Capítulo 3 - Achados & Perdidos

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            — Ela que decorou. Tudo — Charlize comentou, colocando sua bolsa pendurada na chapeleira próxima à porta da frente. — Não pude impedir que ela transformasse nossa casa em um bordel. Fazer o quê.

            — Pois eu acho a decoração bem... interessante — contrariou Jack, enquanto coçava seu queixo contemplando a mobília.

            — Enfim — ela respirou fundo, tentando manter a calma perante o comportamento irritante do investigador. — Por onde os senhores pretendem começar?

            — Podemos dar uma olhada pela casa? — Oz perguntou, simpático, retirando o chapéu cinza.

            — Ehrm... é claro — Charlize respondeu, olhando para os cantos, confusa.

Jack estranhou a relutância, relembrando-se do famoso ditado, que tanto ouvira na infância "quem não deve, não teme." Fitou a mulher com o faro aguçado, atento a pele ressecada que esta mantinha ao redor das unhas, todas roídas e contornadas por ferimentos leves. Como a moldura de um quadro decrépito e nunca retocado. Reparou nos lábios grossos entortados, nas sobrancelhas com pelos curtos e frágeis, contorcidos, combinando com o resto dos músculos faciais que Charlize possuía.

                E então ela continuou:

                — A empregada não está aqui agora, porém.

            — Sem problemas — Oz respondeu, sorrindo levemente.

                Jack e Oz caminharam pela residência dos Fitzgerald com a visão aguçada a qualquer objeto suspeito que pudessem encontrar. Começaram, evidentemente, pelo andar de baixo. Passaram pela cozinha, avistando um extenso balcão de mármore preso a uma parede azul-clara. Armários com portas transparentes, mostravam diversas taças delicadas e pratos brancos viam-se instalados em pé, exibindo pinturas de flores à aquarela. Contudo, não havia uma louça na pia, levantando a curiosidade de Jack.

            — Até que a casa está bem arrumada para não ter empregada... — analisou, passando a mão vagarosamente sobre o mármore frio, fingindo distração.

            — Nós a demitimos há pouco, senhor Johnson. — ela ralhou, em resposta. — É que o circo está para sair da daqui, em breve. É por isso que alguns de nossos funcionários estão ausentes do Guadolomon. Alguns saíram de férias por poucos dias, antes de — você sabe —, começarmos os preparativos para as últimas apresentações na cidade.

            — Desde quando isso? E quem saiu? — Oz perguntou, estreitando os olhos para mulher, ao mesmo tempo em que puxava seu bloco de notas do paletó.

            — Acho que desde de quinta-feira passada, se eu não me engano. E saiu o... — ela entortou os lábios, concentrando-se. — Lorenzo, o contorcionista e o Zephir, o mágico. Mas os dois deveriam voltar esta semana. Nosso espetáculo final seria no dia das bruxas, que é daqui a alguns dias. Nós vendemos o parque para a família McDonald, aparentemente, as pessoas daqui estão cansadas dele...

            —O parque é de vocês também?—Oz quis saber.

            —Sim, era do meu pai. Nós trabalhávamos nele durante o dia, e à noite ficávamos no circo.

            — O nome desse sujeito é realmente Zephir? — Jack perguntou, já cismado com o nome ligeiramente peculiar do ilusionista.

            — Foi o que ele nos deu quando entrou para o circo, na verdade. E isso já tem uns dois anos mais ou menos. O outro mágico quis se aposentar, o senhor Duvall — ela esboçou um sorriso, relembrando-se do senhor corcunda de cabelos mais brancos do que a própria neve. — Ele era amigo do meu pai.

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