Capítulo 10

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Deixei minha mãe em um quarto do hospital recebendo medicamentos intravenosos e respirando com ajuda de aparelhos e fui para a sala de espera ao lado.

Telefonei para meu pai e senti que os segundos que ele demorou para atender foram os mais longos do dia.

— Eliot, que surpresa você ter ligado  –Sua voz demonstrava cansaço. – Está acontecendo algo? – Respirei fundo.
— Pai, quando você vem para Oxford? Precisamos conversar sobre algo muito sério.
— Sua irmã não está namorando, está? – Ele suspirou irritado.
— Não, pai. É sobre minha mãe. O câncer. Katherine também, claro, mas precisamos falar pessoalmente. Por favor. – Falei em tom de súplica.
Tudo bem, Eliot. Amanhã estarei aqui logo cedo. Até mais. – Ele desligou o celular e eu me sentei em uma das poltronas.

Meus pais se separaram há dois anos. Um ano antes de toda a agonia começar, minha mãe descobriu um pequeno nódulo no seio, minúsculo, foi bem difícil de perceber na mamografia. Estava ainda em estágio inicial, mas com todo o drama do divórcio, audiências judiciais para saber sobre a guarda de Kate e eu, ela acabou deixando de fazer o tratamento. Ela não nos contou isso na época, cerca de seis meses depois do divórcio é que fomos descobrir a verdadeira dimensão que o câncer havia tomado. Já estava no segundo estágio, quase no terceiro quando ela começou a quimioterapia. Um ano depois do início do tratamento, ela teve que remover o seio direito, onde tudo começou. Ela entrou em depressão. Quando iniciou as sessões de quimio, ela parou de trabalhar, eu arranjei um emprego na cafeteria e sobrevivemos com meu salário, as gorjetas e a pensão de Katherine. No último mês, ela fez a remoção da outra mama, ainda não cicatrizou devido a diabetes que ela carrega em seu DNA, além do fato de não estar tomando os remédios adequadamente. A situação não é fácil, quase não consigo bancar minha faculdade sozinho. Eles tinham uma reserva no banco para Kate, mas está quase toda gasta devido aos tratamentos e às cirugias da mamãe. Não me passava pela cabeça transferir a guarda de Kate para meu pai, mas estou vendo que é a única saída para eu conseguir ter um pouco mais de dinheiro no fim do mês.

Estava em devaneios quando fui surpreendido pela presença de minha irmã.

— Eli, a mamãe vai ficar bem, sim? – Seus olhos estavam vermelhos e inchados.
— Claro que ela vai ficar boa, Kate. – Falei mais para mim do que para ela. –  Vai ser logo, tenho certeza. – Afaguei seus cabelos castanhos e a puxei para um abraço.
— Ei, você conversou com o papai pelo celular, algum problema?
— Não. Não pense nisso agora, está bem?
— Tudo bem. – Ela tentou sorrir. – Temos que voltar para casa, mas seu carro ficou lá.
— Eu não tinha pensado nisso. Eu...
— Eu tenho um dinheiro, quero dizer, é seu. – Olhei para ela, confuso. – Seria seu presente de aniversário, para comprar alguns livros da faculdade. – Sorriu tímida. – Mas podemos pegar um táxi. O que acha?

Hum... Kate, obrigado, do fundo do meu coração, mas acho que você deve guardar esse dinheiro para você. Está a meses querendo comprar um casaco novo e nós não estamos tendo o suficiente pra isso, é seu. – Sorri e apertei sua mão.
— Mas, Joseph...
— Eu agradeço, mas pode ficar com ele. – Eu a interrompi.
— Tá, mas já que você me deu, eu quero pagar um táxi para nós.
— Um metrô, é mais barato. Vamos?

***

Cheguei em casa e tentei arrumar a cozinha, que estava meio bagunçada do café da manhã, antes que o cansaço me vencesse.
Assisti alguns minutos de televisão e acabei dormindo no sofá da sala, é só fui acordado horas depois por uma Katherine sonolenta, que me falava para ir me deitar na cama.
Passei o restante da noite em claro, pensando nas minhas decisões a respeito de minha irmã e sobre a doença da minha mãe. Eu não era médico, mas tinha um pequeno entendimento da doença, e nessa altura, era muito fácil acreditar que o câncer havia se espelhado por todo seu corpo, inclusive seus pulmões, causando a terrível asfixia de hoje. Sinto um frio na espinha ao pensar nesse provável diagnóstico, mas não posso negar os fatos.
Pensei em meu pai, nos vimos pela última vez há mais de seis meses e não faço ideia de como ele está, só espero que, sinceramente, esteja melhor que minha família incompleta.

***

Meu celular tocou logo cedo, alguns minutos antes que eu saísse para o café e vi o nome "Papai" na tela.

— Estou esperando você no seu trabalho. Já está vindo? — Ele disse.
— Sim, pai. Em dez minutos estarei aí.

Desliguei e peguei o carro, geralmente eu ia a pé, mas eu precisava tratar um assunto urgente e estava com pressa.

Cheguei dentro do tempo combinado e abri o estabelecimento. Meu pai havia se sentado em uma mesa lá dentro logo depois que as portas estavam abertas.

— Eliot. Como está, filho?
— Pai, não acredito que esteja me perguntando isso. Sinceramente, você sabe muito bem a resposta. – Respondi enquanto limpava as mesas e colocava os cardápios sobre elas.
— É, eu entendo. – Ele corou. – O que está querendo dizer?
— Quer tomar algo, um café, um chá?
— Um expresso e um brownie, por favor.

Trouxe os pedidos e me sentei em sua frente.

— Pai, Katherine não está sendo bem assistida morando com a mamãe e eu. Quase não tenho dinheiro suficiente para alimentar todos nós, já que a faculdade e a quimioterapia consomem muito a renda. – Ele deu um gole na bebida e mordeu seu brownie. – Eu quero que ela vá morar com o senhor, pai. – Ele engasgou.
— Joseph, você sabe o que está dizendo?
— Sim. Pai, você sabe muito bem que não é isso que eu queria, até porque você abriu mão da nossa guarda. – Dei uma risada amarga. – Mas eu não consigo sustentar minha irmã.
— Então você devia trancar sua faculdade. Você pode continuar depois quando sua mãe estiver saudável novamente. – Ele disse e me fitou com os olhos azuis celeste que eu herdei.
— Você está brincando, não é? – Sorri incrédulo e desviei o olhar, mas ele se manteve impassível. – Eu não vou desistir de estudar, pai. Eu consegui ser aceito na universidade de Oxford, uma das melhores do mundo e não vou parar agora. Depois que você foi embora, a minha família se desestruturou. A gente não tem dinheiro nem para comprar um doce no fim do mês.
— Tudo bem, Joseph. Eu assumo a guarda de Katherine. E quanto a pensão, devo parar de pagar? – Ele segurou seu copo de papel com as duas mãos e me olhou.
— Vou entender se você quiser parar, mas saiba que aquele dinheiro é muito importante para me manter, pai.
— Certo, eu vou continuar pagando. Eu não tenho culpa do câncer da sua mãe, e acho que você me coloca como causador disso. Filho, eu sei que a separação te atingiu e eu não vou conseguir nunca me redimir, mas você pode pelo menos tentar ser cordial comigo e me ver como alguém que quer sempre o seu melhor e o de Kate também. Vou começar a dar entrada na papelada amanhã mesmo. Sua mãe já sabe disso?
— Não. Eu me esqueci. – Senti o sangue me fugir do corpo. – Ela está internada, pai. Vou antecipar a volta em Londres. Acho que o câncer já está metastático. – Abaixei os olhos.
— Ah. – Ele respondeu um monossílabo surpreso. – Filho, preciso ir. E acho que você deve voltar ao trabalho, seu gerente já está olhando torto e se sentindo envergonhado de ter que servir as mesas. – Ele deu uma risada abafada. – Bom, Eliot, se precisar de qualquer coisa, me ligue. Vou ver sua irmã e conversar com ela. Até mais. – Ele deixou algumas notas na mesa e me deu um abraço aconchegante.
Murmurei um "até logo" e continuei meu trabalho.

***

Queridos leitores, quero agradecer a todos vocês que estão lendo e votando na minha história (Acredito que seja a primeira vez que faço isso, desde outubro quando comecei a escrever ADC). Me sinto grata ao saber que muitos estão gostando do desenrolar dos fatos e o livro está crescendo. Muito obrigada mesmo, do fundo do meu coração, a todos vocês que tiram um tempinho para se entreter com minhas ideias. :)
Boa leitura para vocês. 😘

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