Capítulo 9

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Joseph Eliot Clark

Mais um dia cansativo de trabalho se iniciou hoje. Enquanto estou de férias da universidade, vou aproveitar para tirar um dinheiro extra e ajudar mais nas despesas de casa, o tratamento de minha mãe está tomando a maior parte da minha renda.

— Bom dia, Eli. Como dormiu, maninho? – Minha irmãzinha de 12 anos, Kate, me perguntou.
— Mal. Sabe, Kate, eu estava pensando. – Ela se sentou ao meu lado e pegou uma torrada. – Você podia ser monitora no seu colégio quando acabasse o seu tempo de aula. Você é bem esperta, e, bem, aliviaria o peso da mensalidade. – Me envergonhava de falar sobre isso com uma menina de 12 anos de idade, mas era necessário. O dinheiro que meu pai manda não é suficiente para todas os gastos aqui em casa.
— Eli, eu sei que a situação é grave e que a mamãe tem a doença dela. Mas eu já me sacrifico para manter uma bolsa parcial naquela escola. A gente tem que se virar, você pode me mudar de escola, ou eu posso cogitar morar com o papai.
— Não, Katherine. – Afaguei sua cabeça. – Eu vou dar um jeito. Não se atrase, a biblioteca está te esperando. Vejo você mais tarde.

Fui até o quarto de minha mãe e depositei um beijo em sua cabeça já lisa pelos efeitos da quimioterapia, ela estava pálida e até seu respirar era cansado. Me sinto mal ao vê-la dessa forma, mas sei que é um sacrifício necessário para que ela fique boa, embora eu não acredite que isso ainda seja possível.
Sorri triste com o pensamento e fui rapidamente para a cafeteria, já estava me atrasando.
Às sete e trinta e cinco, abri o estabelecimento e me pus a limpar as mesinhas externas e colocar os cardápios abaixo da caixa para guardanapos, e então a vi novamente.
Aquela garota de ontem me parecia extremamente familiar, algo nela me remetia à Zunduri, uma amiga virtual que vive na Zâmbia. Não era pelo tom negro que ambas tinham, era algo mais.

— Bom dia. – Ela sorriu e se sentou, dessa vez do lado de dentro. – Poderia me trazer um capuccino com bastante chantilly por cima, por favor?
— Só um instante, senhorita.

Passei o pedido para o garoto que preparava as bebidas e fiquei esperando. Observei a garota e vi que ela parecia triste, não sei o que houve mas me preocupei com ela.
Em alguns minutos, fui levar sua bebida e então vi que ela passava algumas fotos no celular, de repente apareceu minha amiga dando um grande abraço em Shaira.

— Senhorita Shaira, se não incomodo muito – coloquei a xícara na mesa. –, essa menina que te abraçava, quem é?
— Ah. – Ela me olhava assustada. – Então, é minha irmã. Por que?
— Eu sabia que estava lembrando de algum lugar. Você é muito parecida com Zunduri. A diferença é que ela tem os olhos esverdeados e cabelos com dreadlocks. – Eu sorri.
— Oi? – Ela franziu o cenho para mim e deu um gole na bebida.
— Perdão, me chamo Joseph Eliot. Sua irmã e eu nos conhecemos em uma sala de bate-papo virtual, somos amigos há alguns anos. Ela já me mostrou fotos suas e uma vez a vi passando pelo quarto e falando com ela.
— Joseph, pare de alugar a cliente! Volte ao trabalho! – Ouvi o gerente gritar do outro lado do balcão.
— Com licença, se precisar de algo, estou à disposição.

Entrei mais que depressa e então entendi o porquê de seu olhar vago, Zunduri me contou tudo. Senti um pouco de pena da garota, mas eu não podia fazer nada.

***

Tive 15 minutos de pausa do trabalho e então liguei para Zun pelo Skype.

— Acabei de conhecer sua irmã. Ela esteve no café há alguns minutos. Reconheci você pela foto e perguntei quem era.
— Shaira? Você não deveria falar com ela sobre mim. Sabe disso, não é? – Ela perguntou estressada.
—Sei, Zunduri. Ela parece uma boa pessoa.
— Ela é. Escute, Joseph, minha irmã irá estudar na universidade de Oxford e precisa se manter na Europa até terminar seu curso. São três anos, se não me engano, mas Shaira precisa trabalhar e morar em algum lugar. Você deve ajudá-la, por favor. Não diga que eu quem está pedindo, apenas ajude-a. Preciso desligar, até mais.

Trabalhei durante todo o dia e recebi uma boa quantia em gorjetas, daria para comprar uma passagem de ônibus para Londres, mamãe iria para o Centro de Oncologia, o médico quer falar conosco. Meu coração está apertado e não acho que teremos uma boa notícia, mas minha mãe ainda está esperançosa de que algum milagre possa acontecer.
Meu telefone tocou. Era Katherine.

— Eli, por favor – Sua voz estava pastosa. –, venha para casa, a mamãe está vomitando sangue. Eu não sei o que fazer. – Ela chorou baixinho para mim.
— Chego aí em 10 minutos.

Desliguei, arranquei o avental e deixei sobre o balcão, correndo para fora logo em seguida.
Comecei a caminhar o mais rápido que eu podia, até sentir o ar queimando os meus pulmões. Parei um segundo com as mãos nos joelhos e recuperei o fôlego para voltar a correr.

***

Na sala do pequeno apartamento, minha mãe estava deitada no carpete branco. Os lábios estavam vermelhos, mas sua pele parecia ainda mais pálida do que pela manhã. Ela estava com a temperatura baixa.

— Mãe, a senhora está com dor?
— Só... Um pouco. – Ela dizia com dificuldade. A respiração estava falhada.
— Kate, ligue para o hospital e diga que precisamos de uma ambulância.
Minha irmã concordou com um aceno de cabeça e pegou o telefone.
— Joseph, você... – Ela puxou o ar. – ... Deveria estar t-trabalhando. – Sua voz saiu quase como um sussurro.
— Está tudo bem, mãe. Nós vamos ao hospital, eles vão te injetar morfina, provavelmente, mas a senhora não vai mais sentir dor, certo? Vai ficar tudo bem. – Dei um beijo na sua testa.

***

— Sua cicatriz está infeccionando, por isso a dor, além do desconforto causado pela quimioterapia. A senhora tem controlado a diabetes? – Doutor Arthur Lane dava o diagnóstico.
— Não pude comprar as doses de insulina esse mês. Tivemos que gastar com a cirurgia para remoção das mamas. – Falei sem graça.
— Bom, temos que dar um jeito, Joseph. Não está cicatrizando bem e começa uma infecção. Ela pode ter uma hemorragia interna também. Sei que sua situação não é fácil, mas a saúde de sua mãe é mais importante, não acha? – Ele falava enquanto prescrevia alguns medicamentos na receita. Minha mãe tinha o olhar vago e distante. – Aqui, ela vai ficar em observação essa noite, mas você já deve providenciar esses antiinflamatórios e analgésicos para ela, não deixe passar, Joseph. Quando será sua próxima consulta com o oncologista, senhora Clark?
— Na...p-proxima sema...na. – A respiração estava entrecortada e ela parecia tonta.
— Joseph, não se esqueça de contar tudo que está acontecendo para ele, sim? As enfermeiras vão levá-los até o leito. Boa noite.

Além da Cor - CompletoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora