Exército americano

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Dia 683. Faltavam 47 dias para completar dois anos que Beatrice Yong estava em missão oficial do exército americano em Israel, quando finalmente sua dispensa chegou.

Já em solo americano, Beatrice estava em um apartamento temporário, sujo e fedido, muito diferente do que ela estava acostumada a morar antes de sair na última missão. Era incrível como ela havia se adaptado aquele clima de guerra e dormia naquele ambiente, com seu rosto e corpo suado, sem sequer ter um ventilador. 

As 15h daquela tarde quente e ensolarada, que marcava 39°, Beatrice acordou atordoada, pegando sua arma que estava em cima de sua barriga, apontando pra frente, procurando um alvo, até que percebeu que era apenas seu telefone tocando.

Os olhos assustados e em alerta de Beatrice eram os mesmos olhos que tinham feito com que ela sobrevivesse aqueles 683 dias em um cenário de guerra diário, 24 horas por dia. Qualquer pessoa que a visse naquele momento, diria que ela precisava de ajuda psicológico e psiquiátrica pra que pudesse talvez um dia, voltar a normalidade.

É comum que soldados que sobrevivem as guerras como foi o caso de Beatrice, tirem a própria vida ao retornar do horror ao qual sobreviveram. É difícil conviver com tudo que foram obrigados a fazer, com tudo que viram acontecer. Antes de sair em missão, Beatrice era uma policial comum, feliz com seu trabalho. Ela tinha uma vida certinha, horários calculados, tudo perfeito. Depois passar quase dois anos em meio a escombros, fugindo da morte, parecia que não existia mais nada daquela antiga Beatrice.

Ao atender o telefone, a mensagem era clara. Em dois dias ela deveria comparecer ao endereço informado, no horário marcado. Era uma ordem vinda do governo e ela não poderia fazer diferente.

Beatrice levantou da cama, foi até o banheiro do apartamento, lavou o rosto e a nuca, olhando para o espelho em seguida e fixando em seus olhos. Aqueles olhos puxados pareciam uma tv, onde o filme que passava não agradaria a quem assistisse sabendo que se tratavam de fatos reais.

Fechando os olhos, as visões eram ainda piores. Beatrice só queria esquecer aquilo. Tomou um banho e tentou relaxar. Em baixo do apartamento que estava havia um bar. Beatrice decidiu vestir uma roupa e descer pra comprar uma bebida. Aquela era a única forma que ela encontrava pra dormir. Bêbada, ela apagava completamente e dormia por um tempo, até o efeito da bebida passar e ela acordar com as visões de sempre: bombas, tiros, pessoas morrendo e sendo explodidas, mãos, braços e pernas decepados. Era um verdadeiro horror poder ver ou saber o que se passava na cabeça de Beatrice.

Em cima da cadeira estava sua calça militar e uma camiseta branca que Beatrice vestiu rapidamente, colocando sua bota em seguida e pegando algumas cédulas em cima da mesa, próximo a tv do apartamento que sequer funcionava.

Entrando no bar, que era tão sujo quanto o apartamento, a maioria das pessoas ali presentes eram homens, velhos e barrigudos e alguns fortes e tatuados. Entre eles tinham algumas mulheres que pareciam submissas aos caprichos daqueles homens.

-Uma garrafa de whisky, por favor. - Beatrice pediu, colocando o dinheiro em cima do balcão.

Em segundos o garçom colocou a garrafa na mesa e pegou o dinheiro pago por ela. Beatrice pegou sua garrafa e estava de saída quando viu um homem grande e alto entrar no bar puxando uma moça pelo braço. Ela com toda certeza não queria estar ali, e por mais que tentasse, não tinha força suficiente pra se soltar do cara.

-Solta ela! - Beatrice deu a ordem.

-Como é que é, vadia? - o homem não sabia, mas em poucos minutos ele estaria arrependido de ofender Beatrice.

-Eu mandei você soltar ela, seu babaca!

O homem jogou a mulher com força contra a parede, a sua frente, a machucando pra que ela não tentasse fugir.

-Pra que fazer isso com a moça? Ela não te quer cara! E pelo visto nem te conhece.

-Sai fora do meu bar. - o dono do bar tentou expulsar o cara antes que começasse uma confusão. O homem não era cliente do bar e só tinha ido ali algumas vezes.

-Você ouviu o dono do bar. Cai fora! - Beatrice pediu mais uma vez.

-Olha, eu queria só aquela vadia. Mas como você tá pedindo, eu vou pegar você primeiro.

O desconhecido avançou na direção de Beatrice que desviou dele, acertando uma joelhada em sua barriga em seguida, logo depois lhe dando uma rasteira e ao vê-lo ao chão, deu dois chutes em seu rosto, fazendo ele desmaiar, sem sequer soltar sua garrafa de whisky.

-Agora é com você. -Beatrice avisou ao dono do bar pra que ele se virasse com aquele corpo desmaiado. -E você, moça? Você está bem? Não parece fazer parte desse universo. Tá com rosto machucado. Precisa cuidar disso.

-Ela precisa limpar o rosto e fazer um curativo. - O dono do bar opinou.

-Você pode vir comigo se quiser. Eu tenho primeiros socorros. - Beatrice ofereceu.

A moça estava assustada, mas de alguma forma ela sentiu que poderia confiar em Beatrice e a seguiu até o apartamento na parte de cima do bar.

-Senta aí. Vou pegar a caixa com o material.

A mulher sentou na cama, esperando que Beatrice voltasse pra limpar seus ferimentos. Beatrice sentou ao seu lado e avisou que doeria um pouco, porque precisava desinfetar pra não inflamar.

-Tudo bem. E obrigada por me ajudar. - a moça agradeceu.

-Você tem que ter mais cuidado por onde você anda e as pessoa que você confia.

-Eu também acho. Eu tô aqui no quarto de uma completa estranha que derrubou um cara enorme no chão em poucos segundos.

-Você tem sorte que eu não sou aquele cara. - Beatrice falava enquanto limpava os machucados no rosto da moça. -Onde você conheceu ele?

-Eu não o conheço. Estava voltando do meu trabalho quando ele me atacou. Há alguns dias ele estava me cercando quando eu passava por aqui, mas não imaginei que fosse fazer o que ele fez. Meus pais vão surtar quando verem meu rosto assim.

-Você deveria prestar queixa. Pronto. Terminei. Agora se cuida.

-Como eu posso te agradecer por isso e por me salvar?

-Não precisa agradecer. Se você se cuidar já é suficiente.

Beatrice só queria ficar sozinha novamente e beber seu whisky até cair e dormir.

Avatrice - Um romance policialWhere stories live. Discover now