Ceres - O Retorno Da Escuridã...

By erika_vilares

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TERCEIRO LIVRO DA SÉRIE AS ADAGAS DE CERES Após o hediondo banho de sangue e o regicídio ocorrido no reino no... More

Prólogo
Capítulo Um - Parte I
Capítulo Um - Parte II
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
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Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta - Parte I
Capítulo Trinta - Parte II
Capítulo Trinta e Um
Nos capítulos anteriores das Adagas de Ceres...
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Trinta e Cinco
Capítulo Trinta e Seis
Capítulo Trinta e Sete
Capítulo Trinta e Oito
Capítulo Trinta e Nove - Parte I
Capítulo Trinta e Nove - Parte II
Último Capítulo - Parte I
Último Capítulo - Parte II
Último Capítulo - PARTE III
Agradecimentos + Novidades
PRÉ VENDA

Capítulo Trinta e Dois

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By erika_vilares

Capítulo Trinta e Dois

Com os pulmões preenchidos com a enegrecida fumaça que instalava-se no seu interior e queimava seu corpo de dentro para fora, Lucky Berbatov tivera que encontrar o equilíbrio para ser rápido e forte o suficiente para arrancar a princesa da casa subterrânea, mas ao mesmo tempo sem que precisasse continuar a inalar o ar tóxico que os encurralava. Aqueles minutos foram um dos mais longos e apavorantes de sua vida. O fogo que devorava tudo estava pronto para sucumbi-los na escuridão naquele âmbito imerso na terra, sem ventilação, tornado num forno humano. O arqueiro não sabia de onde tinha vindo aquela força ou aquela resistência ao calor, mas se não tivesse sido por elas, acreditava que ele teria morrido queimado e Mia sufocada.

Quando alcançou o corredor de saída, bateu rudemente na porta de metal ardente com pontapés e subitamente ouviu homens do lado de fora gritando de dor, mas unindo-se para abrir a única passagem que absorvera todo o calor do local. Quando o ar arejado tocou-lhe na pele, Berbatov entregou Mia nos braços de Kaleb para que ela pudesse alcançar o frescor com urgência, e uma vez que a princesa estava salva, esforçou-se para não sucumbir a vertigem que lhe cercou, mas precisou da ajuda de Yasir e Caliana para ser retirado da passagem fervente de metal.

Anelante, o ladrão tentava recuperar o fôlego do peito, mas sentia que sua pele estava em carne viva. Deveria ter tido queimaduras desesperantes, a dor que sentia lhe garantia isso agonizantemente. O mundo a volta era perturbadoramente barulhento, porém ele não conseguia se focar em nada. Investiu assim na visão, procurou Mia com o olhar, e avistou seu corpo estirado do lado de fora, encardido pelas cinzas, e Kaleb gritava com desespero:

– Ela não está acordando!

+++

Com as costas curvadas e as batidas incessantes do pé inquieto, Lucky Berbatov observava apreensivamente a pálida pele da princesa nortenha, ainda jazia inconsciente sobre a mesa de madeira. Na casa do curandeiro, Swamali contava com a ajuda de Myesha para todos seus pedidos. O ladrão ignorava o que era maior parte daqueles procedimentos, mas o que sabia era que Mia não respondia a nenhum. Respirava, mas tão baixo que por vezes era impossível de escutar. Seus batimentos quase inexistentes. E imóvel como uma estatua sobre a mesa. Estava há tanto tempo naquela posição que por vezes lembrava um cadáver, e ligeiramente espantava aqueles malditos pensamentos que surgiam sem seu consentimento e somente perturbava a situação.

– Lucky, tente pensar bem, nada pareceu estar errado com Eklissi? – Myesha insistiu.

Ele revirou os olhos e esfregou os dedos no couro cabeludo.

– Já disse mil vezes – arfou, exausto. – Bebemos, saímos do tumulto e continuamos a festa no quarto dela.

– Acredito que foi aí que as coisas começaram a dar errado – com um humor azedo, Swamali riu baixinho. Antes que o arqueiro reagisse com violência, Myesha controlou a situação, autoritariamente.

– Swamali mantenha o foco nela e eu faço as perguntas e os comentários para ele.

– Para fazer meu trabalho preciso de paz! E silêncio!

– Há algo mais que você acha que poderia ajudar? – A filha da Lua direcionou a pergunta para o ladrão que não teve nenhuma resposta. – Sinto muito, mas precisarei pedir para que você espere do lado de fora.

– O que farão? – ele tentou manter a voz limpa.

– Tentaremos acordá-la entrando na mente dela, através de magia. E se alguém que não esteja implicado no feitiço estiver na sala, poderemos errar nosso foco – o arqueiro manteve-se imóvel sem saber o que mais poderia dizer, mas não queria ir. – Sei que está preocupado, mas não há nada mais que você possa fazer, Berbatov.

O arqueiro acenou com a cabeça e colocou-se esforçadamente sobre as pernas.

– Estarei esperando do lado de fora – assim, arrastou-se para o exterior da casa, e no andar superior, encontrou Kaleb. Se contentou em fazer um sinal com a cabeça para o filho do sol, mostrando que não havia nenhum avanço.

– Ela ficará bem – Kaleb afirmou. – Sinto isso.

A resposta do ladrão foi o silêncio. Tantas coisas atormentavam seus pensamentos que preferia nada dizer. Seguiu para a parede e encostou suas costas, dolorido.

– Myesha tratou de você?

Lucky acenou negativamente. E como resposta, Kaleb franziu o cenho.

– E como ainda está de pé? Eu o vi sair daquele forno, como não ficou queimado?

– Tive sorte – ele deu de ombros, mas o filho do sol não se deu por convencido.

– Eu vi suas vestes, elas se queimaram. Como pôde não ter sido queimado?

– Acrescente na longa lista de porquês de hoje – ele bufou, impaciente.

– Está escondendo algo, Lucky? Você e Mia fizeram algo que não deveriam e terminamos nessa situação?

– Sim, bebemos, fodemos e provavelmente acordamos a santa virgem que foi Ceres – replicou, acidamente.

– Então por que você está com esse ar culpado?

– Porque eu somente acordei quando o quarto estava em chamas e ela já estava possuída! Porque todos me perguntam mil vezes o que aconteceu e eu simplesmente não sou capaz de explicar porque não estava consciente para ajudá-la. Bebi demais e após fodermos, eu apaguei. E se não fosse por essa resistência ao calor que eu nem mesmo sei explicar, Mia e eu teríamos morrido. Eu teria a perdido! – Lucky arfou gravemente, irritado e conturbado com a ideia. – Ou talvez já tenha e ainda não sei, porque ela não acorda. E se acordar quem sabe se não será a maldita sacerdotisa! Estava ao lado dela, e não pude evitar isso! Então sim Kaleb, estou com ar culpado!

– Atenção como você se refere à Ceres – ele advertiu involuntariamente, e depois pensou sobre seu discurso. – Sinto muito pelo que aconteceu, deveria agradecer por ao menos conseguir retirá-la de lá.

O ladrão empurrou a bochecha com a língua.

– Faria bem de banhar-se, tirar as cinzas do corpo, e comer algo. Respirar ar fresco.

– Não. Eu não sairei daqui.

– Então me diga algo que posso lhe trazer aqui.

– Não quero nada – apesar da resposta, ele decidiu partir, assim Lucky acrescentou: – Kaleb, talvez um caneco de cerveja.

Uma vez que estava sozinho, Berbatov andou impacientemente de um lado ao outro. As palavras da desconhecida mulher de Mareen vieram a sua mente, arruinaria o que era mais precioso com suas próprias mãos.

Nunca fora supersticioso, entretanto não conseguia ignorar o que acontecera. Uma vez que pensara na estupida ideia de ser alguém além de um ladrão alcoólatra, um líder ao lado de Mia, a reencarnação de uma lendária sacerdotisa, na mesma noite foi incapaz de impedir o que lhe acontecera e agora todos se preocupavam silenciosamente com que aconteceria com Eklissi.

Arfou, irritado por aquela imbecilidade. Deveria fazer o que era certo pela primeira vez. Quando Mia acordasse, se acordasse sendo ela, Berbatov seria sincero. Não era um líder. Nunca fora. Não sabia lidar com pressão ou responsabilidade. A queda de Sharwood era a prova disso.

Não era o homem certo para estar ao seu lado antes e nem agora.

Suas aflições foram distraídas pela súbita chegada do filho da lua. Jacob andava como um furacão distraído e não notou a presença do ladrão, mas quando o avistou, empalideceu-se.

– Você está vivo!

– Para seu desgosto – Berbatov retribuiu, arqueando as sobrancelhas.

Jacob balançou a cabeça, atordoado.

– Acabei de acordar e me alertaram do ocorrido, mas não acreditei que o veria tão cedo em pé e em boa forma, não depois do que ouvi falar.

– Escapei por um triz – o ladrão respondeu, arisco.

– Como ela está?

– Inconsciente. Mas ninguém pode vê-la, estão tentando acordá-la entrando na sua mente. Onde está a mãe dela? Lydia também detém poderes de fogo e poderia explicar o que está acontecendo.

– Certamente não quis aparecer porque saberia que eu estaria aqui, vendo minha neta. Nem o tempo apagou o rancor de minha filha... Mas, isso não é o principal foco, Mia é. Minha neta disse que desde a morte de Cirelli, ela perdeu o véu que separava seu acesso aos poderes da sacerdotisa.

– Isso já foi há muito tempo vovô. Não é a primeira vez que enfrento a fúria de Ceres, mas para que Mia utilizasse esse poder, foi somente porque ela estava sendo dominada por sua raiva e sua tristeza...

– O Baile de Sangue – ele nomeou. – Ela me contou.

– Eu posso garantir que quando Mia adormeceu, ela estava feliz e sã!

– Talvez a felicidade em excesso também lhe deixe num estado perigoso – ele sugeriu. – Cirelli sempre dizia e repetia: praticar magia é atravessar um riacho de sentimentos, aquele que for mais forte, será a correnteza que irá te derrubar. Mia acaba de ter tudo que deseja, tudo que vem procurando. E se me permite dizer, aparentemente vocês nunca se entenderam e depois de ver o que você aceitou ontem, isso pode ter a surpreendido de muitas formas, afinal ela nunca esperou nada de você.

Berbatov segurou o sorriso sardônico nos lábios, empurrando a língua com a bochecha.

– Quer dizer que Ceres despertou por que pela primeira vez eu não decepcionei Mia?

Jacob sorriu.

–Quis dizer que Mia está beirando muitas emoções num curto espaço de tempo, e surpreendentemente, ela vê que não está sozinha. Raiva e tristeza são sentimentos poderosos, mas não podemos negligenciar espíritos felizes, afinal são eles que baixam nossa guarda.

– Acha que ela acordará sendo... Mia?

– Creio que isso apenas foi uma maneira dócil de Ceres nos fazer lembrar que ela não deve ser esquecida.

Desconfiado, o ladrão ajeitou o peso nas pernas enquanto observava o avô da princesa procurar um local para confortar-se durante a espera.

– Por que me escolheu para acompanhar sua neta como líder dos Kadawgis?

– Já está se sentindo inapto tão cedo? – Jacob replicou com troça, retirando do bolso, um pequeno odre.

– Não me conhece, não me viu lutar, não sabe do que sou capaz. Se confia neste ponto em histórias alheias para achar que deveria ser vosso líder, acredito que você seja estupido.

– Você estava na ilha, sobreviveu a ilha. Isso não é para qualquer um.

– Tal como você.

– O Casal Comandante deve ser formado por duas pessoas que partilham um laço de amor, seja qual for ele, e que tenham a confiança dos povos que irão guiar. Eu sou o líder do povo da ilha, mas não tenho nenhuma honra sobre os Kadawgis. Mia parece ter uma grande voz sobre os filhos da lua e o povo da ilha e o povo de Mareen, mas ainda sinto uma desconfiança sobre os filhos do sol. Eles são sempre mais problemáticos. Mas, ironicamente, não vejo isso sobre você. Conquistou a confiança deles. A própria Caliana o tornou um filho do sol. Não sei se você a conhece, mas não é fácil arrancar os seus próprios testículos do que impressioná-la.

– Estou começando achar que não se finge de estúpido, mas que está caduco – o arqueiro rezingou.

O homem após tragar o odre, lhe ofereceu o conteúdo. Lucky pôde sentir o cheiro do álcool há distância. E mesmo que fosse cedo, ele aceitou.

– Sei o que é isso, jovem. Enfrentar o mundo com pedras na mão. Achar que com agressividade e a violência podemos resolver tudo. Afastar as pessoas e ignorar os sentimentos. Gostar de testar seus limites – Jacob tornou a encher a boca com a bebida. – Reconheço esse espírito belicoso, me vejo muito em você, mas ao contrario de você, poucas pessoas me deram a chance de mostrar meu potencial.

– Me fazer de prisioneiro, me chantagear e me fazer de escravo não é certamente dar uma chance.

– Mas, a chance que lhe oferecem agora é a minha. Ser líder de verdadeiros guerreiros, ao lado da mulher que ama. Qualquer um pegaria essa oportunidade sem hesitar, mas não você, porque sabe o gosto da liberdade, conhece o peso fatal da responsabilidade. E agora está na hora de escolher, de verdade o que você quer, para seu bem e para o dela e de seu povo, Berbatov.

Jacob finalizou seu breve discurso deixando o peso da decisão sobre as costas do ladrão e se direcionou para a saída. Rangendo os dentes pelo estresse, notou um barulhento movimento vindo do exterior. Esgueirou-se para lá e se deparou inesperadamente com uma multidão que se formava na porta do curandeiro. Boquiaberto, levou alguns instantes para perceber que aquelas inúmeras pessoas com grandes cestos de sisal nas mãos, estavam esperando por notícias de Eklissi.

Uma velha enrugada, com uma pintura facial que a caracterizava como filha do sol, se aproximou e lhe estendeu um grande cesto preenchido com frutos e legumes, junto de um amuleto do sol.

– Com muita honra ofereço isso ao Casal Comandante. É tudo que tenho, irmão do Sol.

Ela empurrou as oferendas para seus braços, porém Lucky estranhando seu gesto generoso, devolveu-lhe o cesto sem a mesma simpatia.

– Faria melhor de comer sua própria comida. Eklissi está inconsciente, não esfomeada.

A velha pestanejou, e apesar da confusão, terminou por deixar a oferenda sobre a terra e retornar para onde se encontrava o resto da multidão. E as pessoas que estavam atrás, fizeram o mesmo, deixando aos pés do arqueiro seus presentes, carnes, frutos, legumes, peles, armas, amuletos e pedras preciosas.

– Faria melhor de aceitar, ladrão – Caliana, surgindo detrás dele, sugeriu. – É um gesto de suma importância.

– Eles estão oferecendo tudo que tem para uma pessoa que nem sabem se viverá – ele comentou acidamente, avistando uma garrafa de vinho fechada entre os presentes. Tomou-a para si, e abriu com rudez, tragando seu conteúdo.

– Oferecemos o que acreditamos ser de valor, porque o material não se compara com gratidão de ter aquele que prezamos em bom estado. Mia salvou a vida dessas pessoas, agora elas querem lhe retribuir. Terá que se acostumar com nossa cultura se será nosso líder.

Paralisado, enquanto o álcool preenchia seu estômago vazio, ele engoliu em seco e confessou:

– Era justamente sobre isso que gostaria de falar – avistando sua inexpressividade, ele completou: – É do seu interesse.

A guerreira lhe deu as costas, mas lhe indicou com o olhar para ele segui-la.

– O que quer?

– Quando Mia acordar, eu lhe direi a verdade. E não sei exatamente como ela reagirá. Por isso preciso saber, se não estiver mais aqui, você estará lá por ela?

– Do que está falando, ladrão?

– Do único maldito assunto que todos falam nesse momento, do casal comandante! – Ele explodiu. – Num dia estava bem com Mia, e no outro me entregaram esse título ridículo.

– Ah, então preferiria andar sob rédeas pelo que vejo. Viver na sombra de Eklissi pelo resto da vida – Caliana retorquiu com escárnio, provocando-o.

Lucky empurrou sua bochecha com a língua.

– Se faço isso é para o bem dela, e o de vocês

– Certamente não o vejo como um líder. Mas, não imaginava-o como um covarde. E ainda sou obrigada a escutá-lo cacarejar seus medos, Berbatov? Receio de já estar arrependida de tê-lo feito um filho do sol.

Ele abeirou-se dela com ferocidade.

– Eu já pertenci a essa vida, Caliana. E adivinhe? Estraguei tudo. Não sou líder. Nunca soube se preocupar com nada além de mim e terminei por deixar todos que conheci caírem. Já vi essa história uma vez e não pretendo revê-la. Há coisas que nunca mudam. Pessoas nunca mudam. Então preciso saber: estará lá para o que ela precisar? – A filha do sol lhe estudou sem nada dizer. – Porque eu não confio no avô dela, mas algo me faz confiar em você.

– A filha do eclipse provou-me que é digna de ser quem é. E como filha do sol, eu a servirei até meu último por do sol.

– Ótimo – ele balançou a cabeça, pensativo, e dirigiu-se até a saída.

– Os erros do passado não nos definem, ladrão – ela pronunciou em voz alta, fazendo Lucky estarrecer o passo. – Outrora, eu tinha certeza que mataria Eklissi, e hoje eu digo que darei minha vida por ela se for preciso. Pessoas mudam.

Ele umedeceu os lábios, e arqueou as sobrancelhas.

– Não todas.

E silenciosamente, Berbatov saiu de sua casa.

+++

Quando Lydia atravessou a porta e adentrou sua casa, deixou um estridente grito fugir dos lábios, enquanto balançava a cascata de caracóis negros na cabeça. Os olhos ariscos esverdeados fitaram com raiva o ladrão que estava audaciosamente sentado no seu sofá.

– O que faz aqui?!

– Em vista que Mia não recebeu nenhum bilhetinho da mamãe lhe desejando melhoras, vim verificar o que tinha ocorrido para sua querida mãe tão afetiva não ter tentado nem mesmo saber se ela estava viva – Lucky replicou, com um belo sorriso de desgosto nos lábios, limpando a sujeira debaixo da unha.

– Isso não lhe diz respeito e agora exijo que saia dos meus aposentos!

– Ora sogrinha, não irá nem mesmo oferecer um chá para seu genro predileto? Posso não ter os cachos dourados como o sol como príncipe, mas sempre fui o mais divertido e charmoso – troçou, pondo-se de pé e cruzando os braços.

– A única coisa que lhe oferecerei é a porta da rua!

– Já que hospitalidade não é uma da suas qualidades, não que isso me surpreenda, iremos diretamente ao assunto. Jacob kan Una estava há pouco tempo me contando o que está de errado com Mia. Todavia o que vem de sua boca não me parece ter valor, afinal até onde eu sei, a linhagem de Ceres vem do lado de sua mãe, aquela de quem herdou os poderes de fogo. Acho que você seria a pessoa mais indicada, mas não me lembro de vê-la fazendo tocaia diante a casa do curandeiro para fazer isso.

Lydia revirou o olhar, procurando desviar seu foco para a estande de livros empoeirados.

– Não sei o que há de errado com ela.

– Talvez pudesse descobrir se fosse lá e examinasse-a. É uma filha da lua, tal como o babuíno velho e Myesha.

– Da noite para o dia, o número de bocas para alimentar quadruplicou! – ela respondeu secamente. – Então estou demasiadamente ocupada para dar explicações.

– Sua filha foi subitamente possuída por uma sacerdotisa lendária, na qual você conhece os poderes, e em nenhum momento você se preocupa com isso?

– Como eu disse, eu não sei de nada. E se soubesse mais que Swamalli, eu seria a curandeira desse vilarejo. O que não é o caso!

Berbatov respirou fundo e procurou manter a calma, para chegar onde precisava deveria ser paciente. Por isso tentou recomeçar.

– Eu não gosto de seu pai. E já soube de diversas formas que não sou o único a partilhar desse sentimento. Mas, o que me deixa curioso é ver que você, que o conhece perfeitamente, não é capaz de alertar a filha que seu avô não vale nada.

– E como tem tanta certeza disso?

– Eu não presto, então simultaneamente sei reconhecer alguém que não presta.

No mesmo instante, a filha da lua pareceu censurar-se por um mero segundo ter poupado seu veneno.

– Suponho que para você não suportar ficar no mesmo âmbito que seu pai, mesmo depois de ter acreditado durante vinte de anos que estava morto, o que aconteceu entre vocês foi grave. E seja o que for, está deixando ele ser aquele quem será o ouvinte e o conselheiro dela, ao invés de você, que é a mãe.

– Amélia é bem grandinha e não precisa que alguém lhe dê a mão e diga com quem ela deveria ou não andar.

– Então você deixará ela cometer os mesmos erros que você, ouvindo seu pai.

– Acha mesmo que ela simplesmente escutará tudo que tenho a dizer sobre esse homem e acreditará em mim?! Mia não cresceu comigo, não me vê como mãe. Será a minha palavra contra a dele e acredite, Jacob tem carisma para que sua palavra sempre prevaleça. São com os erros que nós aprendemos, não com avisos ou conselhos, Lucky Berbatov. Agora saia da minha casa, e a próxima vez que estiver se achando em posição de concertar alguma coisa, comece pensando como será um líder quando não sabe cuidar nem si e nem de sua amada!

– Eu não sei quais são suas cicatrizes, mas sua filha não teve culpa alguma delas. Mia não pediu para ser quem é, sofrer o que sofreu. E ainda assim, é uma mulher extraordinária. Ela merecia uma mãe, e não isso – ele deixou seus olhos lhe secarem de cima abaixo. – Faria mesmo melhor de manter distancia, ela já tem decepções demais por uma vida.

– Saia daqui antes que eu termine o que ela não foi capaz de fazer. Saia! – Lydia vociferou com os olhos ardentes em raiva e decorado por lágrimas.

II

Debaixo dos grandiosos lustres onde as chamas das velas bruxuleavam, Freya Novak organizava numerosos livros empoeirados que os estudantes mais preguiçosos deixavam espelhados no crepúsculo. Acreditavam que era a função dela fazer aquilo e por vezes pareciam deixá-los propositalmente. Afinal gostavam de mostrar seu desdém pela bibliotecária irresponsável. Mesmo que estivesse irritada, ela recolhia os exemplares e os empilhava, e para distrair seu estresse, cantarolava baixinho antigas cantigas que aprendera com sua mãe.

O som afinado de sua voz não deixou de ouvir os passos soarem pelos corredores vazios da grande biblioteca da Escola de Feiticeiros. Franzindo o cenho, cessou a cantiga e perguntou quem estava ali. Nenhuma resposta obteve. Estava certa de ter ouvido passos, entretanto também tinha certeza de que fechara a porta com chave. Espiou entre alguns corredores e após convencer-se de que era sua mente brincando com si, tornou a beirar uma das mesas e avistou um papiro enrolado que não lembrava-se de tê-lo visto antes.

A feiticeira o desenrolou e ao ler seu conteúdo, sentiu seu coração quase pular pela boca. Era uma carta anônima que exigia um encontro a meia noite longe do Jardim Prateado, que ficava ao norte, indicava que seria no sul, num cemitério ao lado de um parque. Normalmente, Freya teria ignorado uma carta como aquela, mas compreendeu sua gravidade no momento que a tocou e percebeu que não estava no idioma comum.

Arfou, inquieta, rapidamente escondendo a carta no seu vestido. Não tinha o direito de sair naquele horário, não deveria levantar mais suspeitas, mas não tinha outra escolher senão ir.

E assim o fez, as dez da noite saía do Jardim Prateado e seguia para o Mercado Central. Angustiada, não parava de matutar o que ou quem lhe esperava no cemitério. Por não estar acostumada com a zona sul da cidade, tivera de analisar repetidamente o mapa antes de sair da escola. Não deveria aparentar estar perdida, aquilo atrairia atenções indesejadas. Atravessou o mercado as onze, por mais que as ruas estivessem livres de consumidores, os comerciantes organizavam de maneira badernada o local para que no alvorecer tudo estivesse em ordem para mais um dia de negociações.

Tivera de se esforçar na hora seguinte para lembrar-se do caminho memorizado até seu destino, mas foi obrigada a rever o mapa. Desceu três vielas, encontrando o parque da Roda, e mais abaixo, encontrava-se o ponto de encontro. Uma incomoda bruma contornava o local.

A feiticeira estava arrepiada, e sabia que não era por causa da noite fria de primavera, seguiu desconfiadamente para a entrada do local abandonado aos corvos e aos ratos naquela hora. Andou silenciosamente sobre a terra úmida varrendo todo canto com os olhos. Tinha estado ali, alguns anos mais cedo, e sabia que as famílias mais ricas de comerciantes tinham aberto uma bela cripta no local, e por instinto, Freya para lá seguiu.

Ao vislumbrar o único edifício do local, notou um homem impaciente que rodava em círculos na entrada. Receosa, Freya arriscou-se uma aproximação e antes que dissesse qualquer coisa, o velho corcunda, vestindo uma bata vermelha ofuscada pela noite, mas com um brilhante medalha dourada, lhe indicou:

– Freya Novak? Ele a espera lá embaixo.

O orador lhe abriu a porta da cripta e apontou a passagem. A feiticeira engoliu seu medo e prosseguiu, descendo as frias escadas de mármore. No piso inferior, encontrou o autor da carta anônima observando atentivamente um dos túmulos polidos.

– Suponho que você seja Freya – ele pronunciou, sem fitá-la. Parecia demasiado concentrado na estrutura do túmulo que observava.

– Quem é você e como me encontrou?

– Sou como você, Freya kan Una.

– Nós não devemos desvendar os espiões – a feiticeira rosnou, pasmada.

Finalmente o homem arqueou seu semblante e andou em sua direção, exalando uma frieza incomoda.

– Sei disso, mas você interferiu em meus planos, e isso me obrigou a tomar medidas drásticas.

– Mostre sua marca.

O homem abriu seu ordenado gibão, mostrando a discreta marca da lua exposta nas costas.

– Sou Aspen kan Una, o espião do Norte.

Freya momentaneamente estarreceu com a revelação.

– Você foi a responsável pela prisão de Emily Winston, a conselheira do rei de Skyblower.

A filha da lua abaixou o olhar, envergonhada, aquiesceu.

– Ela descobriu seu disfarce? – Aspen quis saber.

– Não. Mas, ela foi responsável por um roubo que arruinou minha ascensão de posição na Escola dos Feiticeiros. Eu estava prestes a ganhar reconhecimento por meu trabalho e meu talento. O roubo desse livro reverteu tudo. Não tinha em mente que ela terminaria por ser presa, delatei-a na intenção de retomar o prestigio que eu perdi, me obrigando a ser somente uma bibliotecária, e se pretendo cumprir meu dever com os Kadawgis, não poderia continuar sendo apenas isso.

– Guerra exige sacrifícios – ele completou. E ela repetiu o bordão dos Kadawgis, mas com o olhar desconfiado, esperando que o homem indicasse o queria. – Acontece que a prisão da bruxa que foi a guardiã da filha do eclipse não a agradou. Eklissi exige sua liberdade.

– E desde quando Eklissi comunica seus gostos e desgostos pelas cartas? – A filha da lua questionou, um tanto cética. – E por que eu mesma não recebi essas instruções?

– Porque eu era o mais próximo da guardiã da filha do eclipse, e tive de explicar para minha tia, líder dos filhos do sol, e porta-voz de Eklissi, como a deixei ser presa. E como lhe digo, isso não lhe agradou.

– Como eu disse, sou apenas uma bibliotecária, e não tenho condições de tirar Winston da prisão sem ser pega.

– Eu já cuidei de tudo – ele garantiu, ainda livre de expressões. – Amanhã acontecerá um roubo na Escola dos Feiticeiros.

– Quem serão os malucos que tentarão roubar a Escola?

Aspen ignorou sua pergunta, de forma calculista.

– Será sua oportunidade para encontrar Yale Kolins, um dos seguranças que estará substituindo um guarda nesse turno, ele lhe passará a chave e vocês terão exatamente uma hora para deixar a cidade.

– Serei banida e caçada da Escola dos Feiticeiros se fizer isso!

– Deveria ter nos consultado antes de se precipitar nas suas decisões, Freya!

– O que farei em seguida?

– Estará por conta própria até encontrar algum posição do nosso interesse para ingressar.

Ela ficou estarrecida, e Aspen seguiu para a saída, ordenando que ela estivesse preparada para agir no alvorecer.

+++

Emily Winston estava atirada sobre a pedra fria e úmida do chão, observando com olhos turvos a ratazana que devorava os restos de sua comida. Tinha sido sua única companheira em muitos dias. Dias longos que lhe fizeram perder a conta. A fragilidade tinha abatido seu corpo, afinal não sentia vontade de se alimentar, e a fraqueza dominava. Estar tantos dias na escuridão, abandonada para a solidão, fizera a bruxa se perder nos mais profundos pensamentos, onde poderia refugiar sua cabeça.

Gostava de imaginar como teria sido sua vida se nunca tivesse perdido seu filho. Talvez, uma vez que o tivesse, nunca mais tornaria temer a aterrorizante solidão que lhe perseguiu durante tantos anos. Provavelmente viveria afastada em alguma colina com ele, estudando magia e desfrutando da bela vida de ser mãe. Certamente teria sido uma vida mais feliz que aquela.

– Psssi... Psssi...

A bruxa analisou cela, perguntando-se de onde vinha aquele irritante barulho, até vislumbrar olhos claros e brilhantes surgindo no buraco da porta, e subitamente a fechadura cantou e a porta abriu. A feiticeira Freya adentrou o local. Chocada, Emily tentou colocar-se em pé, mas devido sua fragilidade, apenas perdeu o equilíbrio pelo brusco movimento, ficando de joelhos.

– Freya?

A feiticeira lhe fez um sinal de silêncio, ajudando-a se levantar.

– Como você chegou aqui? – A bruxa perguntou boquiaberta.

Freya lhe atirou um sorriso malicioso, balançando um molho de chaves na mão.

– Roubando isso.

– Você perdeu a cabeça?! – Emily quase berrou, tendo a boca tapada pela feiticeira. – Você me mandou para essa prisão por ter roubado um livro.

– Um roubo de um poderoso livro de feitiços que arruinou minha vida. E agora vou tirá-la daqui com um outro roubo. Irônica a vida, não?

– Você é maluca?!

– Pare de gritar! – Ela sussurrou furiosa.

– Eles vão encontrá-la antes que coloquemos nossos pés fora dessa sala!

– Não porque eles estarão ocupados demais com um roubo ainda maior na Escola. Eu devolverei as chaves. Não notarão nem mesmo seu sumiço. Quanto a nós duas, sairemos daqui pelas passagens secretas.

– Eu não quero ser uma fugitiva!

– Então prefere ser uma prisioneira, senhorita Winston?!

– Posso ter roubado, mas ainda tenho dignidade.

Emily lhe deu as costas e sentou-se sobre o colchão de palha sobre o chão.

– Você não pode estar sendo séria, senhorita Winston.

A bruxa a ignorou.

– Vá embora antes que lhe peguem aqui.

– Emily! Você não pode continuar presa quando alguém vem salvar sua liberdade! Isso não tem sentindo.

– Eu apenas roubei esse livro para poder encontrar minha irmã que está presa no Sul, Freya. Nada mais! Pretendia devolvê-lo e antes que eu pudesse fazê-lo, fui presa. Humilhei o Norte, decepcionei meu rei e minha irmã. Não há mais nada lá fora para mim. Então o mínimo que posso fazer é ao menos cumprir minha pena com dignidade. Agora vá embora.

A bruxa ouviu a mulher andar pela cela, até estarrecer o passo.

– Se eu ajudá-la a encontrar sua irmã, no sul, Emily?

Ela arregalou os olhos castanho-esverdeados, e fitou a feiticeira sobre o ombro.

– Por que faria isso?

– Porque me arrependo do que fiz com você. Não pretendia traí-la daquela maneira, e somente o fiz por ser demasiada ambiciosa. Abandonarei essa escola de qualquer jeito, e me infiltrar em Gardênia seria algo que eu particularmente gostaria de fazer.

Emily permaneceu quieta, confusa.

– Qual seu interesse em se infiltrar no sul?

– Derrubar aqueles canalhas – ela respondeu com um sorriso divertido.– E eu acho que juntas fizemos uma bela dupla a primeira vez. Talvez agora seriamos imbatíveis.

Freya se aproximou da bruxa e lhe estendeu a mão, levantando-a do chão.

– Se você me trair novamente...

– Eu não vou – Freya afirmou. – Eu prometo, Emily Winston.

Emily timidamente aquiesceu, e a feiticeira enrolou a capa de veludo que levava sobre elas e saíram dali como se nunca estivessem entrado.

III

Sob o brilhante sol de primavera, os lustrosos cabelos aloirados de Astrid Norwood brilhavam. A rainha caminhava alinhadamente sobre as rudes pedras da rua principal que levava para o mercado de Skyblower e simultaneamente era observada com afobação e admiração pela multidão que se amontoava a beira da rua somente para comtemplar a monarca estrangeira intitulada de rainha do Norte. Naquela tarde vestia um simples traje de mangas curtas e uma saia sem preenchimento variando tons entre o pastel e o branco, cores que encontrava com recorrência nos pequenos edifícios da cidade. A ocasião pedia algo singelo, passar a manhã num orfanato e oferecer um banquete as crianças ao almoço fora a melhor ideia que poderia ter.

Certamente aquela obra de caridade tinha intuitos políticos.

Sabendo a frágil posição que se encontrava em Skyblower tendo seu marido perdendo a sanidade e seu amante dominando o conselho de guerra, Astrid era cercada por homens e suas grandes cristas que fariam de tudo para derrubar um ao outro, e ela poderia cair em ambos lados. Consciente disso, a rainha deixara de lado sua posição social na corte para algo mais sólido: o amor de seu povo. Já o tinha, decerto, mas sabia que nutrindo-o durante tempos tão difíceis, não somente seria uma rainha amada como uma rainha inarredável.

Fora duro passar horas com aqueles órfãos que por mais não terem amor paterno ou materno, eram alegres e brincalhões. Centenas de crianças amáveis conquistaram seu coração de uma forma tão sincera que ela tivera de se controlar para não adotá-las. Afim de evitar tal loucura, e ainda assim, afagar o coração, a rainha prometeu ajudar o orfanato com tudo que fosse necessário, tornando através de um edital o Orfanato Real de Skyblower Protegido Pela Rainha Astrid.

Retornava para sua carruagem com espasmos de felicidade no seu coração, e seguiu para Skyblower sendo adorada pelos skyanos. Uma vez de retorno para Skyblower, fora recebida na porta de entrada do castelo por Lorde Alksen. Este sorriu com desgosto através da janela, abriu-lhe a porta, estendendo a mão de uma forma cortes para ela descer.

– Não me recordava de tê-lo contratado como meu cocheiro particular, Lorde Alksen. Lembrava-me de ter sido alguém mais em forma.

Izaak atirou um olhar de soslaio para o mundo que os cercava que retornava a vida graças a primavera.

– Aprecio que ao menos você esteja de bom humor, minha rainha. Afinal, não passara a manhã inteira ouvindo os histéricos gritos de Lorde Richmond quando este percebeu a quantia absurda que você retirou do banco sem avisá-lo.

Astrid evitava seu olhar. Não queria aquelas sobrancelhas caídas decorando os belos olhos, ou as covinhas lhe provocando.

– Se retiro esse dinheiro, é por uma causa nobre.

– É também por uma causa nobre que me ignora desde o retorno de seu marido, Vossa Majestade?

A rainha interrompeu a caminhada segurando um belo sorriso nos lábios.

– Como você mesmo me ensinou, meu caro Lorde, se a cidade de Skyblower corre o risco de ser invadida, o povo deve saber por quem lutar. E se boatos de incesto já perseguem a rainha, o que menos quero é ter o título de infiel.

Izaak abaixou o olhar, como se censurasse pela cobrança inusitada.

– Compreendo que está...

– Fazendo o que uma boa rainha faria – Astrid antecipou e os dois mantiveram o olhar perdido um no outro.

Uma parte dela desejava se unir com Izaak, acreditava que juntos seriam imbatíveis, mas era incapaz de confiar inteiramente na sua pessoa porque algo lhe dizia que o Lorde sempre deixaria prevalecer a ambição ao coração. E assim ela deveria fazer. Incerta do que o futuro lhe esperava, Astrid pretendia jogar em ambos lados. Controlar para que seu legado de rainha ao lado de seu rei não afundasse, e simultaneamente, não perdesse Lorde Alksen de suas vistas.

Antes que Astrid pudesse acrescentar qualquer outra coisa que parecesse menos fria, o irmão do Lorde, o Grande Sacerdote Aaron surgiu apressadamente.

– O rei exige a presença de vocês na sala de reuniões. Com urgência.

Astrid fitou Izaak quase incapaz de esconder seu receio. Elliot não tinha lhe avisado de nenhuma reunião, por que lhe pegaria de surpresa daquela maneira? Eles assentiram e a rainha foi a primeira a seguir ao encontro, deslizando como uma pena soprada pelo vento.

Ao chegar no salão, a rainha não avistou seu marido, mas vislumbrou um grande saco sobre a mesa. Um odor pútrido pregava no ar. Astrid abeirou-se da superfície e espiou o conteúdo, terminando por soltar involuntariamente um agudo grito e cair nos braços de Izaak que a apertou contra si.

– O que há ali? – Lorde Alksen quis saber, surpreso com sua atitude. Sabia que Astrid não era uma mulher de se assustar facilmente. Virando-a para longe do saco, mas espiando seu interior.

– A cabeça do intendente – ela choramingou, ainda sob o choque encontrar o membro decepado do corpo. A imagem dos olhos esbugalhados aterrorizados com a morte estava cravada na sua cabeça. Não estava psicologicamente preparada para ver aquilo.

– Eles estão contra mim – a voz de Elliot soprou como se fosse um fantasma, rapidamente sua mulher o viu de cócoras no chão do outro lado da sala. Estava pálido como o inverno e com os olhos avermelhados como sangue. Astrid desvencilhou-se dos braços de Izaak e seguiu para seu marido. – Meus próprios vassalos se rebelam contra mim.

– Quem fez isso?

– A Liga dos Arqueiros.

– Pelos deuses – ela soprou, horrorizada. – Por que cometeriam tal crueldade?

– Porque eles querem minha queda.

Uma quinta pessoa se apresentou na sala, e apesar da expressão desnorteada, a rainha reconheceu o líder da Liga dos Arqueiros. Zahari Christoff pareceu extremamente confuso em ver seu rei agachado no chão, com as mãos no couro aloirado, como estivesse se protegendo de um ataque. Ela se levantou, um tanto perdida, tentando tirar Elliot do chão também.

– Olhe para o saco, Christoff. Olhe para o maldito saco! – Elliot berrou, colocando-se em pé. – Olhe o que a ALDA me enviou! Você é responsável por isso!

Zahari visualizou a cabeça decepada dentro do tecido, e engoliu em seco.

– Com todo o respeito, estou há muito tempo fora de meu feudo, Vossa Majestade. Eu não teria como...

– Mas, você sabia exatamente onde Savannah estava indo quando ela escapou de seu exército! Você não tentou pará-la – o rei insistiu, alterado. – Assim como aqueles que desertaram!

– Meu rei, se me permite dizer, Lorde Christoff possuí seu exército de seus homens aqui, conosco – Lorde Alksen tomou a palavra. – O que nos faz concluir que apenas uma parte dos arqueiros estão se revoltando, então ainda podemos controlar essa situação.

– Eles são uma minoria, meu rei – Astrid também se manifestou para acalmar os nervos do marido. – Não são capazes de nos derrubar. Tenho certeza de que Lorde Christoff está disposto a reparar essa situação nos enviando o responsável por essa revolta.

– Ele partirá nesse crepúsculo escoltado por cavaleiros nortenhos, e eles trarão o líder dessa revolta.

Elliot tinha seus olhos fixados na cabeça sobre a mesa, e um ar preocupantemente paranoico lhe cercando. Como se o próprio mal suspirasse na sua orelha, ele decretou:

– Não. Isso não fará eles perceberem quem é o rei que deveriam respeitar. Se Zahari Christoff não foi capaz de evitar essa revolta, responderemos ela na mesma altura. Amanhã na alvorada, somente a cabeça do Lorde Christoff retornará a ALDA. Prendam ele!

Subitamente, o líder dos arqueiros foi imobilizado pelos guardas do rei.

– ELLIOT! – Astrid gritou, chocada.

– Vossa Majestade, ouça-me! Isso somente pode ser um estopim para uma revolta ainda maior! E esse não é nosso interesse quando estamos numa guerra continental! – Lorde Alksen insistiu sem cordialidade.

– Um vassalo por um intendente não tem o mesmo valor, meu rei – a rainha acompanhou.

– Ao mesmo aprenderão como devem respeitar Skyblower, e pensarão duas vezes antes me desafiar novamente. Zahari Christoff está condenado a morte! – Elliot garantiu, saindo da sala com os punhos cerrados, logo após Zahari ser arrastado para fora.

Astrid desprovida de ar, procurou o olhar de Lorde Alksen que ainda estava arfante e estarrecido pela atitude de seu rei.

– Ele está perdendo a sanidade e fará o Norte cair – Izaak jurou.

IV

A princesa Oksanna fitava com os olhos brilhantes a imagem da escultura da deusa Fertilitas, silenciosa e esbelta na penumbra da sala. A jovem já estava ali há algum tempo, mergulhada na mais profunda mudez, perdida no mais profundo pensamento concomitantemente vazio.

Não sabia o que deveria dizer e não sabia o que deveria pensar. Não sabia nem mesmo se sentia alguma coisa além de um irrefutável terror. Há tanto tempo não encontrava reconforto na sua fé que não sabia se era capaz de recuperá-lo. Desde a hedionda morte de Akin, Oksanna tinha desistido da vida. Fechou os olhos e lágrimas quentes escorreram sobre as ossudas bochechas, e involuntariamente, a princesa levou a mão para a barriga que começava a aparecer no corpo esquelético.

Após três meses, sua gravidez ainda permanecia um segredo a pedido de Earleen. Sem explicar o porquê, a governanta garantiu que era pela sua segurança.

– Talvez ele não me bata mais – ela murmurou quase sem voz. Sussurravam mesmo quando tinham certeza de estarem sozinhas. – Nassor precisa de um herdeiro. Ele já me questiona sobre isso.

– Confie em mim e faça o que digo. Será para seu bem.

E mesmo apavorada, Oksanna guardou aquele segredo, sem nem mesmo saber o porquê nem por quanto tempo. Earleen era sua única companhia, sua única confidente. E sentia que sem ela, não saberia o que deveria fazer. Quando estavam quase no terceiro mês, Nassor anunciou que se ausentaria sem revelar seu destino, nem seu retorno. Mas, foi quando Earleen agiu. Sumiu durante cinco luas, e garantiu que estaria de volta naquele dia, e que meia noite, a princesa imperativamente deveria encontrá-la na cripta.

Não sabia o que tramava, mas Oksanna estremecia de pavor. Fazer qualquer coisa que não implicasse os desejos de seu marido lhe causava constantes calafrios, estando ele por perto ou não.

– Fico feliz de vê-la por aqui, princesa Oksanna – a voz do Grande Sacerdote Talum surgiu. – Desde minha chegada nessa fortaleza, ouvi falar muito de sua fé, minha senhora.

Ela limpou discretamente as lágrimas das bochechas, acanhada. Era o novo Sacerdote que Nassor trouxera de algum pequeno vilarejo ocidental porque o último adoecera e sucumbira a morte subitamente.

– Mas, se não estiver sendo desrespeitoso, devo dizer que é a primeira vez que a vejo colocar os pés aqui fora de um Antém.

Oksanna limpou a garganta, e espiou discretamente o homem pelo canto do olho. Era o único sacerdote que lhe dava involuntários calafrios. Afinal seu semblante era marcado por uma repugnante deformação. A metade inteira do lado esquerdo do seu rosto era enrugada e esburacada, como se ali, sua vida tivesse sido sugada. Uma camada grossa de pele queimada desfigurava seu olho caído, desprovido de sobrancelha ou cílios, uma das narinas tornada apenas num buraco, e onde deveria ter lábios, era somente uma boca sem forma, eternamente aberta.

– Reconheço minha ausência... Estive enfraquecida devido a doença, então evitei esforços para vir até a Kapelle.

O Grande Sacerdote lhe fitou com um ar desconfiado por longos segundos, em seguida inclinou-se para acender uma vela com outra.

– Nós, meros humanos, temos tendências a abandonar aquilo que nos é mais precioso em duras situações. Porém são em tempos difíceis que devemos manter a chama de nossa fé acesa...

Oksanna fixou com olhos marejados a escultura de sua Deusa e balbuciou:

– Eu tentei. Todos os dias. Manter a minha fé e me conformar com a minha missão nessa terra. Mas, apenas não sou mais capaz de entendê-la.

– Os Deuses tem um plano para cada um de nós, minha senhora. Eles traçam nossas vidas nessa terra do início ao fim. Eles não erram, mas nós, sim. Interpretamos erroneamente suas vontades e sofremos por isso.

Ela limpou mais lágrimas que caíam sem cessar.

– Me perguntei por anos porque os Deuses me deixaram viver mesmo que todo meu corpo estivesse sido queimado. Porque eu não morri quando todos os sinais indicavam que eu deveria morrer. Sobrevivi, e me tornei uma aberração aos olhos do mundo. Isso me perseguiu durante toda minha vida, somente para que pudesse compreender mais tarde tudo que me aconteceu. Os Deuses traçaram minha missão, assim como traçaram a sua. A injustiça está nos olhos de quem vê. Cabe somente a você interpretá-la da maneira correta. Os Deuses traçam caminhos certos por linhas tortas.

Os sinos troaram anunciando que era meia noite. E acanhada como um animal encurralado, Oksanna despediu-se do sacerdote, seguindo para a cripta. Tivera de atravessar inúmeros corredores de calcários para poder alcançar a grande escada íngreme na qual não se via o fim para que acedesse ao ponto de encontro. Não sabia o que lhe esperava lá embaixo, mas seu coração estava ao ponto de explodir assustado pelo medo. Roubou um archote pendurado na parede e desceu.

Lá embaixo, a governanta a esperava apertando as mãos por ansiedade. As linhas de expressões que normalmente eram duras suavizaram ao vê-la. Era a primeira vez que estava naquele lugar incomodamente gélido e solitário. Via-se os ratos afugentando-se nas sombras e a poeira dançando pelo ar. Oksanna estava arrepiada.

– Por que estamos aqui, Earleen? – a princesa finalmente questionou, num sussurro.

– Está sozinha? Alguém sabe que está aqui?

Ela balançou a cabeça, aflita, ainda sem entender tanto alarde.

– Yara aproxime-se.

Oksanna vislumbrou uma segunda mulher sair detrás de uma coluna. Deveria ter por volta de trinta anos, e cabelos tão longos como ela nunca vira antes. Era uma bela mulher, se não estivesse judiada pela dura vida de Helsker.

– Quem é ela? – a princesa indagou.

– Uma bruxa.

O nome quase fizera Oksanna desmaiar. A vertigem fora tão forte que precisou cravar os pés no chão. Não sabia o que Earleen estava tramando, mas levaria as duas a uma hedionda morte. Por isso Oksanna cambaleou até as escadas e a governanta agarrou sua mão.

– Você precisa me ouvir. Sei que está com medo, mas isso é para seu bem!

Ela arfava. Nassor tinha lhe aprendido sentir um medo apavorante como nunca sentira em nenhum outro momento da vida. Nem mesmo no dia no qual quase morrera picada por uma cobra.

– Precisamos saber qual é o sexo dessa criança!

– Por que?

– Porque Nassor nunca aceitará que você tenha uma menina.

Sentiu a intensidade em suas palavras angustiadas, e Oksanna deixou que a mulher lhe puxasse da escada. Esta lhe explicou menos ansiedade o que tinha em mente. Yara era uma bruxa que saberia qual era o sexo da criança que estaria por vir.

– Se for um homem, você estará protegida – Earleen garantiu.

– Eu prometo que isso não doerá nada – Yara pela primeira vez falou com uma voz aguda e gentil.

Apesar de estar extremamente aflita, Oksanna aceitou. Foi deitada numa mesa onde os corpos eram limpos antes de serem sepultados. Estar estendida naquela superfície gélida lhe causou arrepios. Sentiu a temperatura de seu corpo baixar, era como se estivesse de fato morta. Viu as mulheres lhe cercarem, Yara pediu permissão para levantar seu vestido. Não se lembrava qual teria sido a último vez quando alguém teria lhe pedido permissão para tocar em seu corpo, e apenas afirmou com a cabeça.

Com as mãos frias, Yara levantou a barra de seda de seu vestido, na altura do peito. Molhou os dedos de sua mão numa tigela de água preparada por Earleen e molhou sua barriga, fechando os olhos e pedindo para Oksanna relaxar. A princesa tentava encontrar sua calmaria através da respiração que por sua vez estava afobada. Yara murmurou palavras incompreensíveis e respirou fundo enquanto os dedos ossudos dançavam por sua barriga. Subitamente a bruxa tivera um brusco espasmo e tornou a abrir os olhos alterados.

– O que é? – Earleen quis saber. – Diga!

– Uma menina...

Um silêncio mortal subiu na cripta, como se ali, a morte reinasse. Oksanna se recompôs com a notícia, sem saber se sentia-se feliz ou amedrontada. A governanta segurou a mão de Oksanna e a apertou com força.

– Eu sinto muito – ela murmurou com lágrimas nos olhos. – Devemos matar essa criança.

– O que? – a princesa arfou, cobrindo a barriga.

– Ele não aceitará ter uma menina!

– Então eu fugirei! Eu não sacrificarei minha filha! – Ela gritou com horror. Nunca mataria uma criança, pouco importasse as circunstâncias! Mesmo que custasse sua vida.

– Oksanna, me ouça, criança! Ele a encontrará, não importa onde você vá, Nassor sempre a encontrará. E ele matará vocês duas. Ele não descansará enquanto não o fizer.

– Eu não matarei meu filho, Earleen – Oksanna vociferou, alterada. Pulou da mesa e seguiu batendo os pés para a saída. – Eu sobreviverei com ela!

A governanta correu atrás dela e a puxou pela mão. A princesa foi arrastada até uma das tumbas da cripta, onde uma jovem mulher era retratada na estatua de gesso, inexpressiva. Como se tivesse visto sua morte chegar antes mesmo de acontecer.

– Aqui jaz Amara e sua filha, Zaila, juntas. Ambas assassinadas no dia do nascimento da primeira filha de Nassor. Ele as matou, enforcou sua mulher e somente os deuses sabem como matou Zaila. Tudo porque Amara deu a luz a uma menina.

Oksanna sentiu o ar escalar por sua garganta, e arranhar todo seu interior, até um choro agressivo surgir e uma tristeza dominar seus membros. Ela soluçou atordoada e desnorteada, levada sob o choque, Oksanna caiu sobre suas pernas.

– Por que ele faria tamanha crueldade? – choramingou pasmada, entre soluços.

– Porque ele sempre ficou na sombra da irmã mais velha, a primogênita de seus pais. Nunca compreendeu porque eles tinham mais afeto por Nara, e aquilo o assombrou durante todos os anos. Até um dia, Nara aparecer morta num jardim após ter se atirado de uma janela, deixando apenas uma carta de suicídio, quando todos sabiam que ela era a jovem mais radiante do feudo. Nassor não quer uma primogênita, e se você lhe der isso, acabará tendo o mesmo destino que Amara, Zaila, Nara ou Maymouna. Ele a matará Oksanna, e sua filha também. É por isso que devemos evitar que isso aconteça. Devemos desistir dessa criança e não lhe dar um destino mais cruel.

Fundida em lágrimas encorpadas, Oksanna balançou a cabeça em negativa. Colocou-se sobre as pernas bambas e tornou a sacudir a cabeça, sentia um incessável enjoo.

– Não sou capaz de fazer isso...

A princesa terminou por correr até as escadas e se afugentar no seu quarto, onde ela chorou quase a noite inteira. Não importasse o quanto pensasse sobre o assunto, Oksanna sentia-se simplesmente incapaz de erradicar com a vida de seu próprio filho. Ela deveria ter outra opção. Os deuses não estariam colocando uma criança no mundo para observá-la ser morta em seguida. Deveria de haver outra saída!

No amanhecer, a princesa ouviu o barulho da tranca da porta se abrir. Se Earleen estivesse ali para tentar convencê-la de sacrificar a criança novamente, ela seria mandada embora. Oksanna levantou-se furiosa da cama e estremeceu quando avistou seu marido surgir diante a si.

– Não mereço um beijo da minha mulher? – Lorde Diámat questionou, com um sorriso frio nos lábios.

Oksanna manteve estarrecida. Não esperava vê-lo de retorno tão cedo.

– Oksanna – ele chamou seu nome engrossando a voz, tal como faziam-se com os animais quando lhe davam ordens. – Seu marido não merece seu beijo?

A princesa engoliu em seco, e desceu da cama contra sua vontade. Estava enjoada. Arrastou-se sobre o chão até alcançá-lo e beijou seu gosto seus lábios.

– Não me perguntará por que retornei mais cedo?

– Nunca me dissera quando retornaria – ela terminou por sussurrar após segundos de silêncio. Estava receosa, sua presença era sinônimo de mal-estar.

– Porque eu sei o que você esconde.

A princesa empalideceu. Earleen teria lhe traído? Subitamente Oksanna tinha desaprendido a respirar.

– Sabe do que? – balbuciou.

– Que hoje é seu aniversário – Nassor revelou sua mão escondida até então e ali estava uma corrente de ouro. – Feliz aniversário, minha senhora Diámat.

Involuntariamente, ela fechou os olhos e suspirou de alívio. O senhor seguiu para trás dela e colocou a corrente em torno seu pescoço.

– Parece tensa, minha princesa – remarcou o lorde, meticulosamente.

– Apenas não me sinto bem – Oksanna confessou, sentindo seu estomago embrulhar. Quando menos esperava, tivera de correr para a casa de banho e vomitou num balde de madeira tudo que tinha na barriga. Levantou-se fatigada, limpando sua boca. Pelo reflexo viu a congelante expressão do Lorde Diámat. – Ontem foi servido lagosta no jantar– improvisou tremula –, e nunca me faz bem.

Ele se aproximou dela, com o cenho franzido. Ajudou-a levantar-se do chão.

– Sei de algo que fará – Nassor respondeu. – Organizei um espetáculo no gládio em seu nome.

+++

Nassor tinha garantido que Oksanna tivesse todo o conforto necessário, mas sua presença era o suficiente para acabar com todo o conforto do mundo. Eles estavam sob uma luminosa tenda, sendo abanados por servos enquanto os guerreiros se colocavam em seus lugares. Como Nassor estava de bom humor, segredou-lhe que os gladiadores não se matariam, porque sabia que a princesa não era "familiarizada" com a violência.

Viu os homens escolherem suas armas mortíferas, e se aproximarem do assento dos senhores feudais para honrar Oksanna no dia de seu aniversário. Eram os melhores homens de Helsker, segundo Nassor que estava infinitamente orgulhoso. A princesa apertava os braços da cadeira, rangendo os dentes, inquieta. Assistir aquele momento apenas lhe causara uma angustiante disforia, lembrando-a do pior dia de sua vida: a hedionda morte de Akin. Queria gritar, queria chorar, queria vomitar, mas aprendera que deveria sofrer em silêncio. A gentileza de Nassor era passageira como o inverno em Helsker, uma expressão, uma palavra ou um gesto poderiam modificar seu humor e então o monstro que vivia dentro de si acordava, furioso e insaciável por violência. Oksanna limpou as rápidas lágrimas que escorreram do rosto e apertou discretamente sua barriga. Deveria ser forte por elas duas.

Quando o "espetáculo" dera início, a princesa desfocava sua visão propositalmente para não ver homens entretendo o público com uma enjoativa violência. E não demorou muito para Earleen surgir trazendo chá gelado para servir sua senhora. A princesa ignorou sua presença, diferente do habitual que sentia-se aliviada com sua chegada. A governante serviu sua bebida fria e seguiu para ao lado de Oumou, sua aia. Sempre disponíveis para servi-los a qualquer ordem.

Oksanna não queria tomar o chá, demonstrando para a governanta sua magoa com ela por querer obrigá-la a tomar a pior decisão possível em relação sua filha, entretanto, o calor nas terras além do deserto mesmo na primavera era fatigante. E os enjoos que ela sentia constantemente talvez melhorariam se algo molhasse sua garganta. Tomou a decisão de mexer o líquido com um pouco de açúcar e levá-lo até a boca. Foi quando bruscamente Nassor tomou a xícara de suas mãos, e inalou o odor do chá de forma animalesca. Ele lhe lançou um olhar apavorante.

– Chá de Peamus – ele deduziu, soltando ar pelas narinas.

– O que há de errado?

– Não é uma planta da região. Por que lhe serviriam isso?

– Eu não sei – respondeu, afobada.

Os olhos furiosos caíram sobre Earleen, que não pôde esconder o pavor que cresceu no peito. Nassor que outrora tinha tanta atenção no seu espetáculo, ignorou todo o combate, levantando-se da cadeira com exasperação, seguindo para a governanta.

– Por que você serviria um chá desses para minha mulher? – Lorde Diámat questionou, friamente.

– Razão alguma, Lorde Diámat. Um vendedor de chá na cidade me garantiu que tinha um gosto excepcional.

Ele sorriu sadicamente, o coração de Oksanna pulsava tão forte que parecia pronto a perfurar a qualquer instante seu peito.

– É verdade, Earleen?

– Sim, meu Lorde. Juro pelos Deuses e por tudo que há de mais sagrado.

Nassor aquiesceu, atenuando os traços faciais e lhe dando as costas. Oksanna fechou os olhos, segurando seu suspiro de alívio, mas subitamente ouviu um agressivo baque. Quando tornou a abri-los, avistou sua esguia aia, Oumou, enlaçada nos braços de seu marido.

– Então nada acontecerá com essa mulher se ela tomar esse chá, correto, Earleen? – Nassor vociferou agressivamente apertando Oumou contra seu peito, a jovem era tão frágil que Oksanna por um momento acreditou que ela quebraria. Não somente ficou aterrorizada ao perceber que seu marido já tinha desvendado sua gravidez como estranhou que também tinha conhecimento de sua muda aia.

Ela o fitou com horror. Lorde Diámat estava pronto para sacrificar a vida daquela criança que provavelmente era sua somente para saber se a palavra de sua governanta era de confiança.

– Responda a minha pergunta governanta – ele exigiu, pronunciando cada sílaba.

Earleen fitou Oksanna e em seguida seu marido, deixando seus lábios se racharem num choro doloroso. Admitiu que era um chá abortivo. Oumou, por sua vez, exalava desespero. Era de cortar o coração ver seus olhos gritando por ajuda, algo que sua boca não era capaz de fazer.

Nassor, sem razão, virou o conteúdo na boca da aia e a obrigou engolir, mesmo que esta fosse relutante. E após fazê-lo atirou-a no chão. Após desferir um terrível golpe na face da governanta, fazendo-a quebrar um dente, exigiu que fosse presa. Foi arrastada dali com a sentença de que seria executada ao amanhecer.

Oksanna sob o choque, viu sua única companheira ser levada pelo breu do corredor, em lágrimas. Desesperada, a princesa fitou sua aia. Silenciosamente, Oumou berrou de dor, abraçando sua barriga lamentando pelo filho que não demorou a sujar seus trajes de seda velha num denso rubro. Sem misericórdia, Nassor exigiu que a tirassem dali também e tornou a sentar-se ao lado de sua mulher como se nada tivesse acontecido.

Inclinou-se para seu lado e sussurrou em seu ouvido.

– Se eu descobrir que você estava implicada nessa tentativa de assassinato do meu filho que cresce no seu ventre, você desejará nunca ter nascido, me entende bem?

A princesa Oksanna aquiesceu com a cabeça. Arfante, ela encolheu-se no banco, podia ouvir no fundo de seus pensamentos os gritos desesperados de todas as pessoas que sofreram ao lado do homem que se casara. Para o bem de Earleen, para o bem dela própria e para o bem da filha que ela colocaria no mundo, Oksanna compreendeu que deveria agir. Custasse o que custar.

V

De retorno para os aposentos do curandeiro, Lucky se deparou com a porta de metal no solo aberta. Desceu-a sem se anunciar, e no piso inferior, encontrou Myesha terminando de arrumar a bancada de ingredientes. Ele atirou o olhar para a mesa, onde a princesa permanecia inconsciente.

– Fizemos o que pudemos. Agora a luta é somente dela – a filha da lua respondeu o que Lucky lhe perguntaria, enquanto batia as mãos para deixar o pó cair. – Deixarei vocês à sós.

O ladrão observou a menina se retirar, e seguiu para perto de Mia, arrastando uma cadeira. Ali sentou-se e observou seu rosto pálido. Não pôde evitar relembrar-se do terrível semblante desumano que tinha enquanto controlava o fogo. Lucky tocou numa das maçãs de seu rosto, e prensou os lábios, incomodamente angustiado.

– Não sei se você pode me escutar – ele murmurou –, afinal já está há muito tempo nesse estado. Gostaria de saber o que está acontecendo aí. Se está numa terrível batalha contra Ceres, ou apenas sendo dorminhoca depois de ter se tornado uma tocha humana.

Depois de um longo suspiro, Berbatov alcançou uma de suas mãos estiradas ao longo do corpo e a apertou.

– Todavia me falaram que a luta é somente sua. Então, mesmo que pareça mentalmente perturbado por estar falando com alguém inconsciente, apenas queria dizer: por favor, lute com garra e acorde, Mia.

Os minutos se passaram tornando horas, a manhã se foi num piscar de olhos, e depois toda a tarde e a noite, logo um dia... Lucky tomou a decisão de permitir que as oferendas fossem feitas. Incontáveis pessoas entraram na pequena casa do curandeiro e encheram o local com diversos objetos que terminaram por ser empilhados. Faziam rezas, e iam embora. Por horas, a casa do curandeiro se tornou um local agitado, e por vezes morto. Os que visitavam repetidamente eram Jacob, Kaleb e Caliana. Mas somente o ladrão permaneceu intacto no seu assento, perdendo a noção do tempo lá fora.

Preenchia seus dias trocando ofensas com Swamali que ao perceber que não convenceria Lucky ir, terminou por encontrar abrigo na casa de Myesha após roubar grandes sacos de comida. Então somente sobrou a solidão. Enquanto beliscava as comidas excessivas que dominaram a sala, bebendo em excesso os vinhos oferecidos e as cervejas poderia sobreviver, mas somente se tivesse um céu estrelado sob a cabeça. Sabendo que para observar as estrelas, deveria subir, preferiu explorar os asquerosos e desconhecidos ingredientes da sala, um deles era certamente um dedo podre dentro de vinagre.

Quando ouviu um ruído curioso na sala, rapidamente seus olhos atentos caíram sobre Mia, mas esta permanecia imóvel. Concentrou-se na audição e seguiu o barulho até avistar dentro de um dos maiores cesto, grandes bochechas peludas preenchidas por amêndoas. Semicerrando os olhos, percebeu que era o mesmo maldito guaxinim que lhe seguia em Mareen.

– Céus me amaldiçoam, o que fiz para ter esse maldito rato me perseguindo! O que está fazendo aqui bola de pelo?! Roubando comida que não é sua! Não me lembro de terem me oferecido você como algo valioso.

Berbatov tentou alcançá-lo, mas o animal ligeiramente esgueirou-se entre as oferendas em dificuldade, enquanto o ladrão mal conseguia se manter em pé cercado por tanta tralha!

– Somente ficará aqui porque eu estou deixando, está me ouvindo?!

Através da máscara preta, o animal lhe observava ainda roendo seu alimento. O arqueiro tornou a bisbilhotar a sala e caiu sobre a estante de livros. Não se lembrava qual teria sido a última vez que pegara um livro para ler de espontânea vontade. Espiou a volta, não havia nada para fazer além de beber e tentar espantar o maldito guaxinim. Escolheu um livro aleatório e sentou-se para lê-lo.

Descobriu rapidamente que seu conteúdo não era devidamente interessante, mas falava sobre a língua kadawgi. Se perguntou se Mia teria o lido para compreender aquela esquisitice que costumava ouvir entre os locais. Folheando as páginas, alternou seu tempo entre a leitura e observar o animal que fazia uma verdadeira festa na casa. Espiou-o roubando biscoitos de um saco, e levar até o balde de água deixado pelo curandeiro. Ali, lavou seu alimento e devorou-o de uma só vez, fazendo involuntariamente o ladrão rir.

– Um rato que tem higiene, e um ladrão egoísta que querem que seja líder. Esse mundo é realmente uma maldita loucura – ele bufou com desgosto, enchendo a boca de cerveja. – Alguém já tentou lhe forçar ser algo que não é? Claro que não. Um rato não pode ser um maldito pássaro e um ladrão que se perdeu na vida não pode ser um maldito líder. É assim que a vida funciona.

E foram após dois longos sois e três luas de espera, angústia e um turbilhão de pensamentos aleatórios que Berbatov viu Mia Norwood despertar violentamente de seu coma, engolindo uma massa tão grande de ar que terminou por engasgar-se. Arfante, tentou levantar-se descontroladamente. Imediatamente, Lucky pôs-se ao lado da mesa e tentou segurá-la, esperando que pudesse acalmá-la. Viu seus olhos arregalarem-se e ela soluçar de medo.

– Mia, sou eu! Está tudo bem, está tudo bem – murmurou, apertando-a com os braços, sentindo um terrível alívio preencher seu peito. – Está tudo bem.

– Não... – ela soprou, aterrorizada. Desvencilhando-se desesperadamente dele. – Eu... Eu tentei matá-lo.

– Já vivemos algo bem parecido antes – Lucky tentou amenizar com humor. Ainda sob choque, Mia não reagiu, olhando para as mãos estiradas no ar.

– Desta vez foi real. Tentei matá-lo com minhas próprias mãos!

Lucky tirou sua atenção apertando-as e obrigando a princesa olhar em seus olhos.

– Você não o fez.

– Mas eu quis – ela murmurou, alterada, deixando seus olhos encherem-se com lágrimas. Arfante, completou: – Quis vê-lo queimar. Não tinha controle algum sobre mim...

– Ceres tentou controlá-la. Ela é responsável por isso.

A princesa prensou os olhos horrorizada, estava extremamente fria e trêmula. Vendo-a naquele estado, Berbatov inclinou-se sobre ela e a envolveu num longo abraço, inquieto. Ao sentir o calor de seu corpo, Mia pareceu encontrar conforto, assim como ele.

– Todos esses dias eu conheci o pior dos infernos. Fui aterrorizada pela ira de Ceres, seu ódio e sua raiva. E eu somente sobrevivi porque... o lado bondoso de Ceres me salvou.

– Assim como na ilha... – O ladrão abrangeu, e a princesa confirmou com a cabeça, sem conter sua inquietação. Observando que sua confusão apenas aumentava, ele tentou desviar o assunto perturbador, tirando uma pequena maçã do bolso e lhe oferecendo. – Ficou dois sois e três luas inconsciente. Deixou todos aflitos. Todas essas oferendas, são para você.

– Três luas? – Ela esforçou-se para sentar-se sobre a mesa, colocando a palma da mão sobre a testa suada devido ao nervosismo. Recusou a fruta. – Deuses... Quer dizer que fazem quatro luas desde a comemoração. Quatro luas que Jacob kan Una disse que deveríamos tornarmos o casal comandante...

– Acho que deveria descansar e se alimentar, depois discutiremos esse assunto.

Tell Me How To Feel- Maggie Eckford (Ruelle)

– Eu acho que já perdemos tempo demais, Berbatov.

Ele desviou o olhar, enquanto a princesa tinha olhos medidores. Um silêncio cortante surgiu.

– Aceitou a proposta porque foi levado pelo momento, porém tivera tempo de sobra para refletir o quanto estaria perdendo se fosse líder ao meu lado, não é mesmo? – Lucky arqueou os olhos amarelados, sentindo uma culpa escalar sua garganta. – Amor e política não andam juntos.

– De fato, não andam – ele suspirou.

Ouviu a respiração dela mais forte, mas viu seus traços enrijecerem-se. Mia não demonstraria sua decepção.

– Uma vez, em Amarílis, você me perguntou se alguma vez eu quis retornar a minha casa no sudoeste. E a resposta era não. Nunca quis retornar em Sharwood, porque decepcionei aquelas pessoas que me viram crescer na esperança que me tornasse o líder dos arqueiros. E diferente de você, ou Thor, eu nunca levei a sério minha posição ou meu povo. Fosse por meu egoísmo ou minha imaturidade... Não impedi a queda de Sharwood. E como estamos cansados de saber, me destruí nos anos seguintes...

Mia, empalidecida, o observava silenciosamente e atentivamente.

– Terminei por decepcionar tantas pessoas na minha vida que decidi viver sob as expectativas de ninguém. Seguir pelo mundo, roubando, bebendo e aproveitando minha liberdade de fazer o que bem entendesse. Foi a razão pela qual não quis ficar em Skyblower depois de nossa primeira viagem juntos. Porque sabia que nunca mais tornaria a pertencer de alguma coisa

Lucky fez uma breve pausa, respirando mais forte.

– No dia que você entrou em coma, eu estava esperando seu despertar para lhe dizer com sinceridade que não sou a pessoa que você deveria escolher para estar ao seu lado.

O arqueiro viu uma lágrima escorrer pelo rosto dela, porém a princesa manteve-se imóvel.

– Passei tanto tempo vivendo no escuro que quando alguém acendeu a luz, meu medo de ver me fez desejar que ela fosse apagada. Porém, percebi que não há outro lugar no mundo que gostaria de estar senão fosse com você, Mia Norwood.

Ela arfou, surpreendida, deixando mais lágrimas escorrem pela face. Não esperava aquele desfecho.

– Honestamente, eu não tenho ideia do que farei sendo um líder, até porque a cerveja nesse local já não é paga – ele troçou, arrancando seu doce riso. – Mas, tenho certeza que enquanto estiver ao seu lado, não cometerei os mesmos erros que cometi.

– Maldito, porque não começou por essa parte? – Mia resmungou, limpando as bochechas úmidas. Lucky riu.

Nah, e perder a oportunidade de assustá-la?

O arqueiro colocou-se sobre a mesa ao seu lado e apertou contra o peito. E apertando com um forte abraço, a princesa terminou por confessar, um tanto aflita:

– Eu não quero que você perca sua liberdade por mim, Berbatov. Não quero ser a responsável por sua infelicidade. Sei que sermos nomeados o Casal Comandante não é um casamento...

– Graças aos Deuses não, isso acho que não seria capaz de suportar. Casar com você? Nem se estivesse a beira da insanidade!

Ela respondeu sua troça com um esmurro seguido de um riso.

– Mas incluí responsabilidades, deveres e sacrifícios e isso pode... – Mia completou.

– Minha liberdade resume-se em cerveja paga, roubos planejados e bordeis com um sexo deplorável.

– Não finja que não gosta dessa vida – a princesa resmungou, fazendo-o rir.

– O que vale eu tê-la quando não poderei compartilhá-la com você, princesinha? As brigas de bares e os bordeis acabaram sendo estranhamente mais divertidos ao seu lado, e se você disser isso algum dia a Ari e Louis, negarei até a morte – ele arqueou a sobrancelha, a fitando por cima do ombro. Com um meio sorriso, Mia inclinou-se e o beijou, misturando desejo e paixão, mas rapidamente desvencilhou-se dele.

– Aquilo é um guaxinim? – ela apontou para o animal que os observava dentro de um cesto. – O mesmo de Mareen?

Ele aquiesceu.

– Alguém me lançou uma maldição para que esse rato me perseguisse. Roubou metade das coisas que lhe ofereceram. Somente consegui poupar o álcool.

A princesa gargalhou.

– Claro que poupou o álcool. Talvez ele apenas acredite que encontrou seu pai. Como chamaremos ele?

– Chamaremos? O que?

– Ele o adotou, Lucky. Deve nomeá-lo!

– O único nome que deveria ter é Meeko.

Ela arqueou as sobrancelhas.

– Significa...

– Eu sei o que significa. Ladrão em kadawgi. Como você sabe disso?

Berbatov fez uma expressão de altivez.

– Sou cheio de surpresas, Norwood.

+++

Quando o âmbar invadiu o manto enegrecido da madrugada, Lucky Berbatov vislumbrou o majestoso sol soerguer sobre o mar e trazer sua solene luz que entrou em harmonia com o luar que prevalecia na parte mais alta do céu. Seus olhos amarelados mantinham-se grudados sobre a bela imagem que se formava acima da terra, porque aquele que ali permanecia, começava lhe amedrontar.

No alto, o céu se dividia numa guerra de tons, e de onde o ladrão via, fazia-o lembrar um imenso leque. De um lado, o âmbar do sol se mostrava potente e intenso, erguia-se sobre o mar ofuscando tudo que tocava. As nuvens que ficavam acima, eram iluminadas por sua intensa luz, mas sombrias do lado oposto, onde um suave azul prevalecia escurecendo-se até um belo violeta. Ali, naquele manto, a lua crescente ainda descansava, menos brilhante, mas com uma incrível presença cercada por algumas estrelas. E todas as nuvens que vinham a seguir sucumbiam-se naquela explosão de tons, refletindo o violeta, o laranja e o amarelo. Não lembrava-se de ter visto um nascer do sol mais majestoso que aquele.

Procurava manter o controle da respiração, porque na terra era diferente. Seguia por um corredor feito de velas que bruxuleavam, e todos os olhares estavam fixados sobre ele. Compreendeu rapidamente que seu receio insistia porque muitos não lhe entregavam raiva, mas esperança, algo que ainda não era familiar para o ladrão. Os Kadawgis, o Povo Perdido e o povo de Mareen uniam-se naquela noite para assistir uma das celebrações mais sagradas do primeiro povo. A união do Casal Comandante.

O arqueiro não sabia descrever o que sentia naquele momento, mas odiava se sentir inseguro como um garotinho. Esforçava-se para não fazer careta, ou fazer algo estúpido sob tantos olhares. Não tinha direito de fazer uma piada, tentar suavizar as coisas com humor como de costume. E como pensou que Mia não gostaria, não tentou enfrentar aquela situação como sabia: sob ebriez. Deveria ser sério e enfrentar seus receios como uma pessoa comum, então seguiu em linha reta, com os olhos fixos no nascer do sol.

YAEL MEYER - THE HUNT

Entretanto, o caminho ainda parecia infinito, e quando a agonia começou a subir, Berbatov apertou o passo e subitamente, seu olhar alcançou no lado oposto onde a princesa Mia Norwood estava. Tinha seu rosto iluminado pela acentuada cor do sol, e era como sua pele brilhasse junto da lua crescente. Sob aquela magnifica luz, ele a viu sorrir radiante para ele, e estranhamente o arqueiro sentiu que todas suas inquietações se desvaneceram.

Contemplou-a se aproximar, pela primeira vez em muito tempo, via a princesa vestindo não negro, mas um suave branco. Era um traje diferente de todos que o ladrão já tinha visto, tapava sua anca, mas o resto era apenas uma delicada renda transparente mostrando perfeitamente a silhueta de seu belo corpo e as pinturas corporais que carregava. Seus seios eram escondidos pelo longo cabelo que chegava na sua cintura, e os cachos estavam mais lisos que o comum, misturava-se com as inúmeras tranças que eram ordenadas com grande penas escuras. Amélia carregava inúmeros acessórios prateados, cada um parecia representar um traço dos povos. No rosto, uma graciosa maquiagem decorava sua testa. Pequenos pontos faziam o contorno superior de sua sobrancelha, e no centro, um sol tinha sido desenhado com a lua adentro. Não lembrava-se qual teria sido a vez que a vira mais bela, porque enquanto estava vestida formosamente, conservava as características selvagens, estava armada de seu arco e uma espada na bainha. E aquilo era o que o ladrão achava mais atraente. Percebendo somente naquele momento, a valiosa chance que tinha entre as mãos, sentiu um frio correr pela espinha.

Mia Norwood marchando sobre os seixos no corredor de velas, sorria singelamente para seu povo que lhe comtemplava passar. De longe, vislumbrou o arqueiro, seu semblante parecia demasiado sério e ao contrário dela, não retribuía a atenção que o público lhe prestava, ele fixava sua atenção no encantador céu sobre suas cabeças. Talvez estivesse certo, afinal nunca tinha visto um igual, pela primeira vez, a princesa sentiu que estava sob a proteção de seus deuses. Via Lucky caminhando rudemente sobre as botas de couro, e mesmo que estivesse demasiadamente sério, a princesa o admirou.

Tinham lhe desenhado na face raios nos arredores de um olho, fazendo alusão ao sol devido a cor amarelada que a íris carregava. Vestia sobre o peito uma cota de malha, que era decorada por um couro avermelhado com ornamentos dourados, levando no ombro sua aljava e suas flechas prateadas. Na cerimônia tradicional dos Kadawgis, o casal deveria levar sua arma simbólica e ironicamente, ela e Lucky eram arqueiros.

Alternou o olhar para seu público e quando tornou a observar o arqueiro, seus olhos se encontraram pela primeira vez. Ao vê-la, Berbatov estarreceu por meros segundos e observou uma fascinação aparecer, fazendo-a sorrir.

Eles caminharam até a grande pedra, usando um o outro como ponto foco. E ali em cima, sentindo a maresia preencher o ar, ficaram sob a presença de Caliana kan Hakan e Swamali kan Una lado a lado, e Kaleb kan Hakan, Jacob kan Una, Ken e Naeri mais atrás. E o casal comandante se ajoelhou no círculo de velas, fitando um ao outro, ouviram as palavras do curandeiro:

– Na presença de nossos deuses, Hakan e Una, que nos dão a honra de estar presentes nesta cerimônia, junto de seus fieis elementos; saudamos o fogo, saudamos a água, saudamos a terra e saudamos o ar, e nomeamos orgulhosamente nosso novo Kadhal Kommander. Um laço inquebrável que os unirá durante a vida, e durante a morte, nessa, e nas próximas vidas.

Os olhos vermelho-acastanhados, com o tom realçado sob o sol, da princesa fitavam os do ladrão, o amarelado do seu olhar brilhava no mesmo tom que o nascer do sol. Os arqueiros desembainharam suas espadas especialmente forjadas para aquela cerimônia, e trocaram-nas como o símbolo da união. Aquela que Mia pediu para o ladrão, tinha sois brilhantes desenhados na lâmina polida de dois gomos. E aquela que Berbatov lhe entregava, era enfeitada com o sois dourados e a luas prateadas. Seguidamente, pronunciaram seus votos, na língua comum, honrando a mistura dos povos:

– Eu te levo no meu coração, no nascer do sol e da lua, no cenário das estrelas. Amar e honrar. Através de tudo que pode vir. Através de todas as nossas vidas juntos, e em todas elas, nós podemos renascer e nos encontrar e saber o que é o amor de novo. Serei seu guerreiro e você será o meu. Sob o sol e a lua, nossos deuses, juramos unir forças e espíritos para guiar nossos povos, até mesmo através de nossos sacrifícios até o último eclipse.

E para concretizar as palavras, uniram suas mãos e deixaram que Swamali enlaçasse-as com cordões coloridos. Uma vez feito, Berbatov levou a mão dela aos lábios e beijou suas costas e, sorridente, Mia o imitou. Assim, eles esperaram e nenhum sinal veio do céu, indicando que os Deuses não se opunham àquela união.

– Saudamos o Casal Kommandante! – Swamali gritou.

– Saelah the Khal Kommander – Caliana, Kaleb e Jacob repetiram em kadawgi, ouvindo a multidão responder.

– Shareah shirei-kan – Ken e Naeri repetiram na língua de Mareen.

E com um grande sorriso, Swamali anunciou recebendo o apoio com urros ferozes:

– Que comecem os desafios!

Aquela era a parte que mais encantara Mia. A coroação de reis era bela e sagrada, mas sobretudo entediante. Prolongadas cerimônias, juramentos excessivos diante aos deuses e os súditos, regras incompreensíveis, anténs entediantes e em seguida um longo baile transbordado de exuberância, conversas sobre política ou assuntos triviais. A união do Casal Comandante não era nem uma coroação, nem um casamento. A única exigência era que o amor deveria existir, fosse ele carnal, fraterno ou amical entre duas pessoas que fossem tidas como fortes e que pudesse representar ambos lados, o espírito guerreiro dos filhos do sol e a sabedoria dos filhos da lua. Era uma fortificação do laço do casal que seria o líder dos povos, mas que não deixaria de ser seus irmãos. A cerimônia era curta, as palavras simples e sinceras, e o resto do dia que se seguia era preenchido por desafios que poderiam ser feito ao próprio Kadhal Kommander, entre eles, ou os demais. No crepúsculo, o maior desafio ocorreria selando a troca de liderança, a Corrida dos Comandantes.

E como o previsto, fora um dia repleto de agitações. Na competição de arco e flecha, a princesa ficou aborrecida por ter perdido para Berbatov, entretanto não tinha prática alguma em atirar setas estando ébria. Vê-lo com excessiva altivez apenas fizera a princesa não querer desistir, mas vergonhosamente perdeu na maioria das provas: de corda, de nado, de equilíbrio, de escalar. O ladrão se mostrava um verdadeiro profissional quando se tratava de fazer loucuras e estar ébrio ao mesmo tempo, e aquele tipo de bagunça fazia nascer um espírito selvagem nele. Pudera ganhá-lo somente na dança e no salto a cavalo. Assim, tivera de suportá-lo se gabar pelo resto do dia.

– Deveria envergonha-se, não gabar-se – Mia resmungou. – Apenas vence porque não tem limite com a bebida e já está acostumado com ela!

Lucky gargalhou a apertando contra ele.

– Apenas admita que sou melhor em você em tudo.

– Sonhe com isso!

O arqueiro levou seus lábios ao seu ouvido e sugeriu:

– Podemos desempatar isso no meu quarto...

A discussão foi desviada por Yasir, chamando o mais novo filho do sol para juntar-se a ele na caça. A princesa viu em seus olhos que ele gostaria, mas estava prestes a negar.

– Faremos isso, mais tarde, após a corrida.

Sorrindo de lado, o arqueiro lhe beijou com desejo e seguiu Yasir. A princesa seguiu para um dos troncos deitados e decidiu descansar antes que o crepúsculo chegasse. De longe, observava Berbatov arrumando suas armas junto com Caliana, Yasir, Kaleb e outros, fazendo piadas, gestos ofensivos e partindo em bando.

– Ele parece estar feliz – Jacob indagou, encontrando conforto ao seu lado.

– Festa e álcool são sinônimos de felicidade para ele. Apenas é Lucky sendo Lucky.

– E por que minha neta não radia mais como antes?

– Meu odre ficou vazio – ela respondeu com humor, mas seu avô lhe atirou um olhar desconfiado. A princesa abaixou o olhar e procurou as palavras certas para dizer o que cercava seus pensamentos. – O ladrão que conheci não sabia suportar responsabilidades ou cobranças. E me pego perguntando se um dia ele acordará e se arrependerá dessas escolhas.

Analisando suas palavras, Jacob levou seu odre a boca.

– Ele teve a oportunidade de ir embora enquanto você tinha perdido a consciência. A escolha dele foi ficar.

– Parece irreal que isso esteja acontecendo e efêmero sabendo que amanhã estaremos indo a guerra.

– É por isso que devemos aproveitar sempre o hoje – Jacob retorquiu, afável. – O sacrifício de amanhã, será amanhã. Agora venha, dance comigo. Quero saber o que é dançar com a minha neta.

Com um sorriso, Mia aceitou a mão que lhe foi estendida e dançou com seu avô. No início do crepúsculo, o grupo que partira a caça retornava com uma fartura: javalis, coelhos, galinhas selvagens e um lince das montanhas. Todos eles seriam preparados no último banquete da noite. E como a tradição dizia, para selar a transição dos Casais Comandantes quando ela era feita ainda em vida dos líderes anteriores, haveria uma corrida. Mia enfrentaria a antiga líder dos filhos do sol, Caliana. E quando o ladrão menos esperava, foi desafiado pelo avô da princesa a competir contra ele.

– Não seria justo contra você, vovô – Lucky garantiu. – Não tenho pena da terceira idade.

– Acho que o rei não quer mais ser destronado – Jacob troçou, levando risadas consigo.

Desafiado, o ladrão aceitou.

– Iremos em primeiro – rosnou. – O perdedor faz o que?

– Serve bebida ao outro durante todo o banquete – o filho da lua assegurou.

– AH, espero que os ossos velhos consigam durar toda a noite porque eu não ficarei tão cheio tão cedo! Iremos em primeiro.

A princesa desdenhou sua atitude como seu excesso de desconfiança, mas deixou que Lucky fosse levado por seu grande ego. Eles despiram-se das armas, deixando somente os trajes leves do corpo. Pela primeira vez, Amélia observou o corpo de seu avô sem mantos ou casacos pesados, e para sua surpresa, ele estava em melhor forma que imaginava para alguém de sua idade. Colocaram-se na linha de partida e ali, Mia se aproximou deles com um jarro de argila nas finas mãos.

Mumford & Sons - Little Lion Man

– O que é isso? – o ladrão quis saber.

– Ajoelhe-se – ela exigiu. Jacob o fez, e com relutância, Berbatov terminou por ajoelhar ao seus pés. Mia tocou em seu queixo e o levantou. – Gindja. Uma bebida um tanto peculiar, que somente bebemos para essa corrida. É uma planta que quando espremida, solta uma gosma adocicada que tem um efeito semelhante ao do álcool, mas é mais intenso e menos duradouro.

Mia depositou com cuidado o líquido denso cor de rubro e com um odor semelhante ao de vinho quente nos lábios do ladrão que tinha olhos desconfiados sobre ela. Não pôde evitar sorrir e fez o mesmo com seu avô.

– Estão prontos cavalheiros?

Lucky Berbatov degustou seus lábios, apesar do gosto ser demasiado doce, Gindja não lhe surtia efeito. Riu triunfante e aquiesceu. E dada a largada, ele e Jacob se colocaram em pé. Subitamente ele foi atingindo por uma vertigem brutal que quase lhe derrubou para o chão novamente. Pego de surpresa, Berbatov cambaleou sobre suas pernas e tentou procurar seu equilíbrio, mas sua cabeça rodava. Diferente do álcool comum, ele tinha total consciência de seus movimentos, mas era quase incapaz de executá-los uma vez que não tinha controle do corpo. Viu Jacob erguer-se mais depressa, e seguir apressadamente em ziguezagues. Decidido a não perder, o ladrão tentou retomar as rédeas e tornou a colocar-se em pé e correr desengonçadamente pela terra.

