Capítulo 25

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Shaira Tutu

Liguei para a casa de minha avó e pedi que alguém viesse buscar Zunduri.

— Eu não quero ir agora, Shaira. Preciso saber como está a mãe dele. – Ela batia os pés.
— Eu também quero, Zunduri, mas não posso. Você tem que descansar. Seus pés estão inchados. – Apontei para baixo e ela bufou. – A propósito, para quando é o bebê?
— Na próxima semana ou em até dez dias, não passa disso. Vou esperar o parto normal, não quero ficar com aquela cicatriz horrorosa na minha barriga. – Ela fez cara de desdém e eu a olhei surpresa.
— A minha mãe já está quase chegando, espere aqui fora enquanto eu vou trabalhar. Até mais tarde.
— Tchau, Shaira. – Ela respondeu a contragosto e eu entrei.

Anotei um brownie de chocolate com nozes na minha conta e parei para comer no meu "almoço", mas logo alguns clientes chegaram e eu tive que atender a todos eles.
Mesa após mesa, hora após hora e nada de Joseph. Eu estava preocupada, mas sabia que ele não voltaria hoje. Faltava menos de 10 minutos para acabarmos o nosso expediente, então seria burrice voltar agora.
Guardei as mesas externas no depósito, desliguei o aquecedor, tirei os eletrônicos das tomadas, exceto os refrigeradores e ia apagando as luzes para sair, mas uma sombra do lado de fora me chamou a atenção. Fui até a cozinha e peguei a frigideira de panquecas. Tranquei tudo e sai, até que a sombra tomou forma a minha frente. Reconheci como o rapaz racista de hoje pela manhã. Levantei a panela na altura de minha orelha e ele colocou as mãos na frente do rosto para se defender.

— Eu não vou te atacar, garota! – Ele me olhava desconfiado. Abaixei a frigideira e ele pareceu se acalmar. – Você é...?
— Shaira. Se o senhor não ouviu bem, racistas não são bem vindos. – Sorri cínica.
— Eu sei. – Ele sorriu fraco e acendeu um cigarro. – Quero que me desculpe por hoje mais cedo. As vezes eu sou idiota, mas juro que estou melhorando. – Meio? – Você... É uma morena linda, gostaria de sair comigo qualquer dia desses? – O homem chegou mais perto de mim e soprou a fumaça do cigarro em meu rosto.
— Não saio com gente da sua raça. – Eu sorri e ele me olhou curioso.
— Não entendi, Shaira... – Ele parecia uma criança inocente.
— Raça de gente preconceituosa, babaca. E, só pra constar, eu sou uma negra maravilhosa, querido. Passar bem. – Sorri vitoriosa.

Deixei o homem com cara de tacho na porta do Café e sai andando muito mais segura de mim que no momento que comecei o meu expediente hoje.

***

Entrei na casa de minha avó e estava tudo tão silencioso. Não havia ninguém lá, graças a Deus. Tinha muitos sapatos e casacos esparramados pela sala de estar, revirei os olhos e comecei a juntar tudo. Após alguns minutos absorta na minha atividade, ouvi o toque estridente do celular.

— Sim? – Atendi sem checar o nome no visor.
Estou fazendo companhia para minha mãe aqui no hospital, não vou poder te dar carona hoje. – Reconheci a voz de Joseph. Ele deu um suspiro.
— Sem problemas. Como ela está? – Puxei um dos meus cachos.
— São os pulmões. Podemos ir mais cedo para o café amanhã? É melhor eu falar com mais calma.
— Claro. – Tive vontade de falar sobre o garoto que me acusou de ladra e depois queria sair comigo, mas o momento não era propício. – Preciso desligar, Joseph. Desejo melhoras a ela, até mais.
— Obrigado, Shai. Nos vemos amanhã.

Respirei fundo antes de pegar o último par de sapatos e subir a escada até o meu quarto pela milésima vez, quando ouvi o barulho da porta da sala se abrindo. Zunduri estava em algazarra com os meus pais, eles riam muito alto e eu juro que escutei até um projeto de gargalhada da minha avó amarga.
Sorri afetada e fui tomar um banho.

***

Meu pai estava estacionado na frente da universidade do minuto em que me despedi dos amigos de Joseph, que também se tornaram meus amigos agora, e coloquei o pé no calçamento.

— Minha princesa quer carona? – Ele sorriu com ternura e abriu a porta da frente.
— Obrigada, papai. – Retribui o sorriso.
— Como estão as coisas aqui, filha? – No velocímetro marcava pouco mais de 20 km/h, ele estava enrolando.
— Eu tenho conseguido me virar. Economizo bem meu salário, consigo bancar as despesas da faculdade e tenho uma quantia guardada para emergências; estou estudando bastante, já me adaptei ao clima e estou conhecendo gente aqui. E em Lusaka? – Fitei seu rosto muito concentrado no trânsito imaginário em nossa frente.
— Sentimos sua falta, minha princesa. Vamos tomar um chá? – Assenti com a cabeça.

A simpática garçonete nos atendeu com prontidão e muita eficiência, não demorando para trazer nosso pedido.

— Sua mãe e eu estamos pensando em morar aqui na Inglaterra. – Ele deu um gole no seu chá de alecrim.
— Para quando? – Soprei um pouco mais na tentativa de esfriar o café preto com canela.
— Não sabemos ainda, mas vamos vender tudo em Lusaka, traremos até mesmo John. – Ele sorriu. – Você ligou para ele na última semana. Quase me senti mal por não ter conversado comigo, querida. – Ele não tinha mais aquele sorriso no rosto.
— Eu não estava pronta. – Bebi o café e queimei a ponta da língua, praguejando mentalmente.
— Espero que esteja agora, filha. A vida está passando e ela não espera que você se sinta segura para muitas coisas.

Terminamos o chá e o café em silêncio e voltamos para a casa de minha avó ainda mais quietos.

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Último capítulo dessa maratona sem aviso prévio para vocês. A história de Shaira e Joseph está acabando 😢
Mas ainda temos mais 5 capítulos e o nosso epílogo, que serão postados na próxima semana (juro que vou tentar)!

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Além da Cor - CompletoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora