Capítulo 8 - Bonecos de Vodu

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Jack não fez muita coisa desde a decisão final sobre o que faria naquela noite. Ele não sentia vontade alguma além de esperar pacientemente por Cassandra, torcendo para que ela chegasse o quanto antes, pois não via a hora de colocar suas teorias à prova. Ou até formular mais algumas.

Teorias de que ela era fugitiva de um manicômio, ou uma assassina de aluguel prestes a aniquilar seus neurônios, no caso.

Não tinha o hábito de checar o horário com frequência, geralmente, seu relógio de pulso mantinha-se escondido sob as mangas do casaco. No entanto, durante a espera pela mulher, ele as arregaçou inúmeras vezes, em intervalos de segundos, chegando a bufar impaciente, considerando a probabilidade de que o acessório estivesse com defeito ou algo do gênero. Afinal, os malditos quinze minutos beiravam a uma eternidade.

Então, optou pelo seu principal calmante desde que tinha quinze anos: Uma longa e profunda tragada. Soltou a fumaça aos poucos, tentando observar as nuvens se perdendo em meio ao ar, ficando cada vez mais claras até que desaparecessem por completo.

—Tem um para mim aí? — uma voz aveludada sussurrou em seu ouvido, lhe causando calafrios assim que ele percebeu a quem pertencia.

— Uma mulher não deveria fumar, senhorita Pavlova — ele salientou, colocando o cigarro nos lábios da moça, e acendendo-o com um fósforo logo depois.

— Uma mulher deveria fazer tudo o que ela tem vontade, Jack— a cartomante retrucou, rindo satisfeita ao tocar o tabaco com a língua, enrolando-a pelo fumo e sentindo seu corpo estremecer. Adorava a sensação da nicotina difundido-se por seus pulmões, lhe proporcionava um prazer imenso, divino. Jack a encarava fascinado, vendo-a se deliciar com a substância. Os olhos de prata fechados, enquanto ela inalava o máximo de fumaça que conseguia, para soprá-la calmamente em uma fina corrente no rosto dele.

— Talvez — Jack riu, desviando do sopro cinzento, enquanto se focava em acender um dos últimos cigarros do maço. — Mas a liberdade é limitada para todos nós, Cassandra.

— Então, temos um pessimista aqui, senhor Johnson? — a mulher ergueu as sobrancelhas suavemente, com seu braço ossudo se entrelaçando ao do detetive, forçando-o a caminhar.

— Não é pessimismo — ele rebateu, com uma leve tensão na voz. — Sou realista. É o meu trabalho.

— Uma coisa não justifica a outra — ela o fitou diretamente, querendo encontrar os oceanos sombrios que viam-se tão tímidos na sua presença; quase colados ao asfalto. — A liberdade existe, ela só precisa ser alcançada.

— A senhorita já ouviu falar no conceito de "utopia"? — Jack perguntou, enfim rendendo-se ao chamado das íris arrebatadoras, que sempre tinham a capacidade sinistra de quase fazê-lo perder o raciocínio.

— Sim, Jack — ela revirou os olhos, quebrando o contato visual para observar o céu com poucas estrelas.— Acredite ou não, mulheres podem ser intelectuais, também.

— Eu não duvido do quão intelectual a senhorita seja, Cassandra Pavlova — Jack sorriu largo, como um pedido de desculpas silencioso que a mulher não demorou a compreender. — Deve ser até mais inteligente do que eu.

— Provavelmente sou — o cortou, irônica. — Na verdade, tenho absoluta certeza disso. Espero que o governo americano não descubra as minhas anotações para tornar o Manifesto Comunista uma realidade.

Jack não pôde conter o riso que seus lábios deflagraram pelas ruas vazias que envolviam o território do Golden Gate. A piada podia não ser a mais hilária que ouvira, mas as risadas eram em razão de todo o percurso das últimas horas. Era culpa da bela mulher, que o arrastava ao desconhecido. Ou da menina das cartas que lera seu futuro como o melhor livro de Tolstói; da dançarina que lhe impusera que a presunção seria a sua pior inimiga...

Entre Tangos & TragédiasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora