do Vale de Trinton era traiçoeira. A primeira vez que conhecera aquele caminho remontava há um ano. Lembrava-se perfeitamente como a princesa Mia havia decidido subitamente a partida deles, comprara mulas, tanto para ela e seu irmão, como para Savannah. E o trio fizera o caminho do alvorecer até a calada da noite, podendo encontrar assim o resto do grupo que se encontrava no Vilarejo de Cima: Emily, Louis, Thor e Anna. Memórias distantes, saudosistas e nostálgicas.

Deixou o pescoço virar até onde podia e observou as centenas de cabeças que seguiam atrás de si. Todos cabisbaixos, encolhidos e silenciosos. Mesmo que houvessem aqueles que montavam mulas, normalmente os mais velhos e as crianças, pareciam todos formarem um único corpo que se movimentava como uma grande lagarta preguiçosa que lutava para não escorregar na terra molhada.

– Você não respondeu minha pergunta – Ulysses protestou.

– Porque você faz muitas perguntas.

– E você responde todas com "porque sim". Isso não é resposta!

Savannah segurou um sorriso nos lábios, era verdade que o garoto lhe torrava a paciência, mas já o amava demais.

– Por que você retornou para casa?

– Porque vocês precisavam mais de mim do que eles – ela confessou. – Feliz?

Ele riu, vitoriosamente.

– Sabia que faria isso!

A jovem arqueou as sobrancelhas.

– Sabia?

– Sim. Você não é como as outras garotas ou garotos desse vilarejo.

– Então? Sou uma aberração?

– Algo do tipo, mas uma aberração especial – ele alegou. Savannah riu, colocando seu braço em volta de seus ombros e lhe dando um pequeno cascudo na cabeça, fazendo o menino rir.

– Faça algo de útil e veja como está sua avó.

Sem protestar, ele partiu com pressa a procura de Heida que vinha montada numa mula.

– Você é importante para ele – a voz de Danira surgiu ao seu lado.

Os cabelos escuros da mulher estavam com as mexas grudadas na sua pele, uma das mãos levava um grande cajado que a ajudava se locomover, afinal ela carregava um grande pano sobre o torço que amarrava-se nas costas, ali estava David.

–  Ele a vê como uma irmã mais velha, fico feliz de ver isso. Até hoje, corta meu coração lembrar-me do dia que descobrimos a morte de seu pai.

– Numa caça? – Lembrava-se quando Ulysses lhe contara.

– Isso é o que a avó dele prefere contar, mas Hidric morreu no Vale. Ouvira histórias de um povo que tinha a cura para a doença que sua mulher tivera quando grávida. Ele morreu tentando salvá-la, Tamara não resistiu e morreu no parto.

O coração de Savannah se apertou uma contra o peito.

– Trágica história, somente Heida pudera lhe acolher, e ele cresceu sozinho, afastado das demais crianças. Por isso, fico feliz de vê-lo com alguém que ele ame além da avó.