Capítulo 37

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É a primeira vez que vejo este sítio do exterior, pensar que um edifício completamente banal esconde tanto incomoda-me e tira-me as poucas certezas que eu tenho de querer entrar.

A minha pulsação torna-se tão descontrolada a ponto de eu a sentir latejar na cabeça, é impossível adiar este momento, eu tenho de entrar, tenho a câmara  presa na camisola, ajeito-a e empurro a porta. 

Encontro-me numa sala com um cheiro extremamente desagradável, deparo-me com uma visão que me deixa em choque, Ellie, deitada sobre o chão coberto com uma pequena chama, sem qualquer tipo de roupa a impedir-me de ver os seus ferimentos, recorda-me da rapariga que foi espancada por tentar sair... desvio o olhar e continuo pelo caminho que Amy me disse, não posso parar, e mesmo que pudesse não o faria.

Subo pelas escadas, o scan está de facto desativado, tenho quinze minutos apenas, corro até à sala de tortura, tento ignorar as memórias que esta me traz e de seguida passo também pelo dormitório, é possível ouvir a música no salão.

Percorro novamente o corredor principal, eu sei que o vou ver, é algo inevitável. O segurança sorri-me e eu suspiro de alívio ao saber que está tudo a correr como é suposto.

Entro com receio no salão, é como se o tempo não tivesse passado por aqui, continua tudo igual com a exceção de novos rostos, avanço com passos receosos, a música, as gargalhadas e as luzes preenchem-me de recordações dolorosas. 

E depois vejo-o. No meio da habitual confusão ele permanece calmamente sentado, no seu próprio mundo, até que o seu olhar se cruza com o meu e tudo muda em questão de segundos, sem que eu tenha tempo de sair de sitío ele percorre a pequena distância e rodeia os meus braços com força:

-ESTÁS DOIDA?!TENS DE SAIR DAQUI AGORA!

Limito-me a observá-lo com uma calma que não sinto dentro de mim:

-Não..não pode ser, tem haver com a vingança de Amy não tem?

-Sabes que se trata muito mais do que uma simples vingança- murmuro

-Tens de sair daqui agora- interrompo-o

-Eu não vou fugir, Andy, acabou, tudo isto vai acabar em meros minutos..

Ele ignora-me e limita-se a puxar-me pelo braço até ao corredor todavia afasto-me num puxão enquanto recebo um olhar surpreendido, finalmente ele percebeu:

-Ela também está aqui não está? É por isso que estás tão segura

Sem acabar a frase ele avança em passo de corrida até ao escritório, acompanho-o de modo desajeitado, quando eu entro deparo-me com Amy, Chris e Andy na mesma sala. Família reunida:

-Ah..mas é claro que faltava a cereja no topo do bolo, a ruiva - dirijo-lhe um olhar de raiva

Nunca pensei que fosse possível odiar assim tanto alguém,o  clima está tão pesado que o mínimo dos suspiros se ouve, existe demasiada coisa a ser dita:

-Ruby é melhor saíres- avisa-me Amy

Todavia quando eu recuo, é o próprio Andy que me fecha porta e impede a minha passagem, desvio o olhar do seu ódio:

-Sair? Minha querida ainda existe tanta coisa a ser feita, por exemplo, primeiro eu vou acabar com a ruiva

A raiva dentro de mim explode e cria-me reflexos que habitualmente não tenho, nem eu mesma sei o que fiz, agi por impulso e só depois me apercebo de que rodeio-o o pescoço do Sr. Biersack Nojento com as mãos, sinto a ponta das unhas afundar na sua pele, ver a sua expressão de espanto e dor traz-me um prazer doentio, quase como um pequeno gosto de vingança, tem uma duração curta.

Sou atirada para o chão e vejo-o empurrar Andy enquanto me levanto, tem uma arma presa no seu cinto, um pressentimento horrível faz-me suster a respiração brevemente, numa troca de palavras rápidas entre os dois, Chris vira-se e aponta para Amy:

-Achas mesmo que irias chegar aqui e conseguir acabar com tudo? - ele ri-se de modo amargo

E depois eu percebo. As chamas não estavam limitadas apenas para Ellie. Este sítio está a arder.

Ouve-se vozes autoritárias acompanhadas de passos ruidosos pelo corredor, Andy prende o seu olhar no meu e saí apressado, todavia mais uma vez eu corro atrás, agora sou eu que o prendo pelo braço, vários homens fardados apressam-se em meu auxilio, apesar de se debater, acabo por o ver ajoelhado e com algemas.

O som de um tiro ecoa pelas paredes, esbarro contra dois homens que não permitem a minha passagem para o escritório, temo por Amy.

Tremo por todo ao lado, tentei tantas vezes imaginar isto acontecer e no entanto ainda me custa a crer que isto é real.

Vejo Amy sair com os olhos repletos de dor e mágoa e eu respiro de alívio, corro para ela num abraço apertado e só depois me apercebo que tudo à nossa volta está prestes a desmoronar, é possível sentir o cheiro do fumo aumentar consideravelmente, pessoas saem do salão em total pânico, espreito por entre a porta, Chris está caído e com sangue a sair pela boca.

Amy olha para o mesmo sítio que eu em choque . Não existe tempo para fraquezas nem reflexões agora. Arrasto-a para a saída.

As chamas tornam-se visíveis já no exterior, o pátio preenche-se com polícias e bombeiros, muitos dos que se encontravam dentro do salão fogem ou já o fizeram, sou encaminhada para uma viatura, separada de Amy.

Encosto a cabeça à janela e fecho os olhos numa tentativa de voltar ao controlo do meu corpo, o fim começou.



TORTURADAWhere stories live. Discover now