Capítulo Um - Parte I

3.8K 419 597
                                    

Capítulo Um

Quando os primeiros raios de sol atravessaram o céu cinzento na silenciosa alvorada, Elliot Norwood percebeu que por mais que temesse o que estava por vir, a hora chegaria. Ver aqueles primeiros feixes de luz polida da primavera trouxe inevitavelmente a recorrente memória dos lustrosos cabelos dourados de Anna Campbell, brilhosos como a luz solar sobre aquela vastidão gris. Lembrou-se especificamente da conversa que tiveram a beira do lago, ao pé do coreto. Sua voz angelical perguntava se, um dia, ele gostaria de ser rei. Talvez, em outra realidade ele gostasse de ser rei, porém naquela a ideia era completamente aterrorizante.

O crepúsculo viera e se fora lentamente dando espaço para o amanhecer. Elliot não pregou seus olhos ansiosos, ele não conseguia fazê-lo desde o Baile de Sangue. Assim fora chamado a hedionda noite onde seus pais foram brutalmente assassinados, nobres como servos mortos pelo aço, pelo fogo ou pisoteados pelo desespero. Naquele dia, o norte ganhara a batalha, mas ao mesmo tempo perdera tudo.

Ele caia em luto enquanto a guerra se erguia.

Elliot acreditava estar tendo um pesadelo de olhos abertos. Eles tinham tudo numa noite: um futuro grande aliado, confiança, um novo herdeiro na família real. Era a iniciação de um futuro brilhante para os nortenhos e subitamente, numa única noite, tudo fora dizimado.

O príncipe afastou-se lentamente da porta de vidro que levava até a sacada e rodopiou pelo quarto cinza perolado. Seguiu até a penteadeira de sua irmã e fixou o olhar na fita de seda azul que ela guardava pendurada no espelho. Pensava constantemente se Amélia saberia como reagir naquele momento. Se ela estaria menos assustada que ele estava diante toda aquela responsabilidade. Ansiava perguntá-la, mas até mesmo Mia, sua irmã, tinha morrido naquela noite.

Disseram que ela estava na tribuna quando o teto desabou, que o fogo tinha engoliu-a junto dos cadáveres de seus pais. Outros diziam que Gardênia tinha a sequestrado. Alguns sussurravam que fora a própria princesa que começou o incêndio, que ela havia queimado pessoas vivas. Mas a única coisa que Elliot sabia foi que três corpos foram encontrados carbonizados na tribuna, de um homem e duas mulheres.

Enquanto sua irmã ficara no meio do caos, Elliot estivera trancado com os irmãos desesperados dentro de um quarto, muitos disseram que ele fora corajoso por ter protegido os seus sangues, entretanto não era assim que ele sentia.

Era inconcebível, irreal e indizível que aquilo poderia ser verdade. Algo em Amélia fazia parecê-la importante, intocável e imortal. E no entanto, ela acabara morta como muitos outros nortenhos apenas porque um teto em chamas desabou. Não foi uma morte heroica, foi vazia. Aquilo fez Elliot voltar atrás com todas suas crenças, não haviam privilégios, todos morreriam de qualquer forma; degolados, enforcados, atacados por monstros, esfaqueados ou queimados. Não havia importância de quem era ou do que fez. A morte era certa para todos, e nem sempre era uma morte memorável ou digna.

Um ar gelado correu por sua boca quando ele se afastou do espelho e sentou-se sobre os cobertores de algodão estirados em cima do colchão de penas. Quase todos os dias Elliot ia ali, no quarto de Amélia, para pensar. Apesar de nem mesmo ele entender seus motivos.

Uma sombra surgiu no quarto e a voz do Conde Butler ressonou com polidez:

– Procuram por você, Vossa Majestade.

Elliot não se deu o trabalho de levantar seus olhos, eles estavam fixos na sua própria imagem refletida no espelho. Usava um gibão negro com detalhes e medalhas douradas, era um modelo que seu rei costumava usar, mas que fora reajustado, porque o rei era mais alto e mais forte. Elliot não era baixo e tinha músculos definidos, mas tudo que ele via no reflexo era um garotinho assustado e fraco.

Ceres - O Retorno Da Escuridão [LIVRO 3 - COMPLETO]Where stories live. Discover now