Uma moça jovem alta abriu a porta e sorriu em expectativa. Esperei Angel dizer algo, porém ela estava paralisada. O que havia de errado? Nunca a vi assim...

— Posso ajudar?

— O que aconteceu com a Amelia?

— Sou a filha dela. A mamãe não pôde trabalhar por alguns dias e me indicou. Ah, já sei quem você é! É a neta do Timothy, não é? Tem fotos suas espalhadas por toda a casa!

— Ele pode receber visitas?

— Claro! Ele acabou de acordar. — A mulher sorriu, dando espaço para entrar.

— Você quer que eu espere no carro? — Cocei a nuca, um pouco perdido.

— Não! — Angel quase gritou, agarrando o meu braço. Unhas pretas cravaram na minha pele e coloquei a mão por cima da dela. — Quero dizer... pode entrar também.

Talvez ela não quisesse estar sozinha?

— Vai ser bom. — A enfermeira tentou convencer. — O Sr. Levi adora receber visitas.

— Tudo bem.

Então entramos. A sala extensa tinha móveis antigos, obras de arte, prateleira imensa cheia de livros, e por fim, uma lareira embaixo da tv. Mas, com toda a certeza, o que mais chamou atenção foi o piano de calda perto da janela.

Angel parecia tão deslocada quanto eu. Tentei entender seu comportamento estranho, mas o seu avô apareceu antes de uma conclusão. Pisquei com força, tentando descobrir se a minha mente estava pregando alguma peça. Aquele rosto...

— Espera, o seu avô é Timothy Levi? — A minha voz saiu um chiado baixo, quase falho. — Eu pensei que ele fosse professor de piano, não um compositor premiado... Por que não me contou?

Angel desviou o olhar, corada.

— Não achei que fosse relevante no momento...

— Está brincando? Me contar que é neta de um dos maiores compositores de música clássica não é relevante? Ele fez trilhas sonoras mais legais de filmes mais legais. Como aquele filme gótico dos anos 70. É tipo um gênio!

— Depois falamos sobre isso.

— Olhe quem veio vê-lo hoje, Sr. Timothy. — A enfermeira apontou.

O velhinho de cabelos brancos custou a se aproximar com seus passos lentos. Olhou por cima dos óculos de grau para os dois jovens que invadiram sua casa.

— Oh! — Um sorrisinho encheu a expressão dele. — A minha netinha!

— Oi, vô. — Angel sorriu tímida. — Eu senti saudade.

Ela o abraçou e, do ângulo que eu estava, pude ver a garota deixar os sentimentos transparecer pela primeira vez desde que a conheci.

— E quem é esse rapaz? — Apontou sorrindo, as rugas enfeitando os cantos dos olhos.

— Eu me chamo Dorian, amigo da Angel. — Trocamos um aperto de mão firme. — Muito prazer em te conhecer, senhor..

— Verdade, rapaz? — Olhou para a neta. — Angel, querida! Você disse que só namoraria aos trinta — disse, fazendo todos gargalhar.

— Ele é só meu amigo, vô. Só vou namorar aos trinta. Eu prometo.

Então ele olhou ao redor da própria sala, silencioso, depois ergueu os olhos e me encarou outra vez. Franziu o cenho.

— Quem é esse rapaz?

Confuso, olhei para Angel em busca de respostas, mas tudo o que vi foi uma expressão de tristeza assumindo todo o rosto dela.

1994 - A canção Memória oculta LIVRO 1 (Privilegiados)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora