O Exorcismo de Marlon Gayler...

بواسطة AngeliPietro

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"Internado contra a vontade em um colégio religioso liderado por freis, Marlon Gayler precisará unir-se a Dan... المزيد

[PRÓLOGO] Pecados do Passado
[LIVRO UM] Cap.1 - Trancafiado
Capítulo 2 - O Garoto Problema
Capítulo 3 - Saint-Michel
Capítulo 4 - Regras Rígidas
Capítulo 5 - Garoto em Fuga
Capítulo 6 - Sombras na Escuridão
Capítulo 7 - Dan Mason
Capítulo 8 - Sussurros
Capítulo 9 - Laços de Sangue
Capítulo 10 - O zunido do vento
Capítulo 11 - Descendo
Capítulo 12 - Algo estranho no ar
Capítulo 13 - Murmúrios
Capítulo 14 - Uma mente atormentada
Capítulo 15 - Diálogos suspeitos
Capítulo 16 - Ventos Frios
Capítulo 17 - A Vila
Capítulo 18 - Pétalas na Neve
Capítulo 19 - Flocos de Gelo despencam do Céu
Capítulo 20 - Sombras do Passado
Capítulo 21 - Hábitos, Caixas e Recordações
Capítulo 22 - Sob o manto da noite
Capítulo 23 - Soterrados
Capítulo 24 - Castiçais, lamparinas e uma densa escuridão
Capítulo 25 - Sete palmos de terra
Capítulo 26 - Falsa Calmaria
Capítulo 27 - Pecados na noite de natal
Capítulo 28 - Estilhaços
Capítulo 29 - Preto e Branco
Capítulo 30 - Tormenta
[LIVRO DOIS] Interlúdio "A chegada da escuridão"
Capítulo 31 - Asas Negras
Capítulo 32 - Crepúsculo dos Irmãos
Capítulo 33 - O chocalho da Serpente
Capítulo 34 - Confidências
Capítulo 35 - Frio e Neve
Capítulo 36 - Ratos e Homens
Capítulo 37 - Nervos Aflorados
Capítulo 38 - Fotografias
Capítulo 39 - Uma noite movimentada
Capítulo 40 - O velho embriagado
Capítulo 41 - Quarto 24
Capítulo 42 - Sem Voz
Capítulo 43 - O retorno
Capítulo 44 - Reencontro
Capítulo 45 - O passado está aqui
Capítulo 46 - Cúmplice
Capítulo 47 - Tramas Sombrias
Capítulo 48 - O visitante da Madrugada
Capítulo 49 - O Princípio
Capítulo 51 - Verão
Capítulo 52 - Sob o capuz
Capítulo 53 - O sangue
Capítulo 54 - O frei Jubilado
Capítulo 55 - Promessas Quebradas
Capítulo 56 - Quando a noite cai
Capítulo 57 - Traição
Capítulo 58 - Tensão
Capítulo 59 - O silêncio da Mata
Capítulo 60 - Homicida
Capítulo 61 - Onde o choro não pode ser ouvido
Capítulo 62 - O trono da Escuridão
Capítulo 63 - O julgamento
Capítulo 64 - Sob o raiar do sol
Epílogo - O doce perfume da primavera
Vem se apaixonar...
Livro Físico - Adquira já o seu

Capítulo 50 - Segundo Andar

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بواسطة AngeliPietro

O sol irradiava pelos vitrais do Arcanjo, e olhando ao redor, Dan respirou fundo sentindo-se confuso com a repentina mudança de ambiente. Não estava compreendendo o que acontecia, então deduziu que aquela não era a realidade, mas sim algum tipo de sonho. Pensando melhor, recordou-se de que ao tentar deixar o quarto de Marlon Gayler, o ser que o dominava, o havia tomado pelo colarinho, e com força, arremessado contra uma das paredes. Assim começava a perceber a loucura de tudo aquilo, e tocando a parte traseira da cabeça, sentia a sensibilidade de onde a ferira.

A violência do arremesso o havia feito entrar naquele delírio, se é que podia ser chamado desta forma, porém, o mais estranho era a perfeição dos detalhes que podia observar ao redor.

Ele desviava os olhos do Arcanjo quando ouviu o sino soar. As badaladas estremeceram as paredes de Saint-Michel, e sentindo o coração acelerado, virou-se e observou os vários grupinhos de jovens deixando o salão comum. Afastou-se com o intuito de se esconder, então percebeu que eles não o podiam ver.

Aquelas certamente eram as primeiras horas da manhã, já que todos trajavam os uniformes. Tentou reconhecer ao menos um dentro os vários rapazes que subiam as escadarias a conversar, mas absolutamente ninguém era familiar, até que se virando, viu sair do refeitório um último garoto, apressado a mordiscar uma maçã. Ele fitou sua feição, então percebeu de quem se tratava. Aquele era ele, aquele era Charles Widmore, e para seu espanto o garoto parara a fitá-lo:

— Hey, você por aqui?

Dan não soube como reagir, gaguejou com o questionamento, e quando se preparava para responder assustou-se com uma segunda voz ecoando as costas. Virou-se confuso.

— Pequeno Charles? Então, nos reencontramos? — um segundo garoto retrucou parando ante o clarão do vitral, e Dan tentou ver sua face, mas o brilho a ofuscara — Estava me preparando para subir — disse apontando para a escadaria — Venha, quero que conheça duas pessoas.

Ele observou a silhueta de Charles Widmore aproximar-se da dupla que estivera parada bem ali, a observá-los dialogar. O primeiro tinha um sorriso simpático, era baixinho e rechonchudo, as bochechas levemente coradas.

— Charles, este é Bernardo, ou como o chamamos internamente, Pombo. A maioria o apelidara de Beterrabas, acho que não preciso explicar o motivo — sorriu indicando as bochechas proeminentes.

Por um momento Dan sentiu-se desconsertado com a revelação, mas reparando melhor na face corada e no jeito acanhado do rapazinho, teve a imediata constatação do que aquilo significa.

Ele estava no passado de Saint-Michel. Ter batido com a cabeça fê-lo de alguma forma ficar preso naquele delírio, e fixando as silhuetas com assombro, teve a atenção roubada pela nova apresentação:

— E este — o garoto cuja mão estava enfaixada apontara para uma segunda silhueta, que agora se revelava rente ao corrimão — É Alex Cotton, o Marreco.

Se a revelação sobre a primeira imagem fora um impacto para Dan, a segunda o deixou sem ar. Ele fixou as feições do rapaz alto e de traços rudes, que apenas olhou para o novato, porém não estendera a mão como fizera o primeiro. No entanto pôde ouvir sua voz, e mesmo sendo um Cotton anos mais novo, Dan reparou que mantinha a mesma postura arrogante dos tempos atuais. Como aquilo era possível?

— Então, você é o famoso sobrinho do frei das hortas?! — o rapaz questionou arqueando a sobrancelha.

— Ah, Sim. Eu acho que sim. — Dan ouviu Charles responder com um sorriso sem graça, percebendo que nele havia um pouco de hesitação. Na cabeça, um único questionamento pairava: "Ele dissera Sobrinho? Mas, Charles não era filho do frei Corcunda?" — Acho que estou me recordando de você — Charles sorriu, umedecendo os lábios — Por acaso não nos vimos antes? Digo, na semana passada, quando deixava a sala do diretor?

Então os três trocaram olhares, e aquele cujo rosto não era visível, conferiu a mão enfaixada, retrucando em seguida:

— Esta é uma longa história Charles. Mas, como pode ver, eu e Cotton já fizemos as pazes — esboçou feição amistosa para quebrar o clima desconfortável, e então prosseguiu: — Aliás, este é um bom momento para Cotton agradecê-lo, pois, se não fosse a compressa de lama que você fez em minha mão, acho que não teria sido uma piada quando falou que precisaríamos amputá-la.

Eles sorriram, exceto Alex Cotton. Este se manteve sério, e Dan reconheceu naquele olhar o desprezo, percebendo na face de Charles algo completamente contrário: a inocência.

Manteve-se a observá-los, então ouviu a voz retraída de Beterrabas retrucar:

— É um prazer conhecê-lo Charles, seu pai, quero dizer, tio... é o professor do qual mais gostamos.

Os três trocaram olhares, e à frente, Charles sentiu as bochechas corarem. Engoliu em seco, conferindo os arredores, fingindo não ter percebido o equívoco do colega, por isso esboçou um sorriso sem graça, disfarçando o constrangimento.

Foi quando a silhueta cuja mão estava enfaixada os interrompeu:

— Bem, acho que não podemos enrolar mais, todos estão lá em cima, e se não nos apressarmos, os próximos a terem as mãos esfoladas serão vocês. Certo? — Curioso, Dan tentou descobrir quem era o locutor, mas, quando deu um passo em sua direção, as silhuetas moveram-se como a brisa, saindo de seu alcance. Assustou-se ao encontrá-las agora paradas no topo da escadaria. O brilho do sol dificultava a visualização.

— E você, não vem? — o desconhecido questionou e por um momento Dan pensou que falava consigo, mas ao olhar para trás, viu que Charles permanecia no mesmo lugar.

— Ah, não — ele respondeu voltando a mordiscar a maçã — Eu não estou na turma de vocês. O professor Lúcios disse que o melhor para mim era uma classe de alunos mais novos, a fim de que conseguisse pegar as matérias desde o início. Hoje teremos atividades ao ar livre — Dan entendeu que Lúcios era o professor dos três. O professor que anos depois receberia o título de Jubilado, por ser o docente mais velho de Saint-Michel. — Mas se quiser, podemos nos ver mais tarde.

— Então está marcado — o desconhecido sorriu — Nos encontramos nas hortas?

— Como todos os dias.

E olhando para o topo da escadaria, Dan teve a estranha impressão de reparar Alex Cotton franzir o cenho, seguindo para a sala sem esperar os demais.

***

As vestes escuras arrastaram-se pelo soalho lustroso. Sob o falhar das luzes, bispo, padre-diretor e o visitante da madrugada seguiam pelo corredor observando as portas fechadas, e vários crucifixos pendendo de ponta-cabeça. Em seus anos de trabalho como exorcista, eventos como aquele revelavam a natureza do caso, e por isso, o visitante fez o sinal da cruz e parou um momento, ajeitando seu terço em uma oração. Os demais o acompanharam.

— Há quanto tempo vem acontecendo? — virou-se para o padre-diretor, que engoliu em seco, ajeitando as vestes — Refiro-me a quando perceberam o primeiro sinal incomum no monastério?

— Ora — ele esboçou um sorriso, tentando quebrar o clima sombrio que aquele corredor abarcava — Acredito que fora com a chegada do inverno, não? — fitou o rosto do bispo, e então voltou ao homem que o fixava, porém ao lado, um frei auxiliar limpou a garganta, e os três se viraram para ele.

— Irmão? O senhor tem algo a dizer? — Europeus questionou.

— Ah, sim, perdoe-me bispo. É que, bem... não estou querendo discordar do diretor, mas creio que estas coisas "incomuns" não começaram no inverno, mas bem antes dele.

Os homens se entreolharam, e antes que o padre pudesse dizer alguma coisa, o bispo o interrompeu:

— Prossiga frei. A quê se refere?

— Bem, a algo ocorrido com o mesmo garoto do qual todos falam, a algo ocorrido com Marlon Gayler. — O padre olhou para o bispo, e então tornou ao velhote — Ora diretor, está esquecido do ocorrido no banheiro? Não se recorda de que a primeira punição dada a Gayler foi justamente por ele ter deixado o reservado sem roupas, acusando alguém de está-lo espionando para além da parede?

— Alguém espionando um interno enquanto tomava banho? — o bispo virou-se imediatamente para o padre, que desconsertado, precisou disfarçar — Diretor, do que o frei está falando?

O padre limpou a garganta, tentando demonstrar calma na feição.

— Ora, foi apenas um evento isolado bispo. Todo garoto como Marlon Gayler, ao ser internado pela primeira vez, tem dificuldade de lidar com as regras, e então cria alguma situação constrangedora para desafiar seus superiores. Na ocasião o frei Isaac estava de vigia no banheiro, e ele pessoalmente revistou box por box, constatando que não havia fissura alguma na parede, mas apenas...

— ...Alucinações de um garoto insubmisso às lideranças. — Foi a voz de Cotton que ecoou surgindo da curva afastada, trocando olhares com os presentes — É a este indício "sobrenatural" que se refere frei? — fixou o homem com olhar penetrante, e este se encolheu — Então, sinto informar que nada pôde acrescentar. Trata-se apenas de um pretexto do interno Gayler para fazer tumulto — virou-se para Europeus, que aguardava explicações — Eu sou professor de Gayler bispo, e este sempre procurou pretextos para contrariar seus superiores. Seu intuito, como o de muitos anteriores a ele, era fazer-nos voltar atrás no que se refere à sua matrícula, porém Saint-Michel nunca se dobra as rebeldias de indisciplinados, pelo contrário, nós os educamos, para que se tornem rapazes de bem, que é o exato propósito deste internato.

— Mas e quanto às coisas que o garoto viu nas masmorras? — o frei auxiliar o interrompeu, em seguida se encolheu. Sentiu que falara demais, e Cotton franziu o cenho.

— Apenas histórias criativas — explicou com olhar altivo — Marlon Gayler estava irritado por ter sido alocado para trabalhar na faxina do subsolo. Ele é destes garotos que sempre teve empregados para servi-lo, um rapaz mimado — encarou o visitante com desprezo, então prosseguiu — e quando foi internado, precisando se adequar à nova realidade de cooperação, viu no subsolo um meio de chamar a atenção para si. Pelo visto conseguiu. — encarou o frei linguarudo que relatara o episódio.

— O fato é que os tais garotos que conversavam no subsolo nunca foram identificados bispo — o padre tomou a palavra, incomodado com tantas perguntas — Interrogamos Gayler na ocasião, e constatou-se que fora apenas boatos. Tanto é, que nada aconteceu, e bem, o garoto confessou aos colegas ter inventado as histórias.

— Mas Gayler não...

— Frei Auxiliar — a voz de Cotton ecoou acima das demais. O velhinho estava querendo ir muito além de suas tarefas — Há pouco enquanto voltava das cozinhas, passei pelo frei cozinheiro e ele pediu-me para avisá-lo de que precisava de seu auxílio para começar a preparar os pães para o café da manhã. Veja aqui — Cotton indicou o relógio de bolso, e então o ocultou novamente sob a veste — Já se aproxima das quatro da madrugada, o nascer de um novo dia não demora. Alem disso, creio que a visita aos aposentos de Marlon Gayler deva ser feita apenas por pessoas em melhores condições físicas, pois, o que aconteceu aos outros freis demonstra que ele está disposto a tudo.

Houve silêncio. O bispo de Palência nada disse, todavia, percebeu no gesto de Cotton a necessidade de se livrar do ancião. Aquilo era muito estranho, e somente agora, depois de ter deixado o quarto do frei Lúcios com uma pulga atrás da orelha, é que reparava no quanto a relação de padre e monitor era de real confidência, como se buscando abafar algo. No momento não interviria, mas certamente iria querer uma conversa particular com aquele frei antes de tudo terminar.

— Muito bem. Levando em consideração que os relatos e acontecimentos demonstram características de algo fora de controle, concordo com o frei Cotton — Retrucou olhando para o idoso.

Ao lado, o padre encarou o monitor, era visível a preocupação em sua feição.

— Se assim deseja bispo — o velho disse, voltando ao visitante — Eu... então eu vou descer. Caso necessitem de algo, estarei nas cozinhas.

— É o melhor.

O bispo o observou sair. O velho andava mancando, devido ao peso da idade, e isto fê-lo pensar um instante mais em seu amigo Lúcios. Sabia, no entanto, que se estivesse certo, dentro de algumas horas poderia conversar com ele, sondá-lo a fim de compreender o que estava acontecendo, e só então, ter uma posição firme quanto às atitudes dos coordenadores do monastério.

Virou-se para os presentes.

— Acredito que não devamos enrolar mais tempo, a madrugada já é alta.

— O bispo está certo — interpelou o visitante, fazendo um novo sinal da cruz — Talvez o que encontraremos do outro lado da porta seja pior do que o quê se demonstrou até o momento. Na presença de homens preparados para lidar com o sobrenatural, se de fato for o que acontece aqui, estas perturbações tendem a ficar ainda mais agressivas. Permaneçam atentos, e em oração. — Advertiu respirando fundo, então seguiu à frente, acompanhado pelos demais.

***

Jeremy Mason olhava para a porta, assustado com o falhar das lâmpadas. Estava sozinho, mas não completamente sozinho, pois vez por outra percebia os olhinhos avermelhados nos vãos escuros das paredes. Eles ocultavam-se em todos os cantos, dos vãos às caixas espalhadas ao redor. Ratos peludos, alguns grandes como uma garrafa de refrigerante, outros miúdos como um ovo. Sabia que o subsolo era cheio deles, e por esse motivo, muitos colegas odiavam ser enviados para cumprir tarefas ali, pelo temor de serem mordidos.

O cheiro da cela também não era nada agradável. Se durante o calor o local cheirava a mofo, agora com a neve, o ar ficava intragável. Ele tentava fixar os olhos em algum lugar, encontrar algum ponto onde pudesse se sentar e ficar afastado dos roedores, mas absolutamente todo o ambiente estava com traços deles.

Então se manteve de pé rente à porta, tentou abri-la, porém as fechaduras em Saint-Michel eram de boa qualidade. Desistindo, voltou a observar o ambiente ao redor.

Estava com as pernas bambas, por isso sentou-se ali mesmo, para tentar controlar a respiração ofegante. Temeu que pudesse dar algum ataque e sufocasse sozinho, no escuro, naquele lugar insalubre e sombrio.

Cansado de pedir ajuda, arqueou as pernas, cruzou os braços ao redor delas e ocultou o rosto. Não fechou os olhos, manteve-se em alerta quanto aos ratos nas paredes, enquanto pensava no que iria fazer.

Pensou em Dan, em quê o irmão estaria fazendo agora, e embora tentasse pensar em coisas positivas, o coração apertado dizia que o mais velho corria perigo. Sentiu os olhos anuviarem, um nó arranhou a garganta, e não resistindo deixou o medo sair em forma de lágrimas.

De repente todo o passado retornava como um filme, e sentiu-se um peso para todos. Se não fosse por sua condição de saúde Dan não precisaria ter voltado ao monastério, pelo contrário, já estariam distantes da colina há meses. Se não fosse por sua culpa, Marlon Gayler também não estaria sofrendo, dominado pelo espírito maligno que ele convocara com os próprios lábios, naquela noite, apenas para se sentir incluso.

Estava envergonhado, assustado e temeroso, e enquanto pensava na mãe e no pai, sentindo a dor da saudade, assustou-se com um barulho a propagar-se nas caixas empilhadas à frente, o que fê-lo imediatamente se erguer.

Ele fixou os objetos um instante, tentava ver além do falhar das lâmpadas, mas apenas borrões eram projetados no breu. As lágrimas anuviaram o olhar um pouco mais, e escorreram pelas bochechas. Estava aterrorizado, e novamente virou-se para a porta tentando abri-la, batendo com força, pedindo por socorro, mas ninguém o ouvia. Então voltou a se sentar, na mesma posição, secando as lágrimas na roupa que agora o fazia sentir calor.

"O que Cotton queria dizer com aquelas palavras?" — questionava baixinho, buscando controlar a respiração — "O que significava ter sido ele o responsável pela história?".

O monitor da turma era um homem maligno e de mau caráter. Desde o primeiro dia Jeremy percebeu que não gostava do irmão, e por vezes dissera isto a ele em confidência. Mas Dan não tinha medo de nada, Dan agia sempre como o herói, mesmo que por vezes fosse castigado pela petulância.

Ofegando, voltou a choramingar, sentado com as mãos ainda envoltas aos joelhos, a recordar-se do exercício que Marlon o ensinara na sala de aula, quando o salvara de uma de suas crises. Desde que aprendera aquilo com o rapaz, estava conseguindo se controlar, e agora, no temor de ter um ataque sozinho, repetia para si mesmo as frases enquanto procurava respirar fundo:

"Este é meu espaço, no meu espaço nada pode me fazer mal".

Os olhos mantinham-se fixos na pilha de caixas à frente, e ao mesmo tempo nas silhuetas dos ratos em seus esconderijos. Apenas os olhinhos cintilantes o observavam, e abraçando as pernas com mais força, Jeremy prosseguiu:

"Este é meu espaço... meu espaço. E no meu espaço nada pode me fazer mal".

Os olhos deslizavam pelos arredores. As estantes empoeiradas estavam de um lado e outro, e sabia que aquilo era um depósito de velharias. À frente, as caixas tombadas permaneciam imóveis, e de dentro delas, saíam papéis e pastas envelhecidas, abandonadas havia bastante tempo.

"Este é meu espaço, no meu espaço nada pode me fazer mal".

Continuou a fixar as caixas, os papéis amarelados, as pastas de cor escura, as fotografias preto e branco anexadas em algumas delas. Os olhos mantinham-se fixos aos vultos desconhecidos, enquanto pensava, enquanto esperava algo acontecer, mas então, como se de repente um foco de luz destacasse as velharias, uma das imagens saltou de entre tantas outras.

Ele franziu o cenho e se levantou, limpando as mãos na calça. Imediatamente sentiu as lágrimas cessarem, e mantendo os olhos presos àquela figura desgastada, aproximou-se curioso observando-a com maior atenção. Quando tocou o documento à qual pertencia e um ratinho fugiu assustado, imediatamente se recompôs e voltou a analisar a gravura.

Jeremy buscou compreender o que via. Nas pastas havia nomes, datas, notas e relatórios, documentos antigos de Saint-Michel, documentos há muito esquecidos ali. Sentiu algo estranho dentro do peito e um desconforto na barriga ao ler uma lista de nomes. Olhou ao redor, para as outras caixas empilhadas nas estantes, e então puxou novos papéis de dentro delas, novas fichas que confuso foi analisando uma a uma. Não conseguia entender o motivo daquela imagem em especial estar entre as demais. Não conseguia entender o porquê de aquela fotografia estar afixada junto a outras que datavam de 1995.

Então passou a ler os dados escritos no relatório que a acompanhava. Surpreendeu-se com o quê se revelava nas letras corroídas pelo tempo, com o quê aquilo significava, e erguendo os olhos imediatamente alcançou compreensão.

Ele precisava sair dali, ele precisava mostraraquelas pastas ao irmão. Se o que aqueles relatórios contassem fosse verdade,ele mais que ninguém deveria saber com o quê poderiam estar lidando.

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