12 - Ensaio na Garagem

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— A árvore... ela é a mais velha da floresta. Ela viu as outras árvores crescerem, as folhas caírem e o ciclo da vida acontecer várias vezes. Ela é a mais escura, não porque é velha, mas porque absorveu a sombra de algo que ficou para trás. Ela viu a floresta mudar, mas o que ela realmente viu foi a pessoa que ela mais amava ir embora. Ela é a guardiã do que foi deixado para trás.

Parei de falar. Aquele pequeno detalhe era mais pessoal do que tinha planejado.

— E no fim do dia, ela ainda está lá, esperando. Não por quem partiu, mas por alguém que entenda a história que ela guarda. Alguém que não a veja apenas como mais uma árvore, mas como o lugar onde as raízes se afundaram e não tiveram mais força para levantar.

O sorriso malicioso de Marshall sumiu por completo. Ele permaneceu em silêncio por um breve momento, recostando-se no sofá e me observando com uma seriedade que eu nunca tinha visto. Parecia que, ao invés de apenas interpretar um personagem, ele estava realmente me ouvindo. A tensão que antes era provocativa agora era de pura expectativa.

— Então a árvore não está esperando por ninguém — disse ele, quase sussurrando. — Ela já sabe que quem foi embora não volta. A história é só para quem entende a razão de ela ter ficado.

Ele quebrou o contato visual, olhando para o teto, como se estivesse processando a informação.

— É, exatamente isso. — Forcei um sorriso, amargo, mas tentando soar animada para não deixar que a melancolia se instalasse. — Então... você... vem sempre aqui? — disparei, sentindo a vergonha se instalar instantaneamente.

Marshall ergueu uma sobrancelha, como quem saboreia a oportunidade de me provocar.

— Sério? De novo essa abertura?

— É clássica! — rebati rápido, tentando disfarçar o rubor. — Funciona em, ahm... 32% das vezes.

— E de onde você tirou esse número? — Ele inclinou levemente a cabeça, divertido.

— Revista Seventeen. — Dei de ombros, como se fosse a fonte mais confiável do planeta. — Tinha uma matéria sobre "cantadas infalíveis" no final de uma página, logo depois do horóscopo.

Ele riu baixo, aquele riso que não era alto o suficiente para chamar atenção, mas ainda assim parecia zombar de mim.

— Continua.

— Tá... — ajeitei a postura, respirando fundo. Tentei não olhar para os olhos dele, mas era como tentar ignorar o sol na sua cara. — Você... é tipo... sabe quando você está jogando Street Fighter e consegue desbloquear um golpe que nem sabia que existia? É raro, inesperado e... muda o jogo todo.

Marshall piscou, surpreso, e a sobrancelha arqueada desceu devagar.

— Tá me comparando a um golpe especial?

— É. — Senti um fio de cabelo cair no meu rosto e o afastei rapidamente. — E se eu tivesse você no meu time... nunca te deixaria ir. — Falei tudo de uma vez, antes que minha vergonha puxasse o freio de emergência.

Houve um silêncio curto, mas denso. Marshall não fez nenhuma piada. Ele só me encarou — e foi o tipo de olhar que te prende no lugar, como se a sala tivesse ficado menor. Então, lentamente, o canto da boca dele subiu.

— Ok... — disse, num tom mais baixo, quase arrastado. — Isso foi... desastroso, mas de um jeito... bom.

— Então... aprovado? — tentei soar casual, mas minha voz quase falhou.

— Aprovado, Mertens. — Ele sorriu. — Foi meio fofinho.

Fiz uma careta, sem entender direito. Então me levantei do sofá em um pulo para ficar o mais longe dele.

— Acho melhor eu indo então, preciso fazer minhas tarefas da escola. — Falei uma desculpa, que não era tão mentira assim.

— Deixa que eu te levo, está escurecendo mais cedo esses dias. — Marshall se levantou também, ficando de pé ao meu lado. — Acho que não seria legal da minha parte te fazer ir sozinha à noite.

— Sério? A gente mora em uma cidade pequena, nada acontece...

— Não assiste filmes de terror, não? — Ele me interrompeu. — Assassinos mascarados adoram cidades pequenas.

Revirei os olhos, mas não consegui conter uma risada.

— Sério, não precisa.

— Mas eu insisto. Aproveite enquanto ainda estou oferecendo, doninha. — Ele cruzou os braços.

Suspirei, sem muita opção, e saí com ele até o portão. Claro que a Sra. Nilda veio se despedir de mim, com um beijo caloroso na bochecha. Aparentemente, a casa de Marshall tinha duas garagens: a que ele usava para a banda e outra para os carros da família.

O Mustang 1994 de Marshall estava estacionado na garagem, impecável e brilhando sob a luz do fim de tarde. Meu coração deu um salto: nunca tinha andado em um carro tão chamativo antes.

— Você... vai me levar de Mustang? — tentei soar casual, mas a voz saiu tremida.

— Claro. — Ele abriu o porta-malas com facilidade, soando casual como se fosse normal ter um Mustang na garagem. — Pode colocar sua bicicleta aí.

Balancei a cabeça e, com cuidado, encaixei a bicicleta no porta-malas.

Quando me sentei, o cheiro do couro e do carro novo me fez sorrir sem perceber. Ele ligou o Mustang, e o ronco do motor encheu o espaço.

Marshall dirigia com calma, os faróis iluminando suavemente a estrada tranquila da cidade pequena. Não havia música, nem conversas forçadas — apenas o som do motor e o leve bater do meu coração. Senti um alívio naquela viagem silenciosa, como se cada quilômetro ajudasse a organizar meus pensamentos.

Quando chegamos, ele estacionou, desligou o motor e saiu do carro para abrir o porta-malas. Pegou a bicicleta com cuidado e me entregou, sem pressa.

— Obrigada pela carona, Marshall. — falei, genuinamente.

Ele me olhou por um instante, sério, mas curioso.

— Posso te perguntar uma coisa? — disse, a voz baixa, quase tímida.

Assenti, intrigada.

— Aquela história da árvore... era sobre seu pai?

Meu peito deu um salto, e senti um calor subir pelo rosto. Olhar para ele agora era diferente; não era mais brincadeira ou ensaio — havia sinceridade na curiosidade dele.

— É... — comecei, hesitando, procurando as palavras certas. — Era sobre ele. Sobre o que eu senti quando ele... se foi. Não exatamente sobre a árvore, mas sobre o que ela guardava.

Marshall assentiu lentamente, mas não disse nada por um instante. Apenas observava, com aqueles olhos que pareciam perceber cada mínimo detalhe. O silêncio entre nós não era desconfortável; era carregado, mas de uma forma estranha, quase protetora.

— Entendi. — Ele finalmente falou, a voz baixa e suave. — Não sabia que você sentia isso tão... profundamente.

Senti meu coração acelerar de novo, mas dessa vez por outro motivo: um misto de vulnerabilidade e estranha proximidade.

— Bom... agora você sabe. — falei, tentando soar casual, mas falhando miseravelmente.

Ele deu um pequeno sorriso, quase imperceptível, que conseguiu arrancar um calorzinho do meu peito.

— Obrigado por confiar em mim, doninha. — disse, com o tom leve, quase brincalhão, mas havia algo de sério por trás. — Boa noite!

— Boa noite, Marshall Lee. — Dei um sorriso, vendo ele entrar no carro e dar partida.

Conquest Manual (with Execution Errors) - FioleeOnde histórias criam vida. Descubra agora