15
Seguiram por duas horas depois de achar um caminho bom para os cavalos, o que não foi difícil. Sulcos haviam sido formados no chão devido à passagem de viajantes e mercadores ao longo de anos, formando assim uma trilha larga o bastante para uma carruagem, que descia o leve declive desde a borda da floresta escura até chegar ao vale.
Quando finalmente chegaram, já se aproximava da hora do almoço e o sol estava alto no céu, apesar da manhã fresca. Eastar olhou para aquela luz branca e já ia reclamar da fome quando o som chegou a seus ouvidos.
Todos se viraram na direção da melodia, um som agudo e ritmado. Sem perceber, o jovem estelar começou a sorrir, divertindo-se com o ritmo da música. Era alegre e rápida, descendo a tons mais graves como que dando intervalos entre rodopios.
Ele já estava extasiado quando se virou para Sindar.
— Isso é uma flauta, não é?
— Sim, e quem está tocando faz isso muito bem.
— Eu não esperava ver músicos por essas bandas nesses dias, ainda mais com tudo isso que está acontecendo. — Allyn, que estava mais atrás, franziu o cenho. — Algo está errado.
— Ora, não seja tão negativa, querida. — Remus deu um sorriso gentil e pôs a mão no ombro dela. — Agradeça por termos música para o almoço.
Sean e Drun se agitaram em seus cavalos, sorrindo um para o outro enquanto se animavam com a perspectiva de um músico viajante e pela possibilidade de conseguirem alguns doces para a sobremesa. Foi decepcionante quando o velho mercador que encontraram na floresta escura disse que não tinha nenhum.
Todos incitaram os cavalos e seguiram pela trilha que rumava para perto da cachoeira, aos poucos foram percebendo girassóis no caminho, como se tivessem sido plantados ali em pequenas rodas a cada metro da trilha. Arbustos ladeavam o grupo, e algumas árvores de galhos finos tinham suas folhas dançando a medida que o vento as instigava.
Quando fizeram uma curva e finalmente viram onde a trilha se encontrava com o rio, descobriram de onde vinha o som.
Um velho com cabelos brancos, que iam até a sua cintura presos por um rabo de cavalo, dava pulinhos com uma flauta na boca, a cada vez que seus pés tocavam o chão, um pequeno grupo de girassóis brotava ao redor deles. Estava de costas para os recém-chegados.
— Olá, amigo! Como vai? — Edwin levantou a voz e acenou com o braço para que o velho se virasse para eles.
O velho desafinou e tropeçou, caiu para a frente com a flauta em uma das mãos que usou para aparar a queda e acabou por quebrá-la.
— Ai, minha úlcera! — gritou.
Ficou de joelhos e olhou para a flauta quebrada.
— Mais uma que se vai... — dizia enquanto a colocava no chão e pegava uma das duas outras que levava presas à cintura.
Enquanto ele tentava se levantar, Eastar se viu boquiaberto junto com mais da metade do grupo. O jovem não achava que poderia encontrar alguém tão desastrado quanto ele. Ao menos parecia ser precavido, ou era normal um flautista carregar três flautas o tempo todo?
O flautista se levantou e esticou as costas. Parecia ter quase o mesmo tamanho que o garoto estelar e seu corpo era mais forte do que poderia se supor para um homem daquela idade.
Ele olhou para o grupo enquanto batia as mãos para limpar a terra em sua bermuda, de uma cor que já deveria ter sido azul, mas que agora parecia quase cinza, além de estar rasgada.
O velho tinha uma barba comprida que lhe passava do peito, tampando um pouco as palavras "Alter Bridge" que havia em sua camiseta branca com a imagem de um pássaro embaixo. Aquilo não eram palavras da Língua Estelar, que os terráqueos haviam adotado definitivamente desde a Previsão. Era alguma língua antiga.
E, mesmo assim, nenhuma dessas coisas era tão interessante quanto os olhos do flautista. Não se podiam vê-los, estavam cobertos por um objeto preto que se apoiava em suas orelhas e no nariz. Era impossível saber para onde ele olhava.
