Capítulo 18

1.9K 247 1
                                    

Outubro...

Shaira Tutu

Minha vida se tornou uma total bagunça depois que eu me mudei de Zâmbia para Oxford. Eu não tinha mais uma rotina, horários para seguir, limites fixos para o meu corpo e cérebro. Com a correria da universidade e do trabalho, eu me esquecia de comer de 3 em 3 horas, a filosofia de vida que eu mais era adepta, dormia bem menos de oito horas por noite e estava mais sedentária que nunca; há séculos não fazia sequer uma caminhada de bons 60 minutos, nem sabia mais o que era isso. O fato é que, depois de ter instalado uma confusão master na minha mente, as coisas pareceram ter perdido um pouco do sentido e foi nesse momento que eu me senti desnorteada na vida.
Eu me sentia constantemente ligada por uma alta carga de ansiedade acumulada em meu corpo. Roia as unhas, sacudia os joelhos em momentos de distração. Eu sabia os meus porquês. É claro que eu sabia, venho desde junho adiando todos eles... Só que chega em um ponto da sua vida, que você tem que parar e pensar que há uma efemeridade implícita nas coisas, e fugir é só prolongar o sofrimento.
Decidi parar de encarar o telefone sem fio a minha frente e disquei o número decorado desde muito cedo, dessa vez eu não iria mais adiar o inadiável. Não sabia por onde começar, nem pelo motivo de ter esperado mais que dois toques do outro lado da linha sem ter desligado. A voz preguiçosa de meu irmão me tirou desse leve transe.

— Casa dos Tutu Zummach, o que quer? –  John arrastava as palavras até com certa dificuldade.
— Eu era mais animada que você, Johny. – prendi o telefone entre o ombro e a orelha e esfreguei as mãos geladas em resposta ao meu nervosismo.
— Shaira... A que devo as honras? – Imaginei um sorriso gaiato surgindo em seu rosto quase albino. – Tem muito tempo desde que nos falamos a última vez, não acha?
— Claro, alguns meses. Mas eu não posso ligar para falar com o meu irmãozinho mais lindo? – Deixei minha voz mais pastosa, como se estivesse mimando um bebê.
Urgh. – Ele urrou e eu ri. – Desembucha, eu sei que sou muito atraente e irresistível, mas você nunca se deixou se manipular por meus atributos. O que você quer saber, hein?
John agora tinha a voz mais alerta e brincalhona, pegou no tranco, mas foi.
— Hum... – Puxei um cacho do meu cabelo. – Você sabe quando vão vir? – Não consegui deixar as palavras saírem menos trêmulas.
— Você está tensa, Shai. Olha, respira, você não vai morrer quando eles chegarem ai na próxima semana, além... – Tive que interromper.
— SEMANA QUE VEM? – As palavras soaram mais altas do que eu pretendia. Ele deu um grunhido do outro lado da linha. – Me desculpe. Então, jura que é semana que vem?
— Juro. Eu juro por aquele Ser Supremo que existe além da nossa racionalidade. – Ele zombava até com a fé alheia.
— Você vem?
Hum... Não. Não fui convidado para esse evento feliz que é um parto. – Ouvi sua gargalhada marota. – Sinceramente, não estou a fim de ver como nasce um bebê.
— Poxa, você podia estar aqui... Já conheço algumas pessoas na cidade, podemos ir em Birmingham ou Londres, passar em festas, sei lá...
Tentador, irmãzinha, mas já tenho planos. Preciso sair, você quer falar com mais alguém?
— Não, eu só queria saber se vocês estão todos bem.
— Estamos, pode acreditar. Nem está um caos aqui nessa casa nos últimos dias. – Nós rimos. – Até depois, Shai. Beijão.
— Tchau, John.

Liguei a tevê e fui selecionando os canais, nada me chamava atenção. Deixei em um desenho animado e viajei para outra dimensão. Depois de tempos em transe, minha avó estava parada a minha frente.

— O que acontece, Shaira? Eu estou respeitando seu tempo, mas já são três meses que você tem me evitado dentro da minha própria casa e eu não sei nem o motivo disso. – Ela se sentou e logo ficou com as bochechas coradas.
— Eu não estou te evitando, vovó. Eu só não tenho tempo para quase nada. Estou estudando e trabalhando e isso ocupa todo o meu dia, me desculpe se está se achando ignorada. – Falei-lhe sem sentir a menor culpa de nada.
— Eu conheço você desde quando estava na barriga da sua mãe. Não queira mentir para mim. Nós duas sabemos que não sou uma velha fácil, eu diria, mas eu ainda sou sua avó. Você precisa me respeitar e contar comigo, porque eu sei e você sabe que está sozinha em um continente de cultura em antítese a do seu país, mesmo que aquele seu amiguinho esteja sempre com você, seu fiel escudeiro. – Ela tinha o mesmo tom zombeteiro de John. É, ele não estava roubando de ninguém, é só herança de família. – Você está fugindo da sua realidade, filha, pare de se esconder das coisas que te pertubam. Eu estou aqui com você, pode confiar na sua velha avó, está bem? – Ela tomou o ar novamente. – Shaira, eu não vou te dizer pra esquecer tudo que se passou com você, mas pare de se apegar a um passado, é sua história, sim, mas a história trata do que já aconteceu. Olha para frente e espelha suas vontades no seu futuro, o que está para trás já foi.
— Você não precisa me dizer essas coisas. Eu sei. – Puxei um cacho.
— Não é o que está parecendo, minha filha. Eu não sei se te ofendi, se foi isso, me perdoe, de coração, mas pense só no que vai acontecer no agora e no depois. Eu vou me deitar, com licença. Tenha uma boa noite. – Ela se levantou e foi em direção ao seu quarto.

Louise Zummach realmente não era a melhor pessoa, tinha algumas ideias bastante preconceituosas enraizadas no seu pensamento, mas ela era sábia acerca de algumas coisas da vida, ela sempre sabia o que dizer para qualquer pessoa que estivesse passando por qualquer dificuldade. E isso era a maior qualidade de minha avó.

Além da Cor - CompletoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora