Capítulo 24⁠-Nada consegue suprimir a curiosidade de um humano.

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DANDARA SCHILLER

Eu bato meus dedos no meu lábio inferior enquanto estou no balcão do ambulatório esperando o resultado dos exames de um paciente com suspeita de meningite. Dr. Fremont disse que estava ansioso para os resultados, então quis mandar alguém aqui para apressar a técnica. Agora estou aqui. Sozinha com meus pensamentos. Nenhum lugar para escapar. Ninguém para conversar. E muito confusa com o distanciamento do Dr. Fremont. Duas semanas se passaram desde o incidente com Paxton e o jantar na minha casa. Ele fez como prometeu, tem sido profissional e não está mais tentando tornar a residência difícil. Por outro lado, ele ainda age com uma certa frieza comigo, mesmo quando o turno no trabalho chega ao fim. Parecia que o jantar não se passou de um simples sonho. E eu percebi que ele estava saindo cedo demais de sua casa e tarde demais do hospital.

Era para evitar me dar carona?

Eu estava cada vez mais confusa, teorias explodindo em minha cabeça. Tenho quase certeza que o que seja que tenha acontecido estava relacionado ao jantar. Lá ele permitiu que eu desfrutasse de um lado dele que provavelmente poucas pessoas conhecia, ele estava relaxado e divertido. Ele claramente não gostou que sua armadura foi atingida e perfurada.

Por que ele escondia aquele lado?

Por que se escondia naquela casca arrogante?

Por que estava evitando que eu chegasse perto, que me tornasse sua amiga?

Eu tinha muitas perguntas e nenhuma resposta, contudo, sei que para encontrá-las eu preciso descobrir o que houve com a família dele. Por Blair eu descobri que não poderia ter. Ela me disse apenas que foram todos os integrantes da família assassinados. Ademais, qualquer outros detalhes ela preferiu não mencionar. Disse que eu poderia perguntar qualquer outra coisa sobre tudo, com exceção da tragédia que aconteceu na família do nosso doutor supervisor. Rosie também não ajudou, apenas reafirmou o que Blair já havia dito, e Charles se mudou para a cidade em menos de um ano, sabia tanto quanto eu. Depois de interrogar os três, eu percebi que ninguém na cidade gostava de tocar no assunto. E se tratando de moradores de cidade pequena, todos tinham muitas crendices, superstições. Como Rosie indicou, eles acreditam que falar sobre uma tragédia é atrair outra. E o que houve deixou marcas profundas nos moradores. Algo muito terrível abalou a pequena população, era nítido. E ninguém queria atrair algo parecido. Eu estava sem apoio, nenhum caminho para seguir. Não seria extremista ao ponto de envolver trabalho profissional para investigar. Eu não estava tão desesperada. Curiosa, desesperada não.

— Sabe, ficar olhando para mim não vai me fazer trabalhar mais rápido, — Eu me assusto quando uma mulher do ambulatório esbraveja.

Meus olhos se arregalam porque nem percebi que estava olhando para ela. Eu me afasto do balcão e murmuro um pedido de
desculpas.

Puxa, se recomponha, Dandara.

Permanecer calma é impossível. Os exames ainda demoram alguns minutos e novamente eu divago. Eu estava tão presa no assunto que tropecei nos pés de Blair quando saí do elevador. Por pouco não vou para o chão.

— Ei, você está bem?

Ela se agacha ao meu lado e me ajuda a pegar alguns papéis que caíram.

— Sim. Me desculpe, eu não está prestando muito atenção.
— Eu percebi. O que há de errado?

Eu hesito. Eu não acho que Blair irá me dar mais detalhes sobre a família do Dr. Fremont, mas talvez pode ser bom obter algum conselho objetivo.

— Café mais tarde? —Eu sugiro.
— Pode apostar.

Ela segue para o elevador e eu vou para entregar ao Dr. Fremont os resultados. Descobrimos que não é meningite. Então passo o resto da manhã tentando encontrar algo nos exames que indique o que está causando a febre, vômitos, confusão mental e a fotofobia. Acabou sendo uma manhã muito longa. Quando Blair vem me chamar, estou mais do que pronta para um café. E estou pronta para falar com alguém sobre o que está em minha mente.

— Eu estou muito curiosa sobre o que aconteceu com a família do Dr. Fremont.— Eu deixo escapar assim que entramos no elevador.
— Eu imaginei que fosse isso—Diz ela, encolhendo os ombros.— Você não parece o tipo que desiste fácil de algo.
— Pois é. Eu preciso descobrir para traçar o caminho para chegar até ele.
— Eu queria muito ajudá-la, mas não é o meu lugar para compartilhar. — Ela diz sinceramente.

Eu sorri.

— Tudo bem, eu vou encontrar uma forma de fazê-lo de qualquer forma. Eu  consegui há alguns dias quando ele jantou lá em casa. Vi um lado raro dele.

Blair se vira para mim, boquiaberta.

— Ele jantou na sua casa?— Ela sussurra.
— Sim. Eu não sei se te contei, mas somos vizinhos. Eu tive um problema com o encanamento e ele ajudou. O jantar foi uma forma de agradecer.

Nós saímos do elevador. Blair liga o braço dela ao meu.

— Oh querida. Eu preciso de mais detalhes sobre isso.— Ela faz uma pausa.— Vocês dois...hmm...você sabe. Aconteceu?

Eu não esperava essa pergunta, então fiquei quieta, tentando pensar sobre a decisão de contar e como contar. Eu estou certa que a verdade registava no meu rosto porque Blair solta um gritinho.

— Eu sabia! —Ela tapa a própria boca.

Eu sacudo minha cabeça.
— O que? Eu não disse nada.
— Está escrito em seu rosto. E não havia dúvidas que a chama entre vocês fica perto de incendiar o lugar quando vocês estão perto.
— Foi antes de descobrir que iríamos trabalhar juntos. — Eu confesso enquanto
esperamos na fila pelo nosso café.— Foi uma surpresa para os dois. Ele tentou fazer as coisas difíceis, mas acabamos que decidimos esquecer o que aconteceu e ser profissionais. Então teve o problema com o encanamento e o jantar. E foi incrível, uma noite perfeita. Ele foi gentil, e me fez ri muito. Mas no dia seguinte ele simplesmente ignorou. E tem me tratado friamente desde então.
— E agora você acha que está relacionado com o que aconteceu com a família dele.
— Sim. Ele pode está se culpando por ter permitido ser verdadeiro e relaxado?
— É bem possível.

Blair parecia triste. Eu mordo meu lábio. A fila de café é longa e ainda há pelo menos quatro pessoas à nossa frente.

— Blair?— Eu hesito, então apenas deixo escapar. — Você acha que alguém na cidade poderia me contar o que aconteceu?
— Bem, St. August não é igual a New York. Não costumamos contar para todos assuntos particulares de algum morador. As pessoas fazem as coisas de outro modo aqui, sobretudo os nativos. Eles se protegem muito.
— Eu entendo.

Eu suspiro desanimada.

— Mas —Blair estica a palavra e eu encaro ela — Há uma senhora, Lindy, ela é dona da cafeteira no centro. Você se lembra dela?

Eu estremeci.

— Sim, desde que eu cheguei ela tem tentado arrancar de mim a todo custo informações sobre minha mãe.

Blair ri.

— Esse é o passatempo favorito dela. Descobri possível material para fofoca. É uma das moradoras mais antigas e eu juro que suas raízes correm tão profundamente sob esta cidade que ela sente a vibração na terra quando alguém novo coloca seus pés aqui. E uma vez que eles fazem, ela é o megafone que espalha a notícia boca-a-boca. E eu juro essa é a única razão pela qual ela mantém a cafeteira mais movimentada da cidade.
— Você está me dizendo que ela pode me dizer o que aconteceu?
— Sim, se há alguém que pode responder suas perguntas é Lindy. Entretanto, ela costuma fofoca apenas com os moradores nativos. Para fazê-la contar algo você terá que dar algo quente para ela montar uma nova fofoca. É assim que ela funciona.

Sorri.

— Eu posso fazer isso.

Na batida do teu coração Where stories live. Discover now