DEREK
O refeitório estava mais cheio do que eu havia imaginado, justo hoje, justo quando tudo o que eu preciso fazer é unir meus lábios aos do Nicholas para garantirmos uma semana com um carro. Me sinto um tanto estúpido por estar fazendo isso, nos colocando nessa situação, mas já não podemos voltar atrás. Em qualquer outra situação, isso seria uma das últimas coisas imaginada por mim, por nós dois, e é estranho pensar que o meu primeiro beijo com outro cara será com o meu melhor amigo – o que nem deveria acontecer, já que a minha reputação será abalada depois disso –, mas eu não me importo enquanto seja com o Nicholas, é justamente por ser ele que eu aceitei isso tudo, por sermos tão convictos da amizade e segurança que temos um com o outro. Isso vai além de qualquer outra coisa.
E eu sei de quem ele gosta. Do que ele gosta. Ele gosta do mesmo que eu, ele é como eu, mesmo que eu seja um ano mais velho, ou em alguns momentos ele pareça ser mais maduro e sensato no que fazer, enquanto eu, sempre ajo por impulso pensando nos primeiros resultados ao invés das consequências posteriores. Isso equilibra a nossa amizade, ele é sempre a razão enquanto eu posso ser definido como "o calor do momento", mesmo assim, eu estou certo de que isso não dará em nada além de grandes risadas no final do ano, onde finalmente poderemos sair do personagem e voltar a viver nossas vidas normalmente.
Durante a minha caminhada até uma mesa, avisto o Bryce, sentado com o resto do pessoal do time, e justamente quando ele percebe o meu olhar, ele me encara de volta, esboçando aquele sorriso um tanto sarcástico, apenas esperando o começo da diversão. Não é como se todos estivessem esperando por isso, olhando para a nossa cara, atentos, mas é a sensação que eu tenho, mesmo sabendo que acontecerá em um momento de distração, quando dez ou seis pessoas estarão olhando em nossa direção, ou mais.
O problema é que nunca estamos a salvos na Zaco, não depois da criação do site de fofocas que sempre tenta manter tudo mais que atualizado – embora não saibamos como.
Da minha mesa, avisto o Nicholas de costas, com aquele moletom em cor preta. Ele ainda está na máquina de refrigerantes, acompanhado da Kimberly. Ver os dois juntos me dá o questionamento de como eles ficarão após isso, após todos os comentários que certamente ficarão mais fortes e diários, e embora eu saiba que ele relute contra esse sentimento, ele também quer ela tanto quanto ela quer ele. É estranho.
Minha visão do momento é interrompida quando a Alison se senta à minha frente, colocando sobre a mesa a sua bandeja com um sanduíche de folhas e tomates e seu suco natural de laranja, ela está levando a sério a tentativa de virar vegetariana.
— Como você está? — ela diz após engolir a primeira mordida no sanduíche.
— Nervoso. Sabe a sensação de estarem todos encarando você? — ela concorda com a cabeça após a minha pergunta. — É isso o que eu estou sentindo. — devolvo meu olhar para seus olhos verdes, um tanto mais escuros que os meus.
— Vocês podem parar ainda. A Kimberly não está se sentindo bem com isso, você sabe o quanto ela gosta do Nicholas e isso vai fazer mal para ela. E você tem seus rolos pelo colégio, não acha que isso vai atrapalhar? — Alison arqueia uma das sobrancelhas, ainda me encarando.
— Eu sei como a Kimberly deve estar se sentindo, mas ela e o Nicholas não tem nada além dessas pegações aleatórias, ele mesmo já deixou isso claro. — mordo o meu sanduíche também. — Isso não vai mudar absolutamente nada, vocês sabem que não é real, e eu não posso parar algo que já começamos, eu já falei sobre com o Nicholas, vamos fazer isso.
— Eu ainda acho estúpido vocês fazerem isso. Vai trazer prejuízos grandes, e não digo isso por não ter sido desafiada ou algo do tipo, é por me preocupar com vocês dois. — ignoro suas palavras por alguns segundos, desviando meu olhar dos seus fios ruivos e lisos para o que vem logo depois, o Nicholas acompanhado da Kimberly. — Derek? — Alison me chama outra vez.
— Eu te ouvi, só quero me poupar de dar uma resposta quando você já sabe qual é. — pisco em sua direção antes de desviar o olhar outra vez, observando enquanto o Nicholas se senta e a Kimberly apenas se inclina para falar algo no ouvido da Alison que sai para acompanha-la logo em seguida. — O que aconteceu?
— Provavelmente, banheiro. — Nicholas me responde, finalmente a sós. — Eu tive uma conversa com a Kimberly enquanto estava pegando o refrigerante. — ele abre a lata em seguida. — A gente se beijou na praia, eu não deveria ter feito aquilo porque obviamente reacendeu uma esperança nela, não quero que isso aconteça, não quero dar a ela a impressão de que podemos nos tornar algo maior do que já somos, você sabe disso.
Eu sei.
— Mas você tem certeza, Nicholas? — outra vez, mordo o meu sanduíche, sentindo o sabor do peito de peru enquanto mastigo, observando ele tomar alguns goles do refrigerante de limão antes de me responder.
— Dar certeza é incerto. Eu gosto da Kimberly, mas eu gosto dela da mesma forma que eu gosto de você ou da Alison, é na amizade. — ele tenta se explicar.
— Isso quer dizer que você beijaria ou transaria comigo e com a Ali? Porque se você gosta da gente da mesma forma que gosta da Kimberly, é exatamente isso o que você faz.
— Você me entendeu. Eu gosto de vocês três da mesma forma, a diferença é que às vezes eu recaio para essa carência e sempre que isso acontece, ela está perto de mim. Eu não tenho culpa, ela sabe que não teremos nada além do que já temos e isso é o suficiente para mim, eu não me sinto confortável dando um avanço nisso. — ouço-o falar.
— Então você está usando ela para se satisfazer quando precisa?
— Você está conversando demais com a Alison, sabia? Até dois dias atrás você não se incomodava com isso. — ele revira os olhos.
— Não é isso, eu só quero saber se você quer mesmo continuar nisso, estamos no começo, não quero que você magoe a Kimberly por causa de um carro.
— Eu já te disse que estamos juntos nessa, eu não estou magoando ninguém porque realmente não existe nada, Derek. — ele toma o último gole, e então eu faço o mesmo, sentindo o sabor do refrigerante de laranja. — E o que você acha de cumprirmos logo isso? Já ajudaria bastante sem elas duas estarem aqui. — ele propõe, agora me trazendo de volta para a realidade em que estávamos, a razão de estarmos presentes ali.
Encaro ao nosso redor por breves segundos, alguns olhares são óbvios, como os da mesa ao lado que claramente está cochichando algo sobre nós dois. Não me importo com isso. Em uma mesa mais distante, procuro o Bryce outra vez, que no momento, está rindo com o resto do pessoal do time, essa será mais uma de nossas recompensas segundo o Adam, teremos lugar na principal mesa da Zaco, a mesa do time.
— Certo. Vamos fazer isso. — finalmente olho para ele outra vez, aqueles olhos azuis acinzentados, talvez mais intensos que o céu visível através de uma das janelas.
Observo o Nicholas se levantar, trazendo consigo a sua bandeja até finalmente se sentar do meu lado. Pela primeira vez, sinto certa tensão, aquela eletricidade percorrendo pelo corpo e um vazio no estômago, embora eu tenha acabado de comer. É estúpido e estranho.
— Eu nunca imaginei que beijaria você. — ele ri enquanto me encara, um tanto próximo demais, naquela aproximação que nunca tivemos antes, perto o suficiente para eu conseguir sentir o seu hálito fresco de limão.
— Você terá a sorte, Danvers. Muitas pessoas gostariam de estar nessa mesma posição que você está. — ele ri outra vez ao perceber o quão estou me gabando, o que instantaneamente me faz rir também. — Certo, quando fecharmos os olhos, imagine que está beijando a garota mais gata da Zaco ou de San Pier, vou fazer o mesmo, vai ser menos constrangedor.
— Tudo bem, eu vou tentar. — ouço ele dizer enquanto encaro seus lábios rosados, encontrando seus olhos outra vez, ainda mais próximos. Sinto minhas bochechas formigarem, estou repleto de tensão.
— Só não vale ficar excitado. Eu sei que provoco isso nas pessoas. — provoco na tentativa de causar uma descontração entre nós dois.
— Vai se foder, Haze. Vamos acabar logo com isso. — Nicholas soca o meu ombro com o seu punho direito, me fazendo rir ainda mais.
E então acontece.
Mantenho meus olhos abertos até que ele se aproxime o suficiente para depois fechar os próprios olhos. Quando seus lábios úmidos tocam os meus, consigo sentir o adocicado do refrigerante, e então fecho os meus olhos também. Começa como um selo, estranho e embaraçoso, mas ainda assim um tanto suave, e embora eu queira me afastar imediatamente por saber que isso é errado e causará futuros constrangimentos, entramos em um consenso juntos, e ele avança, me dando a confirmação disso. Nossas línguas se misturam sem rapidez, o mesmo com a nossa saliva, sendo transferida durante aquele beijo que dura menos que dez segundos, mas é o suficiente para ouvirmos os primeiros gritos quando a gente começa a se afastar, a primeira voz eu reconheço bem, é a do Bryce.
— Finalmente! — ele grita. — Aonde estão os aplausos para o mais novo casal da Zaco Beach School? — e de imediato tudo isso começa, vários aplausos e gritos enquanto eu abro os olhos para encarar o Nicholas que já está parcialmente vermelho, envergonhado com a situação.
— Nicholas? — eu chamo quando ele se levanta, me dando as costas enquanto avança diante de toda a multidão que continua gritando e aplaudindo. — Nicholas? — ele já não consegue me ouvir, e logo após abrir a porta do refeitório, some quando ela se fecha outra vez.
Me sinto ainda mais estúpido agora.
— Está feliz? Não precisava ter feito isso tudo. — encaro o Bryce após chegar na sua mesa e ter batido com o punho na região para chamar a sua atenção.
— Culpe o Adam. São instruções dele.
Ouço ele me dizer antes que eu me afaste para deixar o refeitório também.
Passo o restante do dia sem ter notícias do Nicholas, embora eu e as garotas tenhamos ligado para ele inúmeras vezes durante as duas últimas aulas que ele perdeu. Nosso beijo no refeitório já é um dos assuntos mais comentado pelos corredores, e como se não fosse o suficiente, no site de fofocas do colégio o nosso beijo ganhou três ângulos diferentes de fotos.
Eu odeio estar aqui.
Penso em socar a cara do Adam ou até mesmo a do Bryce, mas sei que isso não resultaria em absolutamente nada positivo para mim, muito menos para o Nicholas. O Adam é filho do prefeito de San Pier, um só fio encostado em um dos seus cabelos já cancelaria as minhas chances de pisar na Fallwour ou fazer o meu trabalho com o time.
Só na madrugada, prestes a amanhecer, eu recebo as primeiras mensagens que me faz despertar imediatamente graças ao fato de ter dormido enrolado com o fone de ouvido.
Nicholas: — Oi.
Nicholas: — Eu sei que é tarde, mas eu só queria dizer que eu estou bem.
Nicholas: — Também queria pedir desculpas por não ter deixado você subir quando passou aqui em casa depois do colégio.
Derek: — Tudo bem, não se preocupe. Mas você pode me dizer por que saiu daquele jeito? Você não precisava ter perdido as duas últimas aulas, você só precisava continuar ali comigo, sairíamos juntos, você não pode se dar por derrotado sempre que isso acontecer, Nicholas.
Nicholas: — Você é capaz de aguentar toda aquela gritaria e idiotice, eu não. Aquilo foi totalmente ridículo e desconfortável, e o Bryce ainda fez o favor de intensificar tudo. Nossas fotos estão circulando sem parar pelo site, você já imaginou se nossos pais virem isso? Eu sei que eu concordei e dei a ideia de fazermos o beijo, mas eu acho que a gente perdeu a noção dos riscos.
Derek: — Nossos pais também já foram adolescentes, Nicholas. Além disso, eles sequer sabem da existência do site de fofocas da Zaco, é algo nosso.
Derek: — Você só precisa descansar um pouco mais, isso tudo é recente, daqui há alguns dias ninguém vai estar ligando para o fato de estarmos namorando ou não.
Nicholas: — Eu acho melhor a gente desistir, Derek.
Nicholas: — Sinto muito.
Derek: — Nicholas, eu quero muito aquele carro.
Nicholas: — Meu pai é dono da maior concessionária de carros de San Pier, eu posso falar com ele amanhã, seria um adiantamento para o meu aniversário, podemos ter um carro só nosso até seu pai conseguir dar um para você.
Derek: — Não é a mesma coisa, e não é aquele carro, você sabe disso. É um modelo exclusivo, Nicholas, poucos foram fabricados e ele tem chances de ser nosso.
Nicholas: — Eu sinto muito.
Derek: — Nicholas.
Derek: — Por favor.
Derek: — Nicholas?
Derek: — Ok.
Sem nenhuma resposta, acabo jogando o celular para o lado após bloquear a tela e puxar o edredom outra vez, me forçando a continuar as minhas últimas horas de sono antes de todo o inferno começar novamente, e dessa vez, ainda mais pior.
Eu também quero desistir.