Capitulo 37

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ENTRE TAPAS E CHIFRES


Havia uma vara de bambu fincada no chão e em seu topo estava a minha calcinha balançando ao vento como se fosse uma espécie de bandeira nacional. Corri até a vara e tentei retira-la dali mas estava muito bem posicionada dentro do solo.
— Kaila, quer que eu lhe ajude? — Bety se aproximou.
— Ele não passa de uma criança crescida —comecei a dar chutes na vara e ela foi envergando aos poucos até desprender no chão. Peguei a minha calcinha e voltei para dentro da mansão enquanto os funcionários continuavam a sussurrar entre si.
— Onde ele está? — perguntei olhando de um lado para o outro.
— O patrão saiu hoje bem cedo — respondeu Bety que me acompanhava.

— Sabe me dizer quando ele volta?
— É melhor não provocar mais ou da próxima vez será você quem estará pendurada naquele bambu.
— Haha, ele pode tentar. Vou subir para o meu quarto para me trocar, escovar os dentes e arrumar esse cabelo. Quando terminar eu volto para tomar café.
— Será que eu podia — Bety começou a falar mas hesitou.
— O que? Podia o que?
— Pentear o seu cabelo? Acho ele muito lindo.
— Sem problemas, vai me poupar um trabalhão. Ainda bem que tenho você comigo ou já estaria surtando com esse diabo.
Apesar de eu saber que Bety também escondia segredos, não podia negar que sua presença me confortava bastante e que nos dávamos super bem. Minutos depois estávamos no meu quarto, ela de pé atrás de mim e eu sentada de frente para a penteadeira encarando o reflexo.

— Vou fazer uma coroa de tranças também, acho que vai combinar bastante com você — ela sorriu enquanto acariciava os meus cabelos.
— Não faço a menor ideia do que seja isso de coroa de tranças.
— O nome já diz tudo Kaila, é uma coroa só que de tranças.
— Nossa, como eu não pensei nisso antes — ambas rimos — Você parece entender muito sobre cabelos.
— Um pouco, sei fazer vários penteados mas gosto mesmo são de tranças.
— E quem te ensinou a fazer?
— Fui obrigada a aprender aos quinze anos, sei até mesmo a historia das tranças. Elas foram criadas pelos africanos para diferenciar as tribos, classes sociais e até mesmo a idade do usuário. Anos se passaram e as tranças se tornaram uma febre mundial, sendo usadas até mesmo por Cleópatra.
— Alguém andou fazendo o dever de casa.

— Sei coisas que você nem imagina — ela enfim começou a trançar algumas mechas do meu cabelo.
— Sei que sabe, mas assim como Lúcifer você também prefere mentir e esconder segredos — quando dei por mim já havia dito isso mas para a minha surpresa Bety apenas sorriu enquanto mexia de um lado para o outro na minha cabeça.
— Não é bem assim — ela apertou minhas duas bochechas, suas mãos são quentes — as vezes é melhor deixar as pessoas fora dos seus problemas pessoais, o patrão pensa da mesma maneira. Ficamos ali por aproximadamente meia hora até até finalmente a coroa de tranças estava pronta.

— Isso me deixou parecendo com uma daquelas rainhas de filmes — comentei enquanto deslizava os dedos suavemente sobre a coroa.
— Você está mais para uma princesa — ela deu alguns últimos retoques e ambas deixamos o quarto para ir ate a sala de jantar. Pelo caminho passei frente a pequena sala de lazer que ficava perto ao meu quarto e dessa vez notei algo que não havia visto das outras vezes. Sobre uma mesinha de madeira, bem ao canto de uma das paredes havia um pequeno aparelho de som bem bonito. As folhas das plantas próximas a ele encobriam boa parte e por isso ele havia passado despercebido.
— Opa, calma aí — falei para Bety que parou de andar no mesmo momento.

— O que houve?
— Nada não, mas vem aqui comigo.
Adentrei na salinha e fui direto ao aparelho, vasculhei os botões apesar de que sobre ele havia um controle. Quando consegui ligar, estava no rádio e caiu bem no refrão de uma das músicas que eu mais gosto: Scars To You Beautiful da cantora Alessia Cara.
— AHHH, DANCE COMIGO BETY — Comecei a me gesticular ao som do refrão enquanto Bety me encarava perplexa, ou estava impressionada com a minha gingada ou estava assustava com meus movimentos de espantalho.
— Não, obrigada eu estou bem assim.
— Ah você vai sim — a puxei  pelo braço — se eu passo vergonha você também passa. Agora dance, mexe esse corpo tomado pela idade.
— O que está insinuando com isso? Quantos anos pensa que eu tenho mocinha? — ela perguntou enquanto eu dançava em volta do seu corpo.

— Muitos — a puxei de volta e segurei suas duas mãos, a obrigando seguir os mesmos passos que eu.
— Eu tenho idade para ser a sua mãe, não a sua avó — ela reclamou — devem ser essas roupas que desvalorizam o meu belo corpo maduro.
— Que? — Comecei a rir, mas sem parar de dançar — que papo é esse de corpo maduro?
— Vocês jovens não entenderiam, mas veja isso, posso dançar bem melhor do você, mesmo tento o dobro da sua idade — ela estava começando a entrar no clima da música e aquilo começou a virar uma competição de espantalho desengonçados. Quando a música acabou, nos jogamos no sofá exautas.

— Sabe me dizer algo sobre o presente que o seu patrão comprou para mim? — perguntei.
— Presente? Não estou sabendo nada sobre isso. Mas a julgar pelo jeito dele deve ser algo surreal.
— Amanhã tenho a minha segunda aula... droga, esqueci que não devia tirar os sapatinhos — balancei os pés ao perceber que não estava usando-os.
— Seus pés são gordos — Bety estava encarando eles.
— Pode parar, não tem nada de gordo neles.
— Ah tem sim — ela segurou um dos meus pés e o puxou para o próprio colo me fazendo cair deitada no sofá — olha isso, redondos — Bety apertou ele como se aperta uma bola de borracha.

— Acho que estou sendo boazinha demais com você, tenho que ser mais severa ou vou perder todo o respeito — a encarei.
— Não sei que respeito — ela riu — Kaila, a sua calcinha estava balançando ao vento no meio do pátio, você não tem mais respeito.
— Até você vai ficar falando disso — joguei os braços pra cima da cabeça e fiquei encarando o lustre enquanto sentia as mãos quentes dela em meus pés — tenho que me vingar de vocês todos.
— Vocês todos nada, eu não tenho nada haver com essa guerra de vocês dois.
— Tem sim — um estrondo barulhento assustou nós duas. Mas logo ficamos tranquilizadas ao perceber que era apenas um trovão, estava começando a chover.
— Faz tempo que não chove — comentou Bety levantando-se.
— Onde você vai?

— Vou me certificar de fechar todas as janelas, não seria nada bom se os carpetes molhassem. E você trate de ir comer alguma coisa e de vestir algo para o frio.
— Só faltou me oferecer chocolate quente — me levantei junto a ela.
— Posso providenciar, mas cuidado com a Horrania, ela ataca tudo e todos que se pareçam com chocolate.
— Horrania está se tornando uma mini diabinha, ficou tempo demais perto daquele homem.
— E quanto a você? — Bety me deu uma encarada acusatória.
— Eu o que?
— Você também passa boa parte do seu tempo perto dele, mesmo que brigando.

— Não tem nada haver uma coisa com a outra. Agora vamos logo, vou te ajudar com as janelas.
— Isso, mude de assunto mesmo — ela sorriu enquanto ambas deixamos o local e começamos as nossas buscas por janelas abertas. A chuva caia forte do lado de fora e o céu que antes reluzia, agora estava nebuloso e ofuscado pelas densas nuvens repletas de trovoadas. O vento forte fazia as folhas das arvores esvoaçarem no ar, dançado em fileiras como bailarinas de inverno e aquilo me lembrava de como eu adorava os dias de chuva.

Bety pediu a um dos cozinheiros para preparar vários copos de chocolate quente e eu desfrutei do meu enquanto lia um bom livro na biblioteca. Nada como uma boa leitura num dia como aquele, dava para ouvir claramente a chuva batendo contra as janelas fechadas da biblioteca ou até mesmo colidindo com o solo lá fora. Mas a paz durou pouco pois Horrania entrou saltitando e veio ao meu encontro.

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