Capitulo 3

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Você é meu anjo

Veio do céu

Para me trazer amor

• Massive Attack - Angel


 ANGEL

   Eu não vi Robert com tanta frequência na primeira semana, pois segundo Denise, ele tinha uma rotina atolada de trabalho no hospital. Ela, por outro lado, era presente e gentil.

Quase não via Dorian, exceto numa manhã onde trombei com ele na saída do banheiro: suado e sem camisa. Tivemos uma desajeitada troca de olhares, depois seguimos para lados opostos, não sem antes receber dele uma piscadinha. Ugh...

Na sexta-feira fui andar em Nesbit, bairro boêmio conhecido por seu mercadão cheio de lojas com suas fachadas coloridas, Pubs, casas noturnas... Comprei dois livros numa barraquinha.

Na virada da rua, avistei pequeno número de pessoas se aglomerando em volta de um músico de rua. Ele tocava There is a light that never goes out lindamente, e embora não desse para vê-lo, abrandei os passos porque adorava The Smiths. Cada vez mais perto, reconheci os traços dele.

Dorian era encantador tocando seu violão, cantando sobre o desejo de ser levado para sair à noite onde houvesse música e pessoas que fossem jovens e vivas. "Porque não tenho casa". Quando entoou com sua bela voz a famosa frase "morrer ao seu lado, é um jeito tão divino de morrer", duas garotas suspiraram. A maneira como inseria emoção, mesmo naquele ambiente agitado, era tão... romântico.

Algumas pessoas pararam para ouvir, outras deixavam algum dinheiro dentro da case, gesto que o músico agradecia com aceno de cabeça. Era isso o que fazia no seu tempo livre? Fazia de sua música um suporte para se manter financeiramente?

O mais chocante? Dorian Leduc era bom. Na verdade, era extraordinário. O carisma, a habilidade com o instrumento, vocais de tirar o fôlego porque sua voz era linda e etérea.

Era como um anjo soprando sons celestiais em meus ouvidos.

A canção chegou ao fim, houve aplausos. Um cara apertou a mão dele, agradecendo por ainda existirem músicos colorindo as ruas da cidade, apesar da rotina caótica.

Dorian pendurou um cigarro na boca, afrouxou os botões da camisa xadrez cinzenta. Não me notou até eu cortar a distância e jogar, assim como os outros, a contribuição dentro da case.

— Quero que toque uma música para mim, cavalheiro.

Ele ergueu os olhos e riu.    

— Algum pedido especial, senhorita? — perguntou, com um ar sério.

Mordi o lábio.

— Faça o meu dinheiro valer a pena.

Dorian ajeitou o violão no colo, tocou acordes de Angel do Massive Attack, e transformando a melodia de Trip hop em folk vintage, cantou o primeiro verso:

Você é o meu anjo. — Ergueu uma sobrancelha. — Veio de cima, para me trazer amor.

Mas o som foi interrompido abruptamente.

— Por quanto tempo estava me observando?

— Desde o primeiro refrão que, se me permite dizer, é o que torna essa a minha canção favorita dos Smiths de todos os tempos.

1994 - A canção Memória oculta LIVRO 1 (Privilegiados)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora