Tivemos um restante de dia bem tranquilo, matando a saudade e conversando sobre tudo que um perdeu longe do outro. Joseph havia se tornado outra pessoa, um homem maduro e mais seguro do que com seus vinte anos. Ele parecia ter aprendido muito com as dificuldades vistas nas partes mais pobres da África.

— Shaira, aquelas pessoas são tão felizes com tão pouco. É até egoísmo quando a gente se chateia com coisas banais. Eles estão aí para mostrar ao mundo que tem força. – Ele fazia cafuné em mim. – São receptivos, sabe? Diferente de muita gente que eu conheço aqui na Europa.
— É... As dificuldades fortalecem a pessoa, mudam a gente. Eu nunca passei por tudo que aquela gente passa e agradeço todos os dias por isso, mas posso sentir o quanto deve ser difícil viver naquelas condições. – Beijei sua bochecha e um silêncio agradável pairou entre nós.

***

No dia do lançamento, acordei durante a madrugada e fiquei sentada na cama, com as mãos entrelaçadas e apoiando a cabeça. Estava muito ansiosa. Não era a primeira vez que lançava um livro, mas era meu livro mais pessoal.
Tive um flashback do meu primeiro lançamento, foi uma das minhas melhores noites. Eu estava atordoada com tudo, vários repórteres me interrompendo a todo tempo, segurança me cercando e muita gente querendo autógrafos. No fim, deu tudo certo e eu fui para casa quase que levitando. Só faltava meu melhor amigo ao meu lado.

— O que foi, Shaira? – A voz de Joseph ecoou rouca e cansada. – Está se sentindo mal?
— Desculpe por ter te acordado... Eu não consigo dormir, estou ansiosa. – Dei uma risada fraca.
— Vai dar tudo certo hoje a noite. Você sabe do seu talento e sabe que vai conseguir tudo o que quiser. – Ele se sentou ao meu lado e segurou minha mão.
— Estou muito nervosa, Joseph. É um livro sobre mim. É minha história. Não me sinto bem, tô tendo um ataque de pânico! – Minha voz saiu muito aguda.
— Ei, se acalma! Não fique com esses pensamentos negativos, você sabe que vai estar tudo sob controle lá. – Ele acendeu a luz do abajur e olhou para mim: – Eu tô junto com você nessa, não precisa se preocupar com nada. – Ele me deu um beijo no ombro e eu ponderei que realmente não havia com o quê se preocupar.

Acordei com o sol fraco atravessando a persiana do quarto. Com certa dificuldade, abri os olhos e vi que ele já havia se levantado da cama, mas estranhei o silêncio na casa. Dei uma afagada nos cachos, escovei os dentes e fui até a sala pé ante pé.

— Mamãe, meu padrinho fez panqueca. Você vai dividir comigo? – Peter pulou no meu colo e eu tive que me apoiar na parede.
— Bom dia, meu amor. Vou te dar um pouco. O que você já comeu? – Coloquei-o no chão e esperei sua resposta.
— Ele comprou iogurte no mercadinho ali em frente. Mas eu também quero panqueca. – Sorri e concordei com a cabeça.
— Bom dia, Joseph. – Ele me deu um selinho e me entregou o prato logo em seguida.
— Está mais calma, Shai? – Colocou a mão no meu joelho e apertou carinhosamente. Peter roubava duas panquecas para seu prato e eu fingia não ver.
— Sim. Não. Um pouco. – Dei um meio sorriso. – É normal. – Suspirei e cortei as panquecas do meu prato.
— Vai dar tudo certo hoje a noite, pode ter certeza. – Ele deu um sorriso grande e eu soube que iria correr tudo bem, nos conformes.

***

A livraria tinha bastante gente. Muitas garotas, muitas garotas negras como eu. Nunca havia me sentido tão orgulhosa de mim mesma. Queria poder abraçar todas aquelas pessoas ali e dizer que independente de suas cores ou classes sociais, elas jamais estariam sozinhas.
Minha família estava em uma mesa separada exclusivamente para mim. Meu pai tinha os olhos brilhando de orgulho, minha mãe estava radiante, John estava paquerando Katherine, mas ela não lhe dava moral, e Joseph, Joseph estava de cara fechada para meu irmão mas tentava sem sucesso dar um nó na gravata de Peter. Sorri para meu filho que retribuiu de prontidão.
Eu sou feliz. Tenho ao meu lado as melhores pessoas nos melhores momentos, tive as melhores oportunidades. Meus olhos se encherem d'água e eu sorri com o pensamento.

Após alguns autógrafos, resolvi fazer um discurso direcionado aos meus convidados particulares e alguns funcionários da livraria e editora. Ainda tinha muitas meninas esperando que eu assinasse seus livros, mas aproveitei o momento.

— Eu gostaria de falar uma coisa. – A atenção de todos foi voltada para mim. – Quem está aqui, com o meu livro em mãos, sabe que isso não é só mais um romance. – Respirei fundo e continuei. – Eu me orgulho de ser quem eu sou hoje, de quem eu fui ontem, me orgulho de mim pela pessoa que me tornei. A gente enfrenta coisas na vida que nunca imaginaria, mas são essas coisas que nos fortalecem. É isso que faz você ser a pessoa que é. Com esse título aqui, atraí pessoas que se sentem inferiorizadas, mas vocês não são. Não existe isso de ser inferior ou superior que o outro. Se você se sente mal pela sua cor ou seu cabelo, entenda que você não deveria sentir vergonha de ser quem é. O que as pessoas pensam é da índole delas, mas jamais se sinta mal pela sua etnia. Eu tive muito contato com o racismo quando vim para a Europa, mas eu consegui e consigo até hoje vencer esse câncer de algumas sociedades. Eu tive o apoio de gente que me ama. – Olhei para Joseph e ele me devolveu seu sorriso mais lindo. – Eu tive a confiança de me sentir bem assim e quero que todas vocês aqui se sintam assim. Espero que Além da Cor consiga fazer vocês se sentirem vivas e poderosas com tudo. Vocês são maravilhosas! – Sorri e finalizei meu discurso.

***

— Essa noite foi maravilhosa, Joseph. – Ele fazia pequenos círculos com as pontas dos dedos nas minhas costas. – Deu tudo certo, acabou sendo melhor do que eu imaginava.
— É... Eu te falei, Shai. Você tem potencial, é talentosa e sabe sobre o que está escrevendo. Estou ansioso para ler seu livro.
— Eu espero que goste. Escrevi sobre você também. Sobre nós. Sobre nós antes da sua viagem e sobre o que eu imaginava que seríamos quando voltasse.
— E na sua imaginação as coisas condizem com o que estamos vivendo agora? – Eu me afastei e vi um sorriso brincalhão tomar conta de seu rosto.
— Não. Nadinha. Nem um pouquinho assim. – Juntei os dedos indicador e polegar para fazer o gesto.
— Ah, que pena... – Ele fingiu chateamento e fez bico.
— Está muito melhor do que qualquer coisa que eu pudesse imaginar, Joseph. Viver é melhor do que sonhar. – Sorri.
— Eu te amo. – Seus olhos azul-escuro estavam como duas grandes piscinas naturais me encarando.
— Eu também amo você. – Sorri e ele também, dando um beijo na minha testa no mesmo momento.

FIM

Além da Cor - CompletoWhere stories live. Discover now