Capítulo Nove: Preso, A Garota Que Surge das Sombras

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Marshall


Dois dias se passam e eu percebo que desde a madrugada em que peguei a garota me observando enquanto eu dormia sua atitude mudou comigo, desde o primeiro dia em que estava desperto ela demonstra que não deseja mais contato comigo do que o essencial, mas agora ela parece mais fria, sempre com raiva de mim.

Sonho com o papai sendo executado no Mastro como todo insurgente ou terrorista, ouço seus gritos momentos antes de sua morte e lembro-me do rosto da Trice molhado por suas lágrimas.

Acordo muito mais tarde e já não está mais tão quente, mas, mesmo assim, estou suando, todo meu corpo lateja seguindo a pulsação do meu coração.

Tem madeiras pregadas nas janelas o que faz com que o quarto fique bem escuro, o luar transpassa as frestas em minúsculos filetes de luz que iluminam o chão, vejo a garota em pé próxima à porta, não a tinha notado no cômodo. Ela deve ter vinte e um anos, é mais nova que a Trice que agora tem vinte e dois.

Obviamente ela não é um oficial e não tem mais idade para se alistar. Isso significa que desertou ao não se alistar quando tinha doze anos como é obrigatório.

Ela está com uma expressão severa, um olhar assassino, lembro-me de minha mãe, ela tinha esse mesmo olhar, mas só o direcionava a mim, eu estragava tudo, estava errado e sempre era culpado, até por coisas que nem sabia da existência, tudo que era feito por mim não era bom o suficiente.

Recordo de uma casinha que a mamãe havia dado a tia Helern em seu aniversário quando elas eram pequenas, sei que foi a última vez que a mamãe a viu viva, ela nunca se desfez da casinha, nós havíamos nos mudado e o papai tinha acabado de ser preso. A Trice encontrou a casinha e brincou com ela a tarde toda, até que ela a derrubou do beliche.

Ao se chocar contra o chão, a casinha se espatifou em milhares de pedaços. Quando a mamãe chegou, brigou comigo e me bateu, sem nem perguntar quem a tinha quebrado, eu assumi a culpa para a Trice não pagar, mesmo sabendo que não aconteceria grande coisa com ela, sempre assumi seus erros e compromissos, ela me deixou sem comer por vários dias.

Logo passei na prova de graduação para a décima série e entrei na aula extracurricular de marcenaria, que por sinal era horrível. Passei os próximos seis meses tentando construir uma casinha idêntica, ao conseguir fazer a mais perfeita, a embrulhei e esperei seu aniversário.

Quando a entreguei, ela simplesmente disse que não queria aquele lixo, que fiz aquilo para magoá-la, ela jogou a casinha na minha cabeça, ainda lembro-me da sensação de ter o meu sangue quente escorrendo pelo meu rosto, eu havia feito a casinha para vê-la feliz, mas só consegui a fazer ficar com raiva de mim.

Abandono minhas memórias, volto á mim quando a garota avança em minha direção. Visualizo em sua mão uma faca reluzindo o brilho da lua. A garota sobe em cima de mim, o que faz aumentar a dor em meu corpo ainda muito ferido, grito involuntariamente devido à dor, meus músculos se contraem por causa de seu peso.

Ela segura a faca com as duas mãos, como se com um único golpe tivesse de ceifar minha vida e salvar a dela, tento detê-la segurando seus braços, mas ela é mais rápida do que eu e consegue desferir um golpe que tem êxito, metade da faca entra em meu peito, próximo a minha clavícula, sinto uma dor aguda e grito.

Encaro-a e por alguns segundos nossos olhares se cruzam, desconheço o motivo ou a origem desse repentino desejo, porém sinto vontade de beijá-la, não o faço. Sem reação a jogo para o lado tirando-a de cima mim, ela cai no chão, mas logo ela está de pé, ainda me encarando com um olhar sanguinário, ela queria atingir meu peito, perfurar meu coração com a fria lâmina assassina.

Walking For Silence - InsurreiçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora