Capitulo 9

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Eu ouço a voz dela

Chamando meu nome

O som é profundo

Na escuridão

•The Cure – A Forest    

ANGEL 

   Desci do carro observando Dorian com cautela.

— Dorian...

— Sim? — Ele permaneceu de costas.

— Desculpa.

A palavra saiu estranha da minha boca, pois eu não me recordava quando foi última vez que a usei com alguém.

— Não fale do meu pai outra vez, entendeu? — Dorian se virou e eu me retesei, intimidada com seu olhar intenso. — Nunca mais o mencione dessa forma.

Acenei, engolindo o caroço na garganta. Dorian suavizou a expressão dura.

— Podemos entrar?

— Certo...

Tirei a chave reserva da bolsa e abri a porta. Dorian olhou ao redor, sorrindo pela simplicidade do ambiente. O sofá azul no meio da sala, as cortinas brancas, o piano e a estante com a tevê plana... Gritei pela minha mãe, sem receber resposta. Ela não estava.

— Quer beber alguma coisa?

— É claro.

Fui até a cozinha, encontrei duas longneck. Quando retornei, joguei uma delas na direção de Dorian e sentei no sofá.

— Obrigado.

— Sem problemas.

Dorian deu um gole na cerveja, os olhos percorrendo as fotos na estante. Sorriu para a coleção de LPs empilhados no móvel. The Smiths, Beatles, Fleetwood Mac, Talking Heads, The Clash...

— Desintegration! — Apontou para a capa esverdeada de The Cure.

Sorri.

— É o álbum da minha vida.

— Posso colocar para tocar?

Dei de ombros, dando a carta branca. Quando o disco começou a girar na agulha e a melodia atmosférica de Plainsong explodiu, Dorian moveu os pés, desastrado, girando o corpo ao ritmo nostálgico da música. A pouca iluminação não me impediu de observar a simplicidade na forma como o músico se agitava, os lábios soltando sussurros prolongados que quebrava, em momentos precisos, melisma em cascata.

— Essas lindas canções, a enxurrada de lembranças que elas trazem... — Ele se jogou ao meu lado. — Elas me assombram mesmo depois de tanto tempo...

— Eu sei.

Ele sorriu e fechou os olhos para sentir a canção, deixava a mente levitar por lugares da fantasia.

— Você está legal? — sussurrou.

— Na verdade, eu estou.

Olhamos um para o outro. A intensa troca deixou perceptível: Dorian sabia que eu não era indiferente a ele. Influência do álcool ou não, não importava, desejei beijá-lo tão mal.

Desviei o olhar, corando. Robert Smith começou a cantar Pictures of you enquanto crescia o constrangimento mútuo.

— Desculpa mesmo pelo o que eu disse sobre o seu pai. Quando estou com raiva, minha boca vira uma adaga pronta para matar.

1994 - A canção Memória oculta LIVRO 1 (Privilegiados)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora