Capítulo Dezenove

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Capítulo Dezenove

Astrid nunca tinha dado devido valor ao que seu reino tinha de mais belo: o mar. Deveras, não lembrava-se de um único dia que não teria olhado aquela imensidão azulada que acariciava os densos grão negros da areias de Wanderwell. Entretanto, também não se lembrava de um único dia no qual parara seus afazeres e sentiu-se grata por tê-lo ali.

Não ter aquela imensa liberdade ao pé da janela, dando-lhe a vã esperança de que tudo sempre teria uma saída, isso sim era asfixiante.

Os claros olhos penetravam a imensa tela pendurada na parede de seu escritório particular, tinha sido oferecida por seu marido, no mesmo dia em que se casaram.

Duas naus, em pleno mar, uma com o poderoso estandarte do Cavalado Alado e outra com o veemente Espadarte, ambas ondulando no vento. Juntas, se guiando pela tempestade. Era um quadro que roubava suspiros por devida beleza na perfeição de suas expressões, na simetria, a força do mar, e a preponderância de Skywell. Porém, este mesmo representava cansativos significados. Tinha passado dias se perguntando qual teria sido ele. Inicialmente parecia que se aquelas embarcações estavam unidas, era unicamente pelas consequências: a terrível tormenta que lhes apanhara e assim, teriam de trabalhar juntas para encontrem o caminho de volta para casa. A rainha procurou mais até simplesmente deixar-se levar pela ideia que mais lhe agradava da união e força, que menos lhe machucava. Talvez deveria ter continuado a busca pela verdadeira resposta, se tivesse o feito, a dor atualmente não seria tão grande.

– Majestade, trago-lhe quem a Vossa Senhoria ordenou – um dos guardas disse numa voz gutural nortenha. Era um novo. Viera para substituir aquele que tentara lhe violentar no próprio corredor de seu castelo. Astrid ainda não tinha conseguido decifrar o nome que tinha lhe dito da primeira vez, porque por duas vezes pedira para repetir e ainda assim não lhe pareceu nada familiar.

– Deixe-nos – ela ordenou, com os olhos fixos na pintura.

Mas, em seguida mantéu o silêncio.

– Majestade, você ordenou minha presença aqui – Ethel falou numa voz tão amedrontada que quase não se ouvia.

– Eu nunca entendi as mulheres que ao serem traídas, vingam-se daquele que se deitou com seu marido, ao invés de se vingar do próprio – Astrid, refletiu, num timbre pensativo, analisando as ondas do furioso mar. – Minha mãe não era assim.

Astrid tirou proveito de uma grande golada de vinho da taça que levava em uma das mãos.

– A única pessoa quem ela culpou foi meu pai. Ela gostava dele quando se casaram, mas toda sua confiança foi destruída quando descobriu sua traição que não esperou nem mesmo um ciclo da natureza... Ela apenas parou de amá-lo. Recusou-se a deitar-se com ele novamente, trocou de quarto e continuou seguindo suas funções de rainha.

Ethel a olhava com olhos extremamente receosos, sem entender o rumo daquela conversa.

– Minha mãe diz que, após perceber duas semanas mais tarde que ela não retornaria, meu pai engoliu seu orgulho e veio aos seus aposentos e pediu perdão. Você não conhece meu pai, isso deve ter sido o maior gesto de sua vida. Porém, minha mãe sempre foi conhecida por ser rígida como um muro. Ela não aceitou... Uma semana mais tarde, ele retornou, mas não para tentar se desculpar.

Astrid encarou a aia, com os irritantes olhos inocentes arregalados.

– Ele retornou para violentá-la, em nome do bem de Wanderwell e de sua necessidade de ter sucessores.

Ela viu a menina perder o fôlego.

– Foi assim que eu e meu irmão viemos a este mundo.

Ethel foi incapaz de manter seus suspiros de horror.

Ceres - O Retorno Da Escuridão [LIVRO 3 - COMPLETO]Where stories live. Discover now