Ceres - O Retorno Da Escuridã...

By erika_vilares

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TERCEIRO LIVRO DA SÉRIE AS ADAGAS DE CERES Após o hediondo banho de sangue e o regicídio ocorrido no reino no... More

Prólogo
Capítulo Um - Parte I
Capítulo Um - Parte II
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Conspirações Cerianas agora no INSTAGRAM!
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta - Parte I
Capítulo Trinta - Parte II
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
Nos capítulos anteriores das Adagas de Ceres...
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Trinta e Cinco
Capítulo Trinta e Seis
Capítulo Trinta e Sete
Capítulo Trinta e Oito
Capítulo Trinta e Nove - Parte I
Capítulo Trinta e Nove - Parte II
Último Capítulo - Parte I
Último Capítulo - Parte II
Último Capítulo - PARTE III
Agradecimentos + Novidades
PRÉ VENDA

Capítulo Vinte e Três

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By erika_vilares

Capítulo Vinte e Três

Amélia tinha seus olhos fincados nos diversos rostos desconhecidos que apareceram na floresta, homens escondidos atrás de robustos troncos lhe espionavam. Alguns com olhares assustados, outros com olhares adversos. Oito homens, mais um que lhes dirigia a palavra. Estavam cercados, e a única escapatória era o vasto oceano. Por isso, apesar de sentir uma incômoda dor no pulso devido os inúmeros ferimentos, firmou sua força no cabo do facão e tornou a fitar o homem que Thor trocava palavra.

A calvície e a barba grisalha ressaltavam um ar mais velho do que os traços de seu rosto aparentavam ter.

– Eu apenas quero ajudá-los a se salvar destes selvagens – Ionavan continuou com um timbre cauteloso.

O termo lhe embraveceu, os Kadawgis poderiam ter uma cultura que se demonstrava estranha para alheios, mas tratá-los de selvagem por isso era algo de extremo desrespeito e ofensivo.

– Deveria ficar para ver o que esses selvagens são capazes de fazer caso permaneça em suas terras – Amélia guardou a arma, na bainha, tinha aprendido que por vezes deveria fingir abaixar a guarda para que o empunhar do aço fosse igualmente surpreendente. O velho pareceu resguardar a expressão de desgosto que lhe subia pela garganta num afável sorriso. Julgando pelo olhar desaprovador de Thor, ele não parecia contente com a resposta dela.

– Os Dias de Escuridão está a beira de um trágico fim e sendo refém destes rebeldes, não há nada que vocês possam fazer. Tenho uma nau esperando por nós do outro lado da praia.

Amélia com excesso de cólera, rebateu:

– Sugiro que se você preza pela sua vida e de seus homens, se apressem para chegarem lá sozinhos. Monstros andam as soltas no anoitecer.

Ela deu um passo a frente, pronta para se afastar, quando sentiu a pesada mão do príncipe aterrar no seu braço.

– Mia, preciso falar com você – ele pediu, rígido. Sem ela precisar assentir, viu Thor a puxando para perto e lhe enterrar um olhar confuso. – O que você está fazendo? – sussurrou.

– Saindo daqui – ela pronunciou cada sílaba.

– Acaba de dizer que gostaria de sair deste lugar para encontrar seu irmão e a chance lhe cai sobre as mãos – Thor recitou os eventos como se ela não tivesse feito parte deles. – Agora recusa essa ajuda.

– Eu não confio nesses homens.

– Mas, continuará ao lado do povo que lhe coloca num combate até a morte. O povo que lhe prende sob ameaça e que não lhe deixará ir atrás do seu irmão.

Mia aproximou seu rosto perto dele e disparou:

– Você não sabe de nada. Se estou viva desde o Baile de Sangue não foi por sua causa ou pela de Berbatov, então não venha me dizer o que devo ou não fazer, Thor.

O príncipe não parecia vê-la com nitidez, devido a maneira como ficou estarrecido com seu argumento.

– Se deseja retornar, eu sugiro que o faça, mas sem mim.

Mia, por sua vez não o esperou, direcionou-se para o caminho de retorno para seu clã. Antes que pudesse se afastar, um dos homens que completava o círculo que os cercavam inicialmente, colocou um bastão de madeira na frente dela.

– Eu sinto muito menina – Ionavan se manifestou, fitando ela. – Receio que você não possa ficar. Eu preciso que você venha junto de nós. Tal como o príncipe, você infelizmente tem um papel importante nessa guerra.

– Tenho? – Mia retorquiu a pergunta com facécia.

– Seja uma boa menina e venha conosco, é o melhor para você.

Num piscar de olhos, Amélia já retornava a segurar o facão nas suas mãos e numa mobilidade fugaz, ela decepou a mão de um dos homens que lhe impedia de passar. Ele gritou, o que fizera o parceiro ao lado apertar o passo contra ela, Mia rebateu o aço da arma com a do adversário e em dois rápidos movimentos, conseguiu abatê-lo.

– Amélia – a voz consternada de Thor atraiu seus ouvidos e ela avistou o príncipe tendo sua garganta ameaçada pelo aço da espada de Ionavan.

Ela não abaixou sua arma.

– Ele é um dos seus e você pretende matá-lo?

– Não pretendo matá-lo – Ionavan prosseguiu, com um azedo sorriso no rosto. – Apenas machucá-lo. Tempos de crise exigem medidas drásticas, não? O Salucismo tornando-se pretencioso demais desde início desta guerra e tomado medidas que colocam minha facção demasiado risco. Eu nunca pensei que estaria tentando convencer uma reencarnação da sacerdotisa a retornar para a guerra, mas são minhas poucas opções para retomar a fé para essa batalha. Você e o príncipe. Agora seja uma boa menina e deixe sua arma para que ninguém mais se machuque. Decepou a mão de um dos meus soldados, matou outro. É o mínimo que pode fazer.

Ainda ouvindo os gemidos de dor do homem que mutilara, com um extremo desgosto, Mia pousou sua arma sobre a terra. Rapidamente ouviu a aproximação de um homem que amarrou suas mãos fortemente atrás das costas com uma firme corda, somente após isso, Thor foi solto.

– Apresento minhas desculpas, Vossa Alteza. Mas, sua amiga é mais selvagem do que pensei. – Thor estava diante a ela, com as mãos soltas e livres, mas não lutou. – Espero que não guarde ressentimentos.

Ela o viu abanar a cabeça, de um lado para o outro, ainda com os olhos fixos nela. Ionavan estudou a expressão de Thor, entretanto pareceu não considerar uma possível ameaça, assim recolheu alguns de seus pertences no chão e se aproximou do jovem que sofria de dor no fundo.

– O que você está fazendo? – Ela inquiriu ao príncipe, com imenso desdém não somente por vê-lo ir contra suas palavras, mas obrigando-a acompanhá-los.

– Eu estou fazendo o que acho que é certo a fazer – Thor revelou. – Eu agradeço por vocês terem vindo.

Mia sentiu seu queixo cair e ficar imóvel face a surpresa. Thor os esperava desde o início.

– Eles feriram-no? – Ionavan perguntou de algum local, referia-se para a perna do príncipe.

Com um olhar ressentido, ele abanou a cabeça.

– Eles o curaram! – Amélia corrigiu, raivosa.

– Mataram o outro? – O velho deu continuidade as perguntas.

– Não, ele é um prisioneiro.

– Éramos apenas nove, agora somos em oito graças a atitude de sua amiga. Não creio que consigamos salvá-lo.

Com um suspiro amortecido, o príncipe assentiu:

– Tem mais homens na nau, correto? Poderemos deixá-la e retornar para buscar Berbatov no cair da noite.

A princesa não acreditou nos seus ouvidos, não somente a sequestrava, como ainda contava em salvar a vida do ladrão.

– Levem-na para o barco, acredito que deveria mostrá-los os possíveis acessos ao vilarejo enquanto há luz do dia e poucas suspeitas.

– Thor não se atreva a fazer isso – Amélia bradou, mas foi ignorada.

Foram necessários três homens para arrastá-la até a embarcação que lhes esperavam do outro lado da praia. Amélia se debateu ferozmente para soltar-se, mas foi contida e levada até lá.

Uma vez a bordo, a princesa fora trancada num quarto vazio onde tudo que existia era um colchão de palha sujo e barris. Bateu nas portas até seus ferimentos da noite anterior tornarem a sangrar, mas ninguém respondeu aos seus chamados. Nem mesmo Thor.

Sentia a afobação do peito que subia e descia, andando de um lado para outro, ela tentava afastar a ideia que martelava sua cabeça. Usar sua magia para escapar dali.

Foi levada para uma de suas primeiras conversas com o líder dos filhos da lua, lembrava-se da primeira regra citada por Altair:

– Você não pode usar a magia que provém do seu próprio corpo.

Amélia deixou sua careta responder primeiro. Aquele homem lhe mantinha trancada num quarto, quase não lhe dava explicações, e era somente aquilo que tinha para lhe dizer?

– Está dizendo que eu não sou útil nem mesmo para acender uma fogueira.

Ele a atirou aquele olhar gentil que rara as vezes era capaz de fazer.

– Você pode fazer com suas mãos, um graveto e uma pedra, mas não com seu poder.

– Estou confusa, eu tenho a habilidade de colocar fogo nas coisas que desejar, inclusive em você. – Ela ouviu uma suave risada correr dos lábios do jovem que acompanha Altair, chamava-se Kaleb. – Por que obedeceria sua primeira regra?

– Primeiro, você não conseguiria usar seus poderes nesse quarto nem mesmo se quisesse, fizemos uma barreira que impede suas habilidades. E segundo, porque você não possui qualquer tipo de poder, Amélia.

Altair tomou a liberdade de sentar-se sobre a cama e fitá-la de perto.

– O poder que mora dentro de você é algo que ultrapassa até mesmo os poderes supernaturais do nosso mundo.

– Por que? Bruxas tem poder, feiticeiros tem poder, vocês, seja o que forem, também possuem poder. Por que eu sou a esquisita?

– Eu tenho muito para lhe explicar e ensinar, Amélia, mas para isso eu preciso ter sua palavra de que meus conhecimentos serão transmitidos para alguém que está pronta para seguir as regras e as responsabilidades que vem com eles.

– E como sua prisioneira, você pode me dizer muitas coisas que eu não acreditarei nem mesmo nos suspiros entre as frases ditas. Se você quiser lidar com sua suposta profecia, Altair, deve saber que somente sigo e respeito regras e responsabilidades nas quais eu entendo a natureza.

E, de fato, agora a princesa entendia. Os tipos de magias existentes naquele mundo não se poderiam comparar com os de Ceres, porque tanto as bruxas, como as feiticeiras, todas tinham uma verdadeira fonte de poder, fossem elas transmitidas pela natureza, como pela invocação celestial.

Ceres tinha sido uma sacerdotisa inigualável a nenhum outro ser mágico, pois ela tinha sido abençoada ou amaldiçoada com poderes próprios. Algo que certamente foi considerado uma aberração. E a magia que existia nela era fruto de Ceres, e através da magia, a sacerdotisa podia facilmente controlá-la. O que resumia tudo como Mia sendo uma mera marionete da maldita poderosa e contraditória Ceres.

Ceres permitira que a princesa usufruísse de uma simples amostra de seus poderes no dia do combate. Não lhe era útil morta, certamente, mas por outro lado, Mia também acreditava que o objetivo dela era mostrar a princesa como poderia ser poderosa.

Isso também explicava a razão pela qual os sonhos e a traiçoeira saudosista lembrança do Baile de Sangue eram sempre vívidas e inesquecíveis. O poder de Ceres poderia lhe garantir toda a vingança do mundo, porém, uma vingança com um preço alto: perder-se numa total escuridão.

Saber que seu pior inimigo convivia dentro do seu interior era perturbador, porém um ótimo desafio a sobrevivência.

Ao ouvir a tranca da porta, Mia alarmou-se e viu o príncipe surgir.

– Eu nunca irei perdoá-lo se partimos nessa nau – Amélia disparou, com os olhos fervorosos sobre ele.

– Um dia você verá que foi a melhor decisão a tomar – a voz de Thor parecia carregar rancor, não estava confortável com sua própria escolha, mas parecia estar decidido de seus planos. – O Norte precisa de você, Amélia. Minha irmã está casada com Elliot, ela é a atual rainha de Skyblower, mas ainda assim, uma estrangeira criada nas terras ocidentais e uma jovem com meros dezesseis anos. Não demorará para que o poder fique nas mãos do Conselho de Guerra, religiosos, generais e lordes ambiciosos. Eles precisam de você e uma vez de retorno ao Norte, poderá procurar por seu irmão.

– Posso não estar no Norte, mas sei o que dizem ao meu respeito – rosnou a princesa. – Sou uma mera bastarda que tem ligação com rebeldes, é idiota o suficiente para acreditar que o povo que me criticou por toda uma vida por ser uma princesa indisciplinada, me aceitarão agora sabendo que sou uma cria de rebeldes?!

Sentiu o suspiro quente correr dos lábios dele.

– Você tem uma incrível habilidade de fazer as pessoas acreditarem que é capaz de tudo. Por isso sei que eles a ouvirão.

– Thor, você não está me ouvindo! Eu preciso da tribo Kadawgis para ganhar essa guerra!

– Eles são selvagens, Amélia! – A voz do príncipe alterou-se enquanto ele se aproximava em passos nervosos. – Por que em sã consciência você acredita que estar ao lado de homens que ainda lutam até a morte entre si durante uma guerra, vivem isolados do mundo, debaixo da terra e sem nem mesmo possíveis maneiras de se locomover desse fim de mundo, tem alguma maldita chance de ganhar essa batalha?!

Ele arfou, demonstrando sua incompreensão com um olhar aturdido.

– Eles possuem espiões no sul. Espiões infiltrados desde do nascimento dos próprios. Crescidos e integrados em Gardênia, assim como outros milhares que vivem ao longo do continente.

Thor se recompôs e pareceu disposto pela primeira disposto a lhe dar uma chance de palavra.

– Os números são falsos, Thor. O Norte acredita que o Sul possui tantos homens quanto eles. O que restou após o ataque ao Forte de Candor? Cinquenta e cinco mil? Pois bem, o seu reino conta atualmente com quarenta e dois mil homens.

– Existe um espião no meu reino também? – Questionou com desgosto.

– Skyblower acredita que Gardênia tem cinquenta mil homens, mas o espião infiltrado no sul faz parte do batalhão. Ele nos provou que Gardênia conta com um exército de sessenta e cinco mil homens. Acrescentamos o Oeste, quarenta e sete mil. Apesar de uma população desnutrida, podem causar estragos. Isso faz ao nosso favor noventa e sete mil homens enquanto nosso inimigo conta com um exército de cento e doze mil homens, que possuem estrelas conhecidas por terem extrema força e o Clã das Bruxas.

As palavras saiam de sua boca como austeridade e rigidez, e de fato, surtiam efeito sobre o príncipe, via-se no seu semblante.

– Nós já perdemos essa batalha, Thor. Mas, o imperador de Gardênia, ele está brincando conosco. Ele tem poder suficiente para acabar com essa guerra no momento que ele quisesse. Entretanto, aqui estamos, ainda com esperanças. E se estamos, é porque ele tem planos. Marcus quer que sangue seja derramado, vidas sejam perdidas.

– Está dizendo que o imperador de Gardênia não deseja ganhar a guerra, somente matar inocentes?

– Eu não conheço suas verdadeiras intenções, todavia sei que ele tem mais do que poder para colocar um fim nesse conflito, o que não parece ser seu interesse, não agora.

Thor soltou um atordoado suspiro e roçou a pele do dedo na testa.

– Podemos pular para a parte que essa tribo pode ser útil nesta guerra?

– Os Kadawgis podem parecer-vos selvagens, e talvez sejam, porém são homens e mulheres de extrema lealdade. Um povo orgulhoso que não se venderia por qualquer ouro que lhes oferecessem porque para eles, a verdadeira riqueza é aquela que mora no nosso interior. O homem que eu lutei no combate, Yasir, você percebeu a maneira como ele lutava? Se ele perdeu foi unicamente porque ao invés de acabar comigo, ele quis se exibir para os filhos do sol e eu tive a chance de trapacear.

– Você o que? – Thor mostrou-se chocado.

Mia não tinha tempo a perder com as formalidades do príncipe.

– Eu fiz o que fiz para salvar a vida de vocês. Por isso, usei os poderes da Ceres para queimar as mãos dele quando medimos força com a lança... Os Kadawgis são fieis a causa deles, lutam por ela há mais de vinte anos. Possuem homem e mulheres de extrema força física e mágica, somos apenas três mil, mas eu tenho um plano. Está preparado para ouvi-lo de verdade?

Com impaciência, o príncipe aquiesceu.

– Existem mais dois outros povos que moram no vale. O povo do mar chamado Mareen e o povo da montanha, os Montantes. Os Montantes foram responsáveis pelo assassinato de Jarrah, porque eu fiz algo que talvez não deveria ter feito.

O príncipe atirou-lhe um olhar repreendedor.

Amélia suspirou, sendo levado para o dia no qual aprendeu sobre a existência dos povos. Ela e Kaleb tinham se atirado para o chão, Mia podia sentir o extremo cansaço que torturava todos seus músculos, fazendo-a sentir como se acabasse de ter tido seus membros puxados um para cada lado até sua pele esticar. Queimava e ardia, nem mesmo cair sobre a terra úmida da colina parecia aliviar a calidez que agora borbulhava no seu interior.

– Um dia você irá me matar – ela martirizou, com falta de ar.

Kaleb riu.

– Se você treinasse de verdade com meus irmãos, saberia o que é enfrentar a morte.

Ela abriu os olhos vendo o gris do céu acima de sua cabeça.

– Eu tive treinamento militar quase todo os meus dezessete anos, e somente me aperfeiçoei esses anos seguintes. Mas, vocês lutam de uma maneira bizarra e estranhamente eficaz – o guerreiro novamente respondeu com um sorriso, sempre parecia se divertir com as coisas que saiam da boca da princesa, as vezes nem eram tão engraçadas ou não eram piadas, mas pareciam lhe divertir igualmente. – É engraçado, vejo-o pouco com os seus. Kan akan, certo?

– Hakan – ele repetiu, colocando o som do r diante akan.

– A mesma coisa – fez pouco caso. – Você continua me chamando de Eklissi quando lhe disse milhares de vezes que me chamo Mia. M-i-a. Continuando, vejo-o pouco com seus akans, porém ao referir-se a eles, diz meus irmãos.

– Você sabe que seus akans não tem o mínimo sentido, certo? Hakan significa Sol. Seus akans, apenas não tem sentido.

– Não fuja da minha questão. Ou continuarei falando kakans pelo resto de seus dias.

Ele segurou o riso, umedeceu os lábios como se quisesse explicar, entretanto foi curto: – Somos todos kan Hakan, independentemente do que fazemos. Somos filhos do Sol.

Mia refletiu por segundos.

– Eu não acredito que temos a mesma concepção de como chegamos nesse mundo – terminou por pronunciar, surpresa, arqueando as sobrancelhas. Desta vez, Kaleb gargalhou. – Por que sempre ri das coisas que digo?

Ele se conteve, e sacudiu a cabeça.

– Você não fala da maneira que eu acreditei que príncipes falavam, e também não fala como as pessoas locais. Seu sotaque, deixa as coisas apenas mais engraçadas.

Mia semicerrou os olhos.

– Você está tirando sarro de mim, kakan?

– Não, apenas acho... Não tem importância. E sim, Amélia. Chegamos nesse mundo da mesma forma que vocês, apenas meus irmãos, tal como os filhos da lua, acreditam que somente nascemos porque nossos deuses Hakan e Una queriam que nascemos. Seu povo, vocês não possuem deuses?

– Sim, na falta de um, temos três. Heilung, Ergie e Jugend. Mas, não dizemos que somos filhos deles, até porque isso não teria sentido algum. Cada um rege uma coisa, e juntos, eles se tornam divindades poderosas.

Kaleb anuiu com a cabeça, deixando os caracóis da cabeça balançarem para frente e para trás.

– Então tudo se resume a crenças litúrgicas? Por que você fica ao lado dos filhos da Lua e não do deles?

– Eu sou um filho do sol, como vocês dizem na vossa língua, mas eu não estou me identificando com meus irmãos nesse momento. Talvez isso aconteça porque minha mãe, ela era filha da Lua. Normalmente, famílias tendem a serem filhos da mesma entidade. O meu caso é raro, mas fui criado por uma filha da lua. Aprendi a ser um guerreiro como meus irmãos, mas eu acredito nos seus potenciais, Mia.

– Então você está dizendo que todas essas brigas, conflitos internos que dividem os Kadawgis é unicamente por minha causa? Uma garota que nem conhecia a existência de vocês meses precedentes?

– Uma parte sim – ele respondeu com humor –, mas você não é causa de todo o terror que cai sobre a gente. Na verdade, isso já aconteceu há algum tempo. Os Kadawgis querem participar da guerra que atualmente seu reino trava com o Sul. O conflito nasceu da maneira como cada um acredita que devemos travar essa batalha, mesmo o Kadhal Kommander não estava de acordo com isso.

– O que? – Ela repetiu.

– Me perdoe, é estranho falar com alguém que não conhece nossa língua. Acredito que na vossa língua isso se traduza como Casal Comandante. Normalmente ele é formado por um filho ou uma filha do sol, e um filho ou filha da lua.

– Como um casamento, como eu disse que meus pais eram, casados?

– Acredito que sim.

– E quem eram eles?

– Caliana kan Hakan e Altair kan Una.

Mia não evitou deixar sua boca se abrir num grande O.

– Eles eram casados? Que horror! Deuses, nunca teria imaginado que alguém poderia suportar aquela mulher! – Mal conhecia Caliana, porém esta deixava claro seu desgosto pela mera existência de Eklissi. Assim, Mia lhe retribuía o ódio.

– Caliana acreditava que deveríamos vencer nossas atuais ameaças, o povo da montanha, os Montantes, para conseguirmos chegar ao povo do mar, Mareen. Unir forças. Enquanto, a prioridade de Altair era encontrar e salvar você. Compreende?

Com o pouco de calma que sentia, Mia tentou explicar aquilo da forma mais clara possível para Thor.

– Mareen conta com quatro mil guerreiros e navios que podem nos tirar daqui – ela acrescentou. – O problema é que para chegar em Mareen, precisamos atravessar o Clã dos Montantes. Caliana, a mulher que você viu durante o julgamento, ela quer a morte de todos eles por lhes considerarem uma ameaça. Todavia, são guerreiros inigualáveis, o que podem ser perfeitamente preparados para uma guerra como esta que travamos. Os Filhos da Lua querem tentar conseguir um acordo com eles, os Filhos do Sol querem guerra. Por isso a tribo se encontra num clima delicado.

O príncipe franziu a testa e preferiu ser mais preciso:

– E o que você fez para estar tão aflita quando nós a encontramos?

Mia umedeceu os lábios, sentindo-se ligeiramente irritada pela maneira como sentia seu corpo lentamente se balançar ao movimento do barco que ainda boiava sobre as águas, com as âncoras abaixadas.

– Um dia, eu perguntei para Kaleb porque guerreiros tão poderosos como os Filhos do Sol temiam o Clã dos Montantes. E, ele me levou para vê-los.

Mia lembrou-se de como tivera dificuldade para chegar no local preciso que Kaleb a levava. Se locomover na beira do Vale era um trabalho penoso, mas que eles pareciam ter se acostumado muito bem. O filho do sol insistiu que precisariam escalar uma árvore para vê-los e a curiosidade da princesa falou mais alto. Fizera o esforço de escalar um tronco áspero e desgastado, e somente com a ajuda e incentivo de Kaleb, ela conseguira chegar ao topo.

– Quer saber por que eles são tão perigosos e Caliana os considera uma ameaça? – Kaleb sussurrou, parecia ter costume de ficar em cima das árvores e por isso, nem tentava agarrar-se na superfície do ramo que sustentava o peso dos dois. Aquilo a fez lembrar-se das inúmeras vezes que vira Lucky Berbatov acima de uma árvore.

Não era tão fácil quanto parecia, não quando escalavam uma árvore com mais de dois metros. Pelo contrário, era amedrontador, Mia sentia não ter firmeza alguma e pouco equilíbrio, o pior, estava confiando na força da árvore com seu peso, nada poderia segurá-la caso o ramo se partisse, ainda assim, seus dedos estavam aterrados na rugosa capa do tronco.

Ela seguiu o olhar do Kaleb e perdeu o ar ao ver o que seus olhos viram.

– Eram crianças – ela confessou –, crianças da idade de minhas irmãs ou até mais novos. Todos pelejando com violência e agressividade. Kaleb me explicou que o medo de Caliana por aquele povo era pelo fato de que desde que eram nascidos, eles eram criados para matar. Tirados de seus pais aos sete anos, colocados em campos, onde somente saíam os melhores. Depois, estes sobreviventes eram treinados e aos treze anos já eram assassinos mortais.

A princesa viu o horror nos olhos claros do príncipe. Mia coçou a cabeça, sentindo a tensão, no seu corpo, e deu continuidade:

– Mas, nesse mesmo dia, quando eu os vi largar as espadas, observei com meus próprios olhos os irem brincar de pega-pega, se divertirem e rirem. Como crianças normais fariam. Nós estávamos lá, porque tínhamos descoberto que os Filhos do Sol planejavam uma armadilha, pretendiam matar todas as crianças assassinas. Eu... Eu perdi a cabeça, e eu acreditei que poderia ajudá-las.

– O que você fez? – Thor quis saber, com uma voz densa.

– Fui até o vilarejo. Eu avisei sobre o ataque. Eles me bateram, e Kaleb acabou se intrometendo na confusão, porque encontrou rastros que eu tinha deixado e chegou no vilarejo antes que algo pior acontecesse. Traduziu o que eu tinha a dizer, porque mesmo que alguns falassem nossa língua, não pareceram querer entender. Mas, vendo um filho do sol ao meu lado, acreditaram em mim. Nos deixaram partir e as crianças sobreviveram. O ataque falhou.

Thor parecia confuso, e preferiu encontrar seu equilíbrio num dos barris espalhados pela sala.

– Caliana não sabe que eu fui a responsável pelo falhanço da armadilha, ela acredita que os Montantes não estão cientes do ataque. Eu envolvi Kaleb nessa confusão e caso alguém descubra, seremos mortos como traidores. Como resposta ao ataque, os Montantes assassinaram Jarrah, na mesma noite que vocês chegaram.

Ela precisou retomar o ar que faltava nos pulmões.

– Por isso vocês viram toda aquela confusão durante o julgamento! Altair, líder dos filhos da Lua, é contra a guerra com os montantes e ele preferiu deixá-los morrer por isso ao invés de deixar o estopim se exceder para os motivos necessário que os filhos do Sol precisam para iniciar a guerra. Eu era a culpada de tudo que estava acontecendo e não vi outra opção para evitar o conflito imediato revelando quem eram os verdadeiros responsáveis do assassinato, porém não arriscaria a vida de vocês. O combate foi a única maneira de atrasar as coisas.

O príncipe nada acrescentou, parecia embaralhado com suas ideias, Mia decidiu ser mais insistente:

– Resolveremos o conflito entre Kadawgis e Montantes. Esses povos já foram unidos antes do meu nascimento. Tenho certeza que possam se reunir novamente. Assim conseguiremos chegar ao povo de Mareen. Conseguiremos então dez mil homens e barcos para saírem daqui.

Thor esfregou as palmas das mãos sobre o rosto e perguntou, fatigado.

– Você quer que eu coloque minhas esperanças nesses guerreiros potentes, mas que estão procurando razões para se matar, do que retornar para nossa guerra e tentar ganhá-la?

Mia balançou a cabeça, em negativa.

– Eu não lhe peço nada além que você abra essa porta e me deixe retornar para onde agora pertenço. Essa bagunça é minha, mas eu aposto tudo que me resta para resolver esses conflitos e retornar para a verdadeira guerra.

Irritado, ele passou a língua nos lábios e os prensou um contra o outro, indeciso.

– Eu sou skyana Thor, sempre serei. Mas o Norte não me quer nesse momento, eles querem o rei deles. E a verdade é que eu sei que mesmo decidindo ir com você, eu posso encontrar a morte de Elliot sob meu nariz e eu não sou capaz de aturar isso. Minha decisão é ficar e concertar o que está meu alcance.

– Eu não posso deixá-la aqui Amélia, sozinha com esse povo – engrossou a voz num timbre estressado.

– Então fique e me ajude a concertar tudo – ela sentiu os olhos se marejarem, era capaz de sentir a carência que Thor deixara todo aquele tempo. Seu velho amigo de infância, o homem que deixou um marco inesquecível na sua vida, o primeiro homem pelo qual se apaixonara. – Eu sei que não tenho direito de pedir isso. Nós terminamos e eu...

– Você dormiu com Berbatov – ele respondeu, frio como gelo.

A princesa sentiu um terrível arrepio cobrir o corpo.

– Eu sei. Ele me contou – o olhar de Thor tornou-se subitamente turvo. – Não estávamos mais juntos, mas ainda assim, machucou profundamente sabê-lo.

Ela arfou, incomodada com a sensação das entranhas se contraindo.

– Quando ele o contou?

– Quando nos encontramos em Wanderwell, antes do Baile de Sangue. Ele queria me deixar irritado para que eu batesse nele e conseguisse escapar de Nádia.

Mia afastou a sombra da raiva que sentia do ladrão e concentrou-se na conversa dos dois.

– Você soube de tudo e, ainda assim, tentou me ajudar no Baile de Sangue... Ainda assim, está aqui, novamente tentando me ajudar.

Thor deixou seus olhos a penetrarem, de braços cruzados, o silêncio cresceu.

– Eu não estou em posição de pedi-lo nada, mas, eu não posso partir, Thor. Não agora, e eu preciso que você entenda que mesmo se chegarmos a Helkser amanhã, eu encontrarei um jeito de retornar para cá.

O príncipe balançou a cabeça e deixou as lágrimas guardadas nos olhos.

– Está bem. Retornaremos para a tribo dos Kadawgis.

Ela soltou um suspiro aliviada e conteve-se para não abraçá-lo, mas sorriu com gratidão.

– Obrigada – ofegou.

– Consegue nadar uma légua?

Mia arqueou a sobrancelhas.

– O que?

– Nadar até praia. Eu não os pedirei para simplesmente aceitar meu pedido de desculpas pelo engano.

– Você por acaso me ouviu dizendo que numa semana, eu me envolvi em três brigas diferentes, nas quais duas, eu somente apanhei?

Foi a vez de Thor suspirar, porém pensativo.

– Nunca chegaria até praia deste jeito, sinto que meu corpo não me obedece como deveria.

– Deveremos então roubar uma canoa. Eu não quero machucar esses homens, está me ouvindo?

– Por que está me dizendo isso com esse tom?

Ele arregalou os olhos.

– Porque você matou um deles, Mia! E decepou a mão de outro!

Bufando, ela cruzou os braços.

– Você decidirá como sairemos daqui sem machucar ninguém então.

– Tenho uma ideia.

O príncipe explicou rapidamente o que tinha em mente, e saiu da sala na mesma pressa. Enquanto esperava que tivesse uma boa distância entre eles, ficou na sala sozinha, ponderando na conversa. Mesmo sabendo de tudo que aconteceu com o ladrão, o príncipe estava ali. Lutando novamente por ela. Involuntariamente sentiu uma terrível vergonha de si, entretanto preferiu afastar aqueles pesados remorsos.

O que tinha acontecido entre ela e o ladrão estava no passado.

Respirando fundo, Mia saiu pela porta entreaberta, deslizou com cautela pelo corredor que se encontrava e repetiu o mesmo caminho que viera quando ali foi trancada. Sentindo o leve balançar dos pés que seguia os movimentos da nau ancorada. Ela ouviu vozes e subitamente dobrou os joelhos, pronta para se esconder, mas ninguém desceu as escadas. A princesa decidiu acabar com aquela ansiedade e apressou-se para subir ao convés. Subiu sendo sorrateira e com um rápido olhar de soslaio, percebeu que ninguém vigiava as escadas, graças ao príncipe.

Ela continuou olhando a volta, esperando encontrá-lo, quando ouviu o solene timbre de sua voz que discutia com os demais homens.

– Descerei primeiro e verificarei que os caminhos são seguros. Esperarei eles montarem a guarda da noite para ter a certeza de quantos homens são colocados em posições e se temos a chance de encontrar ou não Berbatov.

– Mandarei dois homens meu com você, Vossa Alteza.

– Não será necessário, porque temo encontrar com o amigo da princesa. Ele deve estar procurando por ela e se me ver sozinho, posso contornar a situação. Se estiver com vocês será mais difícil. Irei sozinho.

Ouviu a hesitação de Ionavan, mas por fim, ele não aparentava querer ir contra as ordens do príncipe.

– As canoas são aqueles que estão no sul, certo?

Ionavan anuiu, falando que estavam penduradas ao lado exterior ao barco. Aquele era o momento, xingando-se internamente por ter concordado com aquele plano. Amélia saiu das sombras das escadas, tentou encontrar as formas das cordas que não se destacavam na escuridão e quando achou tê-las visto, precisou correr o mais rápido que suas pernas eram capazes de seguir e tivera de confiar nos seus instintos para não hesitar, unicamente pular.

Caiu bruscamente em cima da madeira e por mais que sentisse a dor agonizante dos ferimentos do corpo, fora obrigada a engolir o grito e se esconder debaixo de uma das capas que guardavam os remos. Esperava que Thor fosse capaz de encontrar uma desculpa para aquele ruído, então esperou.

Seu coração quase parou quando sentiu um brusco tranco sobre o transporte, espiando sob as camadas da lona fria e úmida, ela avistou botas de couro. Mas nenhum outro sinal para que tivesse certeza de quem era. Enfim entendeu alguém desejar coragem para o príncipe e ele agradeceu, nesse momento ela sentiu um alívio.

– Espero que não tenha quebrado nada, mas continue debaixo da lona – ele sussurrou, com uma expressão congelada no rosto fitada para os homens que desciam a canoa.

E assim, eles partiram. Mia somente atreveu-se a sair da lona quando estavam perto da praia. Ela saltou do barco desengonçadamente, molhando as pernas na água gélida. Seu corpo parecia como de uma velha a beira da tumba. Estava frágil e qualquer movimento brusco lhe machucara. Tanto que nem mesmo pensou em ajudar o príncipe a puxar a canoa por cima dos barulhentos seixos.

Já era tarde quando ofereceu ajuda, o príncipe já deixava a canoa em terra firme e fitava a nau dos Venatores que parecia desaparecer na escuridão da noite e do mar.

– Eu preciso agradecê-lo por ter me escutado – Mia adiantou, sem saber ao certo que deveria dizer.

Thor lhe atirou um olhar indecifrável, e um tanto frio, disse:

– Temos problemas a resolver – assim, o príncipe lhe deu as costas.

II

Astrid passava os dedos entre os fios finos de seu cabelo. Odiava como eles sempre conseguiam se embaraçar com facilidade, entretanto, podia ficar o dia inteiro lhes acariciando, era a única coisa que lhe acalmava. Afinal, aquele gesto remontava as épocas que sua mãe fazia aquele trabalho. Sendo consumida pela ansiedade, andava de uma ponta a outra nos aposentos, enquanto era observada pela aia de cabelos de fogo. Júdit estava sentada perto da mesa enquanto beliscava as rechonchudas uvas roxas trazidas especialmente para a rainha da melhor colheita do Norte.

– Não creio nessa audácia do senhor meu pai – ela rezingou. – Você tem consciência do que é visitar todos os dias aquele imundo covil do mensageiro?!

A rainha percebeu a falta de controle e jogou-se sobre a cama.

– Devo ter engolido um mar de poeira a cada visita.

Após terminar de saborear talvez a décima uva, a aia questionou:

– Normalmente o mensageiro não deve vir lhe entregar a carta? Ou também não faz isso porque você nasceu em Wanderwell?

– Poupe-me de suas provocações – Astrid rosnou.

Tinha compartilhado com a aia seus atinados dos últimos tempos. Os nortenhos já não tratavam a rainha com o mesmo respeito que costumavam ter quando existia a presença de Elliot ao seu lado. Sobretudo, aqueles cavalos pacatos do conselho de guerra! Lorde Richmond já não respondia as cartas com suas demandas, o Grande Sacerdote fingia-se de surdo quando ouvia seus conselhos e o repugnante General Marx uma vez lhe dissera que fazia melhor de ficar em seus aposentos porque a guerra não era lugar para almas frágeis!

– Enviei dez águias mensageiras para Wanderwell e nenhuma me retornou com um sinal de vida de meu pai!

– Relembre-me o que tanto gostaria de falar com Vossa Graça seu pai.

– Estou farta de ser menosprezada por esses cavalos arcaicos que pela ausência de meu marido, agora acreditam que comandam o Norte! A votação aproxima-se, alguém será designado para comandar o Norte e esta deveria ser eu! Sou a rainha e não deixarei ser ultrapassada desta forma!

Astrid tomou um grande suspiro, e continuou de forma mais passiva:

– Se não me respeitam como uma a rainha, me respeitarão com um exército. Por isso mandei pedidos ao meu pai, cinco mil homens para virem proteger as colheitas.

– E a resposta foi o silêncio – Júdit concluiu, enchendo a boca com uvas.

– Ele não pode me recusar tal coisa – a rainha protestou. – Wanderwell não vive unicamente de suas pescas! Muitas coisas são importadas do Norte como essa maldita uva que come agora. Ele tem interesse em proteger o que nos sustenta!

A rainha enterrou-se nos seus pensamentos subitamente, mas o ruído da aia mastigando incansavelmente aquelas uvas estava lhe tirando do sério.

– Quanto a você, querida Júdit, não há nada de melhor para fazer a não ser acabar com o terceiro cacho de uva?

– Ouvir você falar de política é entediante, me deixa faminta. Bons tempos aqueles que seus assuntos eram sobre os homens e seus...

Astrid mostrou-lhe uma careta para que ficasse quieta e Júdit contentou-se em rir.

– Quanto ao Lorde Alksen? – a aia quis saber.

A rainha caminhou até o espelho e examinou a aparência.

– O que há?

– Não se faça de desentendida! Foi o único homem que você teve algo desde que casou.

– Alksen tem um ego extremamente inchado. Acredita inocentemente que me seduziu num momento frágil e que agora luto com meus demônios para não desejá-lo.

Júdit riu, com divertimento.

– Acho que ele não sabe onde está se metendo.

– Mas eu o guardarei, essa fantasia pode me ser útil. Maldito bastardo, tenho certeza que ele está deliciando-se em ver que minha voz no conselho não tem o mesmo peso que a dele, mas isso irá mudar! Do contrario, não tornarei usar essa coroa.

– E por que não faz uma aliança com ele? Sabe, no dia vocês discutem politica e a noite resolvem as diferenças na cama.

A jovem no mesmo instante ruborizou.

– Pelos deuses, volte a encher sua boca com uvas e me deixe em paz.

A aia gargalhou, a conversa fora interrompida quando ouviram um toque na porta. Ambas se entreolharam surpreendidas, alguém teria ouvido a conversa delas?

Vendo que a aia não mexeu-se da cadeira, Astrid balançou a cabeça pensando que ela já estava mais do que mal acostumada, e ela mesma se levantou para abrir a porta, dando de cara com o jovem mensageiro que não conseguia disfarçar como se encantava com a rainha. Ele corou e disse numa formalidade gaguejada que enfim recebera uma carta. Com um sorriso, agradeço e o dispensou.

– Falando no senhor meu pai! – Astrid cantarolou, andando o recinto e abrindo o selo real do espadarte azul. Assim atirou os olhos na escritura, rapidamente percebeu que não era a mesma do seu pai, e sim aquela de Dazso Sozott. O conselheiro mais conhecido por fazer tudo que seu pai achava tedioso.

Querida filha,

Acreditei que não precisaria relembrá-la onde nascera e fora criada, mas seguindo as dez cartes precedentes, abranjo que a falta da maresia esteja lhe fazendo esquecer a quem realmente deveria ser devota.

Seu papel como rainha do Norte não passa de formalidades, seu verdadeiros dever é com o Grande Espadarte Branco. Rogo, permaneça com os afazeres que mais lhe mais são relacionados, como festas, costura, Anténs. Deixe a guerra para quem sabe cuidar dela.

De seu pai,

Edvard Meszaros

– Pelos infernos, maldito seja o senhor meu pai! – Ela releu em voz alta as palavras para a aia. – E ele nem mesmo tivera a cortesia de escrever a carta para a própria filha, mandou seu conselheiro fazê-lo!

Júdit enfiou outra uva na boca.

– Por que não o escuta? – Ela perguntou, dando de ombros. – Deixe esses homens se matarem e disputarem pelo poder. No entretempo, você encontra um marido para nós duas no astral. Eles têm um magnifico sotaque!

Com um olhar admoestante, a rainha asseverou os finos traços no rosto e rugiu:

– Posso não partilhar do amor que sentia no início por meu rei, mas eu ainda sou a rainha do Norte e serei até o fim de meus dias. E eu não o deixarei nas mãos de gananciosos arcaicos, eu irei lutar por ele e com ele!

Astrid agarrou a barra da saia e se direcionou para a saída do quarto.

– Agora se me der licença – antes que atravessasse a porta, a jovem retornou e ordenou: – E arrume suas malas, você estará retornando a Wanderwell. Será meus olhos e meus ouvidos do que acontece com aquele maldito reino! Estou farta desses homens intragáveis! Se meu pai acha que um me fará sentar e fazer tricô, ele realmente desconhece sua filha.

Sem esperar o protesto da aia, a rainha retirou-se do recinto. E direcionou-se diretamente para o escritório do rei, onde certamente encontraria Conde Butler. Sua dedução não poderia estar mais correta.

– Bom dia, caro conde.

Ele ergueu os olhos esverdeados e rapidamente levantou-se, fechando o diário que escrevia sobre a mesa.

– Perdoe-me rainha, não vi sua aproximação. Bom dia para Vossa Graça também. Como vai nessa manhã?

A rainha adentrou o escritório com um tênue sorriso nos lábios.

– Levemente estressada e o senhor?

Ele colocou as mãos atrás das costas, formalmente.

– Estresse é algo continuo dessa guerra, infelizmente.

A jovem atirou o olhar para o que o conde se ocupava na mesa.

– A conselheira Winston me mandou anúncios da Cidade-Livre. Bons anúncios. Convenceu o ministro Silas a permanecer ao nosso lado e tentar nos garantir tempo com os Dez. Além do mais, nesse momento ela se encontra com os arqueiros da ALDA e junto de uma feiticeira, eles irão encontrar seu marido.

– Somente boas notícias!

– Precisávamos de algumas – ele assegurou. – Aliás, após responder a carta, eu iria justamente a sua procura. A bruxa também vira seu irmão.

O coração de Astrid subitamente parou de pulsar.

– O que? Ela viu Thor? Onde? Quando? Onde ele está agora?

– Ele não quis dizer.

Astrid franziu o cenho, perplexa.

– Apenas me disse que vai bem, e que sente muito sua falta. Ele sente muito orgulho de sua pessoa.

A rainha subitamente precisou se afastar. Lágrimas involuntárias subiram nos olhos e a última coisa que gostaria era de chorar diante um dos membros do conselho.

– Você está bem, Vossa Graça? – O conde quis saber.

Ela limpou as lágrimas ardentes e suspirou.

– Sim... – balançou a cabeça e tornou a olhar para o Conde Butler, que estava com uma expressão assustada, que quase fizera a rainha rir. – É muito bom com palavras, mas quando se trata de mulheres chorando, perde a fala, não é mesmo?

– Perdoe-me, minha rainha. Eu apenas não sei como posso reconfortá-la...

Astrid caminhou até a mesa e encontrou apoio na superfície de carvalho, limpando o resto das lágrimas que caiam de seu rosto.

– Não há necessidade de reconforto, Conde Butler. Não quando ele não é sincero. Os dois homens que tinham talvez a obrigação de fazê-lo, não o fizeram. Thor para me confortar, prometeu-me que não nos abandonaria durante essa guerra, e o fez. Elliot... Me fez acreditar em belos sonhos que me deram cálidos reconfortos que teríamos uma bela família no final desse conflito, e engravidou sua amante.

Os olhos de Aspen arregalaram-se sentindo o espasmo da notícia.

– Dirá que não sabia? Elliot confia todos os seus segredos para você.

– Ethel está grávida?

Ela anuiu, estudando sua expressão.

– Pelos deuses – Aspen trocou o peso das pernas, pareceu então desnorteado –, eu sinto...

– Não sinta – ela pediu. – Não há pelo quê sentir. Pessoas dizem o que queremos ouvir, porém quando se trata de nos machucar, elas não pensam duas vezes.

Astrid refletiu silenciosamente. Não esperava que o assunto de Thor fosse invocado, e isso arruinou todos seus planos de discutir uma possível aliança com o Conde. Previa uma conversa onde ela poderia ser astuta e charmosa, arrancar informações dele e lhe oferecer uma aliança em nome de Elliot e do Norte.

Não sabia se aquilo funcionaria em vista que a rainha de nada tinha para oferecer em retorno. Todavia, agora com o rosto úmido e a fragilidade exposta, a última coisa que cogitaria era tentar conseguir uma aliança.

– Sei que isso não pode melhorar seu estado de espírito, Vossa Majestade, entretanto, trago comigo uma carta de seu irmão. Ele a entregara para a bruxa Winston para ser entregue a você.

Ele retirou um papiro que estava pousado sobre a mesa e lhe deu em mãos, Astrid desdenhou. Thor acreditaria que seus pecados seriam perdoados através de uma carta?

Ainda assim, ela leu seu conteúdo.

Querida irmãzinha,

É com profunda tristeza que desejaria que essa carta estivesse sob seus olhos com preexistência da notícia de que seu irmão desertara. Entretanto, minha confiança era escassa e meu tempo limitado. Desacreditei que essa carta seria entregue em suas mãos como deveras. Por essa razão, preferi o silêncio.

Decerto, isso não justificaria o término da amargura, o desaparecimento do desgosto e o esquecimento da consternação seu ao meu respeito.

Desconheço ao certo as razões com as quais meu pai justificara meu desaparecimento para você. No entanto, você tem o conhecimento de que sigo vivo e não cumprimento o dever que a vida me predestinou.

Apesar de talvez desacreditar, sigo-me com lucidez pelo continente de Reynes a procura da pessoa na qual terei uma eterna dívida, porque meu coração diz que Mia está viva. E no momento que reencontrá-la, eu retornarei a essa guerra. E quando a ganharmos, estarei de joelhos a minha rainha e lhe implorarei seu perdão. Nunca quis decepcioná-la como fiz, porém, eu precisei fazer o que achava certo ser feito.

Preciso com urgência ser breve em minhas palavras. Trago-lhe uma informação que deverá ser imediatamente passada ao senhor nosso pai, que não poderá vir de mim.

Viajando pelo astral descobri uma brutal traição da família Marílicco, que concordara a casar a princesa Stephania, tornando o resto de seus dias um verdadeiro pesadelo. Um pactuo com o Sul que poderá ter efeitos sobre Wanderwell como Skyblower. Assim, preciso que deixe seus rancores de lado e faça proveito dessa informação.

Com muito amor,

Teu irmão,

Thor.

O estalo no seu coração foi potente, tanto que Astrid não impediu o arfo que correu dentre os lábios entreabertos.

– Tudo vai bem? – Aspen quis saber.

Ela anuiu. Pedindo licença, a rainha se retirou da sala e tentou não correr de volta para seus aposentos reais onde precisaria de tinta, pena e papiro. Aquela traição lhe serviria para colocar seu pai de volta na linha. Escrevera para o rei sobre o conhecimento do traidor que partilhava de sua embarcação, descoberto graças a um de seus espiões, e que somente lhe revelaria o nome quando os cinco mil soldados estivessem em marcha ao norte.

III

A princesa de Helkser teria quase alcançado o verdadeiro beijo da morte nas luas precedentes. Era seu atual maior desejo. Morrer. Arrebatada por uma dilacerante tristeza com a traumatizante morte de Akin, Oksanna escolhera morrer. E se Nassor nunca lhe daria aquele gosto, nunca lhe deixava sair para as améias, ou ter facas nas refeições ou ficar perto de qualquer coisa que poderia lavá-la a morte. Ele a queria viva, e queria seu sofrimento.

A princesa decidiu-se suicidar-se lentamente.

Havia parado de comer, todas as refeições que lhes eram servidas, ela as atirava da janela para qualquer animal faminto desértico se alimentar. Dias se passaram, assim semanas, e a princesa tornou-se fina como ramos de uma árvore seca. A carne já não parecia mais servir seu corpo, deixando a pele ossuda. Oksanna tinha escolhido apodrecer em vida, para que a morte lhe fosse menos dura. Viu sua pele perder a cor, seus cabelos caírem tornando-se curtos e frágeis, o calor abandonar seu corpo, a apatia plantar-se no seu ser, e tudo aquilo era doloroso. Era uma humana sem nenhum traço de vida, todavia também era sinônimo da liberdade.

Mas, o monstro no qual partilhava um casamento cruel estava disposto e fazê-la viver. Passou a acompanhá-la nas refeições, e como não poderia atirar a comida fora, Oksanna passou a comer, mas nas horas que estava sozinha, colocava o dedo na garganta e jogava tudo para fora.

O Lorde Diámat em vista de que a princesa parecia estar a cada dia mais próxima da morte, tomou a decisão de não deixá-la mais sozinha. Um dia, Oksanna acordou com senhor sentado a beira da cama, e com mais três outros homens ali presentes. Nassor carregava nas mãos, as mesmas que costumavam a lhe surrar, um belo girassol. Disse-lhe que ela era de uma importância inigualável para ele, e que não poderia viver sem sua presença. Assim, teria todos os dias dois curandeiros que lhe acompanharia um durante os sóis, outro durante as luas.

O terceiro estava ali para fazê-la dia e noite engolir a força carne de cavalo, que segundo a crença lhe traria força. Os curandeiros certificavam-se de que ela não vomitaria e que tomaria todas os medicamentos necessários.

Foi assim que Oksanna percebeu que nem mesmo a sua morte lhe deixaria livre de Nassor. Estava fadada a conviver com sua monstruosidade enquanto fosse sua vontade de tê-la.

Acreditou que sua vida estava prestes a mudar suas linhas quando acordou num dia abafado com Nassor a observando enquanto dormia. Ela não dissera nada, como de costume, esperava que ele indicasse o que queria. Mas, pelo canto do olho percebeu que havia uma carta em cima dos lençóis sedosos. Oksanna cobriu o peito, costumava dormir nua como uma ordem de seu senhor.

– Não tem curiosidade de saber o que é? – perguntou, numa voz cálida.

Ela engoliu em seco, e abanou a cabeça em negativa.

– É uma carta de seu irmão.

A rainha sentiu o ar fechar-se no seu pulmão, calafrios tomaram todo seu corpo, o que viria em seguida?

– Ele está vindo para nossas terras. Seja prudente – as palavras limitaram-se à aquilo, entretanto, o olhar era cominador.

Ainda assim, aquilo significava uma nova chance. Uma oportunidade para escapar daquele mundo que fora ingressada e que lhe trouxera somente mal. O coração de Oksanna tornou a pulsar sangue para o resto do corpo. Não pediu por mais detalhes para seu Lorde, mas contou os dias de viagem se Ekos tivesse saído de Helkser no dia que a carta chegara.

E sua contagem estava certa. No quarto sol, o dia de sua chegada, a princesa reviveu.

Ekos se apresentou nas terras do Lorde Diámat na mesma desenvoltura de quando chegara para reinar em Helkser. Viera acompanhado de seus três grandes e poderosos elefantes e obviamente de seu séquito. A solenidade do Grande Irmão era admirável, acenava e sorria acolhedoramente a todos servos de Nassor.

Infelizmente, Oksanna privou-se de receber o Grande Irmão com um caloroso abraço. Além de desrespeitar as formalidades, temia que Nassor considerasse aquilo uma provocação. Entretanto, Ekos beijou seu rosto e sorriu-lhe de forma afável, alegando que estava feliz em revê-la.

O Lorde Diámat lhe ofereceu um generoso banquete como almoço, onde discutiram sobre política, não demasiadamente, não queriam fazer aquilo diante uma mulher. E seguidamente a farta refeição, Nassor insistiu para que o rei conhecesse a fiel companheira de Oksanna, Rara.

E assim seguiram para o jardim, os homens trocavam vazias palavras. Diálogo nos quais Oksanna não participava, não somente não tinha direito como também somente queria abrir a boca para pedir socorro.

Deveras, sentia-se já mais segura com sua presença, mas perguntava-se internamente porque em nenhum momento, Ekos perguntara sobre Akin. Aquilo lhe decepcionou.

Ao chegarem no jardim, avistaram o filhote de elefante branco que já tinha crescido bastante desde a última visita. Esta se fizera antes da Oksanna adoecer, após a morte de Akin, nem mesmo Rara lhe trazia alegria.

– É uma bela cria – Ekos elogiou. – Sadia, será um belo elefante.

– Bela – a princesa corrigiu, quase num sussurro. O Grande Irmão lhe fitou, com um ar amigável e depois fitou seu marido.

– Permitiria que tivesse um tempo à sós com minha jovem irmã, Lorde Diámat?

Os olhos de Nassor pareceram-se se petrificar, e as linhas de expressão permaneceram duras.

– Eu insisto – terminou por responder, fitou a princesa, um olhar gélido e deu as costas para eles.

Quando o senhor Diámat se foi, Oksanna sentiu como se respirasse pela primeira vez desde a morte de Akin. Ela observou o irmão e quase estremeceu devido o turbilhão de sentimentos que lhe atingiu. Ekos era iluminado, sua linda pele negra parecia brilhar sob o sol, assim como o sorriso nos lábios. Era um homem esbelto e espadaúdo.

– Você cresceu minha irmã, tornou-se uma bela mulher.

Sabia que nas suas palavras somente havia gentileza. A beleza tinha abandonado a menina com a doença, e aos poucos os cabelos na sua cabeça tornavam a crescer.

– Pedi um momento sozinho com você porque deveria anunciá-la que o senhor nosso pai faleceu.

– Quando? – retorquiu a pergunta, tristonha.

– Já fazem dois meses.

Oksanna franziu a testa.

– Por que não fui avisada?

– Eu não queria perturbá-la, minha irmã.

Ela sentiu um gosto amargo subir-lhe a garganta e impregnar na sua língua. Oksanna foi inábil de falar. Por onde começaria? Eram tantas atrocidades que as palavras subitamente pareceram maneiras ruins e incompletas para expressar as selvajarias vividas desde que se mudara para o castelo do deserto.

The Antlers - Kettering

– Eu preciso de ajuda – ela terminou por balbuciar, em lágrimas. – Ele é um monstro. Um verdadeiro monstro, Grande Irmão. Nassor, ele comete crueldades sem tamanho. Ele matou Akin, Akin lutou num combate, em seguida foi atirado dentro de um elefante de ferro. Ele... ele foi morto queimado.

Seu rosto já estava fundido em lágrimas dolorosas e a voz era desesperadora, por vezes incompreensível. Quis ter dito todos seus males com calma e postura, mas era incapaz. Sua voz chiava, seu corpo doía, estava destruída por dentro e por fora.

Ekos parecia chocado com as afirmações, levou as mãos para os finos ombros da irmã e a abraçou. Foi o suficiente para Oksanna quebrar:

– Matou minha aia. Torturou-me e tortura-me todos os dias. Violentou-me incontáveis vezes. Nunca pensei que existiria algo tão ruim nesse mundo quanto esse monstro – ela lamuriou. – Ele é a encarnação do verdadeiro mal, Ekos. Não existe humanidade naquele homem. Deve ser banido de nossas terras, extinguido desse mundo.

– Ele será – o Grande Irmão garantiu, num sussurro trêmulo. – Não se preocupe, minha irmã lhe tirarei daqui.

Oksanna soluçou interminavelmente, não sabia nem mesmo como poderia respirar quando seu pulmão estava cheio de tormento.

– Obrigada – ela arfou, tentando limpar as incessáveis lágrimas salgadas que agora molhavam a túnica do irmão. – Obrigada, Grande Irmão. Deuses, obrigada.

Ekos levou uma mão para sua bochecha e enxugou a água que cobria a pele, olhou em seus olhos e tocou-lhe o queixo.

– Assim que chegar no fim dessa guerra, eu a levarei para casa.

– O que?

– Eu lhe prometo.

Por segundos, Oksanna desacreditou nas suas palavras. Uma aflição subiu da ponta do dedo a cabeça, deixando-a arrepiada.

– Você não entende – ela balbuciou. – Eu não posso mais ficar aqui, Ekos. Eu não posso mais viver aqui.

Ele pediu que ela ficasse quieta com um delicado shiu.

– Irmã, cada um vem a essa terra com uma missão. Se está aqui é pela vontade dos Deuses que ganhemos essa guerra.

– Ekos, eu não posso continuar aqui – ela elevou a voz, desesperada.

O Grande Irmão apanhou seus finos braços, talvez nem mesmo pretendesse usar força, todavia ela estava demasiadamente magra e um movimento como aquele já era de tamanha brutalidade.

– Nassor tem dezessete mil homens sadios e fortes – ele sussurrou. – Eu preciso dele para ter peso nessa guerra, irmã. Sem Nassor, nosso exército não valerá de nada. Apenas siga as vontades dele até o final da guerra e garanto que será mais cortês. Todavia, somente poderei tirá-la daqui no final da guerra. Estamos entendidos?

Com um olhar marejado, Oksanna balançou a cabeça em negativa, ele soltou seus braços e sem poder aguentar a dolorosa dor que sentia no seu interior, a princesa lhe deu as costas aos prantos, após ouvir o que seria sua condenação a uma eternidade de sofrimento.

___________________________

Vigésimo Terceiro Capítulo do Tercerio Livro da série As Adagas de Ceres

9415 PALAVRAS 

Dedico essa capítulo a DayaGravi , já faz um tempão que você acompanha essa série e é mais que merecido um capítulo dedicado a sua pessoa <3 Obrigada por comentar e deixar seus votos na história. 


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