Ele passou a língua pelos lábios, pôs a flauta na boca e começou a tocar enquanto seguia aos pulinhos para perto do grupo. Dessa vez os girassóis não brotaram. O velho seguiu assim, cantando uma melodia divertida até que Eastar não conseguiu se segurar.
— Será que o senhor poderia parar apenas um segundo?
O flautista parou no meio de uma nota e levantou a cabeça, olhando para o jovem, ao menos era o que se supunha levando em conta que seus olhos estavam tampados.
— Meu pequeno Eastar, de quem você puxou esse mal humor? — O velho tinha uma voz limpa, ela parecia encher o lugar de energia assim como sua música.
O garoto se espantou pelo velho saber seu nome, arregalou os olhos e se virou para o pai. Nesse momento, percebeu que Aros cobria a mão com a boca, segurando o riso, ele devia estar assim há um bom tempo e naquele momento ele não conseguiu mais se segurar. A gargalhada que soltou chegou a assustar os cavalos e ele passou a mão pelos cabelos, tentando se acalmar.
— O que você está fazendo aqui, cacete? — explodiu, cruzando os braços e sorrindo.
— Ora essa, Aros, meu querido mestre! Você sabe bem o porquê de eu estar aqui. — Ele parou por um segundo e deu um tapa na testa. — Esqueci desses óculos, não adianta piscar pra você se você não consegue enxergar por trás deles, né? — Abriu um sorriso largo.
— Óculos? Mestre? Oi? — Eastar virava sua cabeça de um homem para o outro, então, já completamente exasperado, levantou os braços e levantou a voz. — Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui?
— Ô! Ô! Calma, garoto. — O flautista estendeu os braços, balançando-os. — Vou explicar tudo, mas primeiro, porque todos vocês não descem dos cavalos? Vamos para a beira d'água, assim conversaremos melhor enquanto bebemos e comemos um pouco.
— Bem, nossa bebida acabou há uns dois dias. — Remus disse, do final da fila.
Olhando para trás, Eastar percebeu que Sean e Drun olhavam impressionados para a figura à frente deles, assim soube que não era algo estranho só para ele e se sentiu um pouco melhor, menos frustrado.
— Não se preocupem, tenho cerveja. Deixei na água, assim vai estar fresca quando formos beber. Venham, venham!
— Senhor, você acaba de ganhar um amigo valioso. — Edwin sorriu e esfregou as mãos.
O velho sorriu, se virou e foi, saltitando e tocando, para perto do rio. Os membros do grupo se entreolharam e com um dar de ombros coletivo o seguiram.
Desmontaram todos perto de árvores para poderem amarrar os cavalos e deixá-los na sombra. Se reuniram em torno do flautista, que agora se sentava em uma pedra cutucando o nariz, com a flauta de volta à cintura.
— Podem ir se refrescar no rio até comermos — disse, analisando a sujeira que conseguira reunir em um dedo.
Remus olhou para ele, fez menção de dizer algo, mas apenas balançou a cabeça e se virou para os garotos.
— Sean, Drun, vocês dois, para baixo da cachoeira. Vamos fazer um treino interessante hoje.
— Oba! — Os garotos gritaram juntos e tiraram as botas e as camisas, jogando-as para o lado e correndo para a água.
Allyn seguiu para o outro lado, se sentou em uma pedra para tirar as botas longas, que chegavam até seus joelhos, depois se levantou e tirou a calça assim como a túnica, revelando seus pequenos seios.
Eastar havia acabado de tirar a sela do seu cavalo e olhava boquiaberto na direção da mulher, o que lhe rendeu um tapa na cara.
— Ai! — Ele olhou para Sindar, assustado.
— Vai levar outro se não prestar atenção em outra coisa.
— Mas, mas ela não usa sutiã! Como você queria que eu não olhasse! Olhe para a cara deles.
Apontou os outros homens do grupo e Sindar viu que Aros, Jaime e Edwin olhavam para a mulher com as bocas abertas e sem mexer um músculo, enquanto ela entrava na água devagar, até mesmo o velho olhava com o dedo enfiado no nariz, completamente paralisado.
— Por que não quer que eu olhe? — completou
— Porque não, oras.
Aros deu um tapinha no ombro do filho.
— Apenas aceite, pivete. As coisas aqui embaixo funcionam igual comigo e sua mãe, lembra da última vez que uma soldado pediu pra fazer sexo comigo?
— Lembro... e ainda sinto pena dela.
— Eu também, mas sua mãe não. Então apenas se foque na sua princesa, tudo bem?
— Tudo bem. — Eastar engoliu em seco e sorriu para Sindar, que cruzou os braços com cara fechada.
Vendo a reação dela, ele abaixou a cabeça. Ela não aguentou e riu.
— Você é bobo demais pra conseguir me deixar com raiva.
— O quê? — Ele olhou para ela. — Não entendi...
— Sei que não.
— Essa mulher ainda vai me fazer ter um ataque! — disse Edwin, de repente, depois da conversa ao seu lado finalmente tirá-lo do devaneio em que estava.
— Muito bem, acho que vou me juntar à Remus e os garotos — disse Jaime, começando a tirar a camisa.
— Você vai treinar ou ajudar o Remus a treiná-los? — Eastar se virou para ele.
— Bem, na verdade pretendo treinar. Não é sempre que se tem a chance de fazer treinos como os das histórias de antigamente.
— O quê?
— Dizem que nas grandes histórias de eras passadas, sempre havia um ancião muito sábio que meditava perto de uma cachoeira e que seus alunos treinavam nesses lugares... — Olhou para o velho que dava um peteleco em uma nova pequena bola de meleca que havia conseguido juntar. — Sem querer ofender, mas o senhor foi uma decepção.
O velho olhou para Jaime e sorriu.
— Não estou ofendido meu jovem, pode ir. Enquanto isso, responderei às perguntas que o Eastar fez. Depois, Aros, acho que precisaremos conversar também. — Aros assentiu com a cabeça enquanto se sentava no chão.
Eastar virou os olhos azuis para a princesa e percebeu que ela observava Jaime seguindo para a cachoeira.
— Tá vendo, não se pode culpar alguém por olhar. — Ele cruzou os braços e levantou uma sobrancelha.
Pega de surpresa, a princesa pigarreou o se virou para ele.
— Ah... bem... tá bom, tá bom... não vou reclamar mais. — Revirou os olhos.
Aros, Edwin e o velho começaram a rir e o casal se juntou a eles.
Pigarreando, o flautista pôs a mão na barba, pensativo.
— Qual foi a primeira pergunta mesmo, Eastar? Ah, sim! Óculos! — Tocou o objeto preto no rosto. — Isso é um óculos escuro, garoto. Serve para proteger do sol, não que nós, estelares, precisemos, mas era uma moda bem bacana a muitas eras atrás, por sorte, sou bom em guardar coisas, como essas roupas, porque não se consegue mais se fazer algo como elas! Muito bem, segunda... — O velho parou por um tempo, cofiando a barba e girando a flauta.
— Mestre? — Eastar levantou as sobrancelhas para ele.
— Isso! Sim, seu pai foi meu mestre a muito tempo. Ele me ensinou muito, você nem acreditaria. Apesar dos óculos esconderem, eu sou um estelar.
— Quem é você, afinal?
— Eu? É mesmo! Nem sequer lhes dei um nome pra me chamar. Caramba, continuo distraído... Vamos ver, um nome... Já sei! Pode me chamar de Velho.
— Velho? Isso não é um nome.
— Bem, talvez não, mas é o que eu sou, ou pareço ser. É bem interessante para falar a verdade, mas não é algo que eu queria repetir tão cedo, apesar de achar que não terei escolha. — Estranhamente, ao dizer isso, ele virou a cabeça na direção de Sindar.
O movimento foi rápido, algo quase imperceptível, mas Eastar conseguiu acompanhar. Franziu o cenho e abriu a boca para falar quando viu o olhar que seu pai lhe dava. O assunto estava encerrado.
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