— Não sei.
— Oh. — Comprimiu os lábios. — Caso aconteça, você diz a ele que...
— Dizer o quê?
— Que eu não falei aquilo de verdade. Você sabe... lá no carro. Não era para valer. Eu ainda o considero como um irmão.
Encarar o olhar inocente do garoto, que não fazia ideia do tamanho da ironia das próprias palavras, fez meu coração acelerar. Forcei sorriso.
— Ele sabe.
***
— Angel! E ajude aqui, mulher!
Ergui os olhos da página. Dorian segurava duas caixas pesadas, uma em cima da outra. O cigarro estava pendurado no canto da boca.
— Oh! Me desculpe.
Abri a porta do balcão. Ele atravessou e desapareceu dentro do depósito apenas para retornar segundos depois, colocando outra caixa de tamanho médio em cima da plataforma envernizada. Roubei o cigarro de seus lábios.
— O chefe disse que não devemos fumar dentro da loja. — Dei um longo trago. — Não sente vergonha de si mesmo?
— Oh, desculpe. Não pude evitar.
Nós dois rimos quando barulho do sininho soou, atraindo nossa atenção para a porta. Denise entrou por ela e olhou ao redor a procura de algo. Dorian paralisou, o sangue fugindo do seu rosto.
Ele observou a mulher caminhar pelo corredor, estudou o quão frágil ela parecia estar com seu rosto abatido. As olheiras profundas denunciavam dias difíceis, mas o olhar carregava a genuína força resiliente de uma mãe que decidiu ignorar o medo da rejeição para se aproximar do filho.
— Oi. — Ela sussurrou.
Dorian nada disse, a atenção palpável.
— Oi Denise. — Acenei no lugar dele.
— Oi, Angel. — Sorriu agradecida antes de voltar seus olhos vulneráveis para ele. — Tudo bem, querido?
Dorian acordou do transe e fingiu ter dificuldade de abrir a caixa só para ter o que fazer com as mãos.
— Boa tarde, senhora. Eu posso ajudar em alguma coisa?
Franzi o cenho. Ele estava agindo como se não a conhecesse?
— Podemos conversar?
— Creio que Angel pode ajudá-la no que precisa. Ajude a moça, Angel.
Olhei entre os dois sem saber o que fazer.
— Eu sinto tanta saudade, meu menino... — Denise tocou a mão dele por cima do balcão.
Dorian puxou o braço e esbarrou na caixa, derrubando-a no chão. O barulho foi tão alto que, não só chamou atenção de todos da loja, como de Jane e Leo no corredor três.
O músico se agachou, dedos trêmulos tentando juntar tudo. Eu me ajoelhei para ajudar.
— O que foi isso? — Roger saiu da sala agitado.
Ele viu Denise parada ali; pânico, choque, confusão, todos esses sentimentos sintetizando o rosto feminino corado. Então olhou para baixo e encontrou Dorian agachado em meio ao caos, paralisado.
— Tudo bem, Dorian. Foi só um acidente. — Roger alternou o olhar hesitante entre os dois. — Eu preciso que... Você faça aquele telefonema na minha sala agora, sim?
Dorian foi tropeçando até o escritório e bateu com a porta, ignorando a voz desesperada que chamava por ele.
— Por que... — Roger abanou a cabeça. — Por que não me avisou, Denise?
Ela tampou o rosto e ficou assim. Então veio o ruído estranho, um choro baixinho. Roger imediatamente atravessou para o outro lado e a abraçou.
— O meu menino, Roger. O meu menino... — sussurrou soluçando, puxando o tecido da camisa dele com os punhos cerrados.
O chefe murmurou "eu sei" e acariciou o topo de seus cabelos. Sua expressão dizia tudo: ele odiava vê-la tão ferida.
— O que vamos fazer?
— Eu não sei... eu... — Os dois se encararam, abalados. — Eu prometo que vou dar um jeito, tá bom? Você confia em mim?
Ela assentiu, tentando conter o carrossel de emoções. Roger se deu a liberdade de limpar cada lágrima com a ponta dos dedos, carinhoso e com uma cumplicidade intima que me surpreendeu.
Por um momento, isso contrastou com a imagem de Robert tentando apoiá-la e sendo afastado. A forma como ela não conseguia encarar seu companheiro, ficava apenas deitada, inconsolável, muito diferente da maneira como pediu, ali, refúgio emocional dentro dos olhos do Roger.
E a maneira como o chefe olhava para ela...
Abanei o rosto, tentando me livrar dos pensamentos. Os dois eram amigos há anos, seria apenas tolice levar as coisas para outra direção.
— Angel, tome conte de tudo. Vou levá-la para casa.
— Pode deixar comigo. — Assenti e vi ele conduzir Denise até o carro com todo o cuidado.
Quando abri a porta do escritório, encontrei Dorian sentado no chão com a cabeça escondida em seus joelhos. Ajoelhei, sussurrei seu nome.
Dorian pulou de susto e me encarou atormentado.
— E- eu não posso. — Olhou de soslaio para a porta. — Não posso fazer isso... eu não...
— Está tudo bem. — Toquei seu rosto com carinho. — Por que não vai para casa?
Ele assentiu e me abraçou, a respiração arquejante batendo contra a minha pele.
***
Dorian não atendeu minhas ligações durante todo o dia. Liguei para Roger, que disse: "ele bebeu, mas está bem. Mandei fazer compras."
Entrei em casa e me livrei dos sapatos, louca por um banho relaxante.
— Atende... atende o telefone! — Era a voz do Ed e parecia... aflita?
Subi os degraus correndo, o coração acelerado. Ed andava de um lado para o outro, puxando um punhado de cabelos enquanto segurava o telefone contra a orelha. Seus olhos saltaram.
— O que aconteceu?
— A mamãe! — Apontou para o banheiro.
Empurrei a porta e meu coração quase saiu pela boca quando vi Denise desacordada no chão, a camisola longa espalhada. Eu me joguei ao lado dela, checando sua pulsação: fraca, mas ainda viva. Minha respiração engatou na garganta.
— O que vamos fazer? — Ed soluçou.
— Liga para ambulância. Agora!
— Eu já liguei!
— Tudo bem... — Tentei pensar rápido. — Você já tentou ligar para Robert?
— Ele não atende o telefone.
— Tudo bem... só... fique calmo. Quero que você desça e espere por ajuda.
O rapaz assentiu.
— Ela vai ficar bem, não vai?
— Ed, faz o que eu pedi!
Quando o garoto correu, puxei Denise para omeu colo e a coloquei em posição de segurança, aguardando em completo estado dechoque por socorro.
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1994 - A canção Memória oculta LIVRO 1 (Privilegiados)
Romance☆ Livro 1 da série Privilegiados: Memórias Ocultas Enviada para passar as férias de verão na casa do pai, Angel Levi não está disposta a conviver com a nova família do homem que desapareceu quando ela tinha nove anos. A garota impetuosa...
Capitulo 52
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