17 - Feridas Reabertas

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Estava escutando "Heroes" do David Bowie no meu Walkman, cantando mentalmente o refrão. Tudo ficava mágico com essa música. Eu conseguia romantizar os corredores da escola, os raios do pôr do sol atravessando as janelas, deixando o ambiente com aquele tom alaranjado único. Uma câmera nunca conseguiria capturar a beleza de simples raios solares como os meus olhos.

Caminhei, deslizando meus dedos pelas paredes, em direção à biblioteca. Estava ansiosa esperando o final do dia. E por quê? Simplesmente tinha combinado de dar aula para o Flame no final da tarde de sexta-feira. Esperei por isso o resto da semana inteira.

Quando cheguei na biblioteca, Flame ainda não tinha chegado. Sentei-me em uma cadeira, colocando minha mochila e materiais em cima da mesa. Respirei fundo. Eu conseguia lidar com isso.

Quando levantei a cabeça de novo, vi ele na porta. Ajeitou a alça da mochila, acenou no ar e aquele sorriso charmoso de sempre estava lá. Por um segundo, me lembrei do porquê eu tinha embarcado nessa "operação". Flame era bonito e simpático, um cara fácil de gostar. Quando ele andou na minha direção, desliguei o Walkman e guardei os fones.

Ele tinha um caderno debaixo do braço, colocou a mochila no chão e tirou os materiais.

— Valeu mesmo por me ajudar — ele disse, largando o estojo na mesa. — Sério, eu não faço ideia de como sobreviver nessa matéria.

Abri o caderno dele. Folhas amassadas, rabiscos que mais pareciam hieróglifos e, claro, metade em branco.

— Então, você já tentou resolver algum exercício sozinho? — perguntei.

Ele riu.

— Tentei, mas... — apontou para uma página com um desenho de dinossauro ocupando o espaço da questão. — Bom, digamos que não deu muito certo.

Suspirei. Ele pelo menos era honesto.

Peguei meu lápis e comecei a explicar devagar, escrevendo um exemplo: seno, cosseno, ângulo. No começo, ele até parecia prestar atenção, balançando a cabeça como se estivesse entendendo tudo.

Cinco minutos depois:

— Então esse símbolo é um seis virado? — ele perguntou, apontando para o seno.

— Não, Flame, isso é "sen", de seno. — Eu respirei fundo. — É uma função, lembra?

Ele me olhou, genuinamente confuso, e eu senti uma pontada de pena.

Tudo bem, não é tão grave. Eu consigo ensinar trigonometria até para uma pedra. Flame só precisa de mais paciência. Expliquei de novo. E de novo.

Na terceira tentativa, ele suspirou e largou o lápis.

— Nossa, isso é muito chato. Você não pode só me dar as respostas?

Revirei os olhos tão forte que quase enxerguei meu cérebro. 

Claro, eu faço toda a prova para você e depois coloco uma coroa na sua cabeça porque, parabéns, você venceu a vida sem mover um dedo.

— A ideia é você aprender, não decorar — respondi, tentando manter o tom calmo.

Ele sorriu, aquele sorriso de canto que provavelmente fazia metade da escola suspirar, e disse:

— Tá, mas você explica de um jeito tão complexo que eu acabo me perdendo.

Tradução: preguiça.

A cada segundo eu ia ficando mais irritada, porque não era burrice, era falta de esforço. Flame tinha energia para sorrir, conversar, desviar do assunto... mas não para olhar direito para a porcaria de um ângulo retângulo.

Conquest Manual (with Execution Errors) - FioleeWhere stories live. Discover now