Estava prestes a ultrapassar o avô de Mia quando se deparou com uma barreira de homens, incluindo Ken, Kaleb, Yasir e Caliana segurando pesados escudos. Se quisesse ultrapassá-los deveria usar a força do corpo que era incapaz de focar pela maldita Gindja! Abaixou a cabeça e encolheu os ombros, acelerou o ritmo e bateu contra a barreira de homens, tentou esgueirar-se entre eles sentindo seu corpo ser esmagado pelos membros e seus escudos. Tentou encontrar apoio nos pés e depois de muita insistência conseguiu ultrapassar no mesmo instante que Jacob kan Uma o fazia também. Eles correram pelo caminho de terra e fizeram o contorno entre as árvores, no final daquele circuito, Myesha e Naeri estavam esperando-os com dois grandes canecos de bebidas nas mãos que deveriam engolir todo o conteúdo.

Berbatov não pensou nada além de ganhar aquela corrida e virou todo o líquido na boca pretendendo engolir tudo de uma vez. Foi então que sua língua começou a queimar junto da garganta, seguidamente do peito.

– Pelos malditos infernos! – ele cuspiu no chão seguidamente. – O que é isso?!

– Esse é o bafo do dragão – Myesha anunciou com um sorriso divertido. – Há água ali se quiser – a filha da lua apontou para os jarros do lado oposto da direção da corrida.

Uma secura tomou-lhe a garganta junto da boca, e antes que tomasse sua decisão, viu o velho correr freneticamente sem mesmo pensar em refrescar-se. Irritado, Lucky fez o mesmo. Com os passos tortos, Lucky empurrou Jacob para trás, ganhando avanço e se deparou com uma trilha de obstáculos diante eles. Pularam quase sem equilíbrio cordas estiradas, tendo que desviar ao mesmo tempo de inusitados golpes que recebiam com paus e pedras do público.

Mesmo que estivesse com o interior queimando e o físico pouco preparado para tantas emoções, Berbatov conseguiu manter um bom ritmo e quando já conseguia avistar a linha de chegada, sentiu a aproximação frenética do seu adversário que era rápido, mas não tanto quanto ele. Quando tornou a olhar para frente pronto para cantar vitória, foi acertado por pedaço de pau no peito. O choque o levou para o chão, e apesar da forte vertigem que lhe assombrou, vislumbrou quem fora seu agressor. Era Mia. Ela lhe mostrou um sorriso chocado, não esperava que aquele golpe o derrubaria. Berbatov colocou-se sobre as pernas e simultaneamente Jacob o ultrapassou, ganhando por segundos de diferença do ladrão.

Sufocado pela falta de ar, a princesa rapidamente aproximou-se dele com um odre de água.

– Deixe-me adivinhar – ele arfou –, Ceres estava lhe controlando para acertar-me com aquele maldito pau?

– Achei que fosse duro na queda, Berbatov – ela jogou-se em seus braços e lhe deu rápidos beijos como se tentasse se desculpar. – Não imaginava que a idade já estivesse lhe abatendo tão cedo.

Lucky terminou por rir, ao mesmo tempo que empurrava a bochecha ardente com a língua.

– Me pagará por isso – ele colocou mão em torno seu pescoço e a apertou contra o corpo, apertando com a outra mão, a de Jacob, mesmo que com desgosto.

Em seguida, foi a vez de Mia e Caliana competirem. Ao tomar o famoso Gindja que ouvira falar desde que mudara para aquele lugar, Mia reagiu bem ao seu efeito, afinal na primeira vez que ela e Kaleb tiveram a chance de escapar do vilarejo, ele a fizera experimentar para cessar sua imensa curiosidade. Conhecendo seu gosto, assim como Caliana, igualava seus níveis. Dada a largada, acabou ficando para trás quando os homens apareceram com os escudos. Retomou o ritmo da filha do sol quando beberam o bafo do dragão, Caliana apenas estava habituada com cervejas, enquanto a princesa não somente tinha tomado bebidas ruins anteriormente, como não achava tão agressivo o calor que surgia no seu interior. Desviaram-se das árvores quase na mesma velocidade e quando precisaram pular as cordas e evitar ser acertada por paus e pedras, Mia demostrou-se ágil e um alvo mais difícil que sua adversaria por ser mais fina. Ganhando assim a corrida.

A noite foi finalizada com um farto banquete, marcando como a melhor refeição que eles puderam ter desde a união dos povos. O clima festivo permanecia, e todos fizeram proveito da última noite que teriam para festejar e despedir-se dos familiares, porque no alvorecer partiriam para a tão esperada guerra.

Mia observava atentivamente tudo que lhe cercava, nunca pensou que após o Baile de Sangue tornaria saber o que era felicidade, e sentia-se mesmo culpada por senti-la. Certo que aquele local não era onde seus pais gostariam que sua princesa herdeira estivesse, mas seria ali, com aqueles povos, que Mia faria história.

Quando Caliana aproximava-se para servir mais cerveja a princesa, viu uma criança correr como uma raposa e quase derrubá-la. Enquanto era repreendida pela filha do sol, o pequeno menino colocou discretamente um bilhete na mão da princesa e rapidamente se foi. Confusa, Mia espiou seu conteúdo debaixo da mesa e ali, Lydia pedia que ela fosse ao seu encontro porque tinha algo de importante para dizê-la. Mesmo que hesitante, a líder dos Kadawgis se levantou e se retirou da mesa, sem dizer nada ao ladrão ou ao seu avô.

Na porta da casa onde Lucky e ela dormiriam, Lydia surgiu no breu da madrugada. Notou somente naquele momento que não tinha visto sua mãe o dia inteiro, ela estava transpirando, com os olhos avermelhados. Parecia enfermiça, mas Mia manteve-se indiferente.

– O que você quer?

– Eu sei que não sou a mãe que você esperava...

– Eu já tive uma mãe, e ela está morta.

Lydia prensou os olhos, engolindo as palavras. Pela primeira vez, a frieza parecia derretida, e Mia enxergou sinais de fragilidade refletida na sua infelicidade, mas não foi capaz de se comover.

– Eu não sou ninguém para você, tenho consciência disso.

– Então por que ainda gasta sua saliva? – Mia retorquiu, secamente.

– Porque sua avó gostaria que você tivesse isso.

A filha da lua lhe mostrou sua mão, a princesa observou os longos dedos ossudos, tais como os seus, revelarem uma pedra avermelhada ofuscada pelo breu da noite, enrolada num cordão de couro. A princesa arqueou os olhos a sua mãe, surpreendida, e esta lhe fez um gesto para que ela aceitasse.

– Um jaspe vermelho, é uma pedra de proteção poderosa. Está na família há gerações, e durante anos, foi a única coisa que tive de minha mãe...

Mia apertou a pedra na mão e fitou Lydia demonstrando sua incompreensão.

– Somente conheci Cirelli quando me mudei para Skyblower... Essa pedra usada com diligência, será capaz de controlar os poderes de fogo que queimam em você, Mia.

– Obrigada – Mia sussurrou, e após um sinal com a cabeça, viu Lydia lhe dar as costas e se afastar.

– Eu sei o que é tê-lo como pai – Lydia indagou, ainda de costas, fitando sua filha por cima do ombro. – Jacob. Ele foi a única pessoa que tive durante toda minha vida. E ele tirou proveito disso. Para seu próprio bem, não confie em tudo que ele disser, Amélia.

Sua mãe desapareceu rapidamente como chegara. Mia permaneceu estarrecida, refletindo sobre a conversa inesperada e comtemplando a pedra que tinha em suas mãos. Decidiu colocá-la em volta do pescoço, e prensou os lábios, refletindo sobre as palavras de sua mãe. Lydia não fora criada com sua avó, tal como ela não tinha sido criada com sua verdadeira mãe. Ocorreu-lhe um ligeiro pensamento o que poderia ter sido delas se Mia nunca tivesse sido mandada para o Norte? Teriam sido mãe e filha de verdade? Acreditaria mais em suas palavras naquele caso?

Exausta, a princesa decidiu não retornar para o banquete. Mesmo que ainda não estivesse sonolenta, estava cansada de festejar. Direcionou-se assim para a casa que partilharia com Berbatov. Era a mesma que ele e Thor tinham sido hospedados uma vez que saíram da prisão. Ultrapassou pela primeira porta, e fitou a entrada do quarto que o príncipe ocupava. Gostaria de saber onde ele estava naquele momento, mas acima de tudo, desejava que estivesse bem. Penetrou no quarto do ladrão, talvez este passasse a noite inteira fora, bebendo como se não houvesse amanhã junto dos filhos do sol, sem perceber sua retirada.

Um frêmito tomou a atenção de seus ouvidos, e antes que pudesse ver o que era, um súbito tranco tomou seu corpo e suas mãos foram imobilizadas.

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– Eu disse que você me pagaria por ter-me feito perder a corrida e servir aquele velho durante o banquete – Lucky sussurrou nos seus ouvidos. Mia franziu o cenho, confusa.

– O que está fazendo, Berbatov? – perguntou ao sentir suas mãos serem amarradas com uma grossa corda.

– Achou que estava brincando quando disse que estaria amarrada, Norwood? – o arqueiro perguntou maliciosamente, e a empurrou para dentro do quarto, batendo a porta.

– Está maluco se pensa que me foderá assim – ela replicou.

– Por que, Amélia? – questionou, mantendo o tom rouco da voz. A princesa sentiu a mão do arqueiro escalar sua coxa lentamente e abeirar-se de sua virilha. – Tem medo de não conseguir me parar quando estiver prestes a perder o controle? Como da última vez que molhou a cama?

Ela engoliu em seco. Berbatov a puxou para trás, colando seus corpos, fazendo um arrepio correr involuntariamente sobre o corpo da princesa e brincar com seu sexo lentamente sobre o tecido de seu traje.

– Lucky, se alguém entrar aqui e me ver amarrada... – sentiu seu cabelo ser puxado e ele beijou seu pescoço com intensidade.

– Verá apenas que a filha do eclipse tem maneiras bem divertidas de ter prazer.

Mia tentou livrar-se das cordas, mas o nó estava bem feito, estava realmente presa. Arfante, estava pronta para dizer que não estava no clima de fazer nada depois da discussão que tivera com a mãe, mas a maneira frenética que ele beijava seu pescoço e lhe masturbava impedia que Mia concentrar-se nas palavras, sobretudo quando ele preencheu uma de suas mãos com seu seio e apertou seu mamilo, fazendo-a gemer quando o calor subiu no corpo.

Provocada com seu descontrole, a princesa pisou no seu pé e conseguiu escapar de suas grossas e tentadoras mãos. Virou-se para o ladrão e sorriu triunfante.

– Acha que seria fácil assim? Chegar no quarto da líder dos Kadawgis, e me fazer render tão rápido? –Viu o sorriso perverso crescer nos lábios dele, atiçado por suas provocações. – Eu não caio sem uma boa luta antes, Berbatov.

Ele caminhou em sua direção bruscamente e a encurralou contra a parede, arrancando-a do chão e a encaixando em seu colo.

– Tenho más notícias para você, princesinha guerreira.

– Quais seriam, ladrão? – ela arfou, excitada com seus toques indelicados, quase tocando seus lábios com os dele.

– Agora também sou líder e estou disposto a vê-la rendida a mim – Lucky respondeu e beijou sua boca, apertando suas pernas envolvidas em seu tronco. Levado pelo ardente desejo que deixava seu sexo rijo, o arqueiro decidiu rasgar a renda de seu traje, encontrando a pele suave de suas nádegas. Apertou-as com força, divertindo-se com a sensibilidade que a princesa tinha naquela área. Ele a penetrou com seus dedos. E com os dentes, Berbatov rasgou a renda de seu peito, deixando seus seios expostos e os chupou com desejo. Ouvir Mia gemer seu nome apenas o deixou mais fora de controle, queria ouvi-la gritar mais. Levou-a em seus braços até a cama e ali, eles fizeram proveito do resto da noite, como se aquela fosse a última que teriam na vida. 

__________________________

Trigésimo Segundo Capítulo do Terceiro Livro da série As Adagas de Ceres

15995 PALAVRAS

Dedico esse capítulo a fofíssima ByaCastilho , obrigada por estar acompanhado essa trama e me enchendo de carinho!

Gente estarei indo viajar a trabalho esses próximos dez dias, então as chances de eu atualizar a história antes disso é impossível. Sinto muito, mas como vocês sabem, eu demoro, mas SEMPRE VOLTO. Estou trabalhando com todo o carinho nesses capítulos para esse fim de livro. Espero que estejam gostando <3 

O vídeo que eu fiz para o Youtube sobre as Sobreviventes de Ceres, se você gostou, deixe seu like :D 

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