𝑪𝒂𝒑𝒊𝒕𝒖𝒍𝒐 5

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Não consigo parar de olha-lo, não consigo ao menos evitar. Frequentemente meus olhos param diretamente em Fernando, especialmente nos momentos que ele não pode notar. Tem sido assim nos últimos dias, principalmente quando pude perceber certa gentileza em seu olhar. Estou impressionada com a sua beleza, em como está estonteante na noite de hoje. Embora todos os dias eu o veja assim, tão bem arrumado, em especial nesse momento Fernando conseguiu se destacar em meio a todos.  Roubando diversos olhares.
  A imagem do sorriso que mostrou ao me ver, não sai da minha cabeça, estou até quase sorrindo sozinha em resposta. Olhei mais uma vez para meu chefe, que estava sério conversando com o seu pai a uma grande distância. Ele tinha covinhas! Nunca reparei esse majestoso detalhe em sua face, mas também ele pouco sorria, e quase nunca dirigia a palavra a mim. Passávamos a maior parte do tempo concentrados em nossos afazeres, ele mais do que eu. Afinal tinha uma bebezinha linda que requeria ainda mais da minha atenção.
— Sinceramente você deveria aceitar a nossa oferta. —Anton falou para mim. Olhei para ele rapidamente, estava tão distraída que mal notei que ele olhava para o mesmo local que eu há poucos instantes. Estava muito dispersa.
  — Acho que é muita coisa para pensar ainda, e eu gosto de trabalhar com o Fernando. Ele... — parei para pensar em todas as suas qualidades, mas me vi sem palavras, pois nossos olhares se encontraram de relance e eu perdi o foco. — Enfim, ele me faz ver o mundo dos negócios de maneira mais ampla. Tenho aprendido muito com ele. É um bom emprego o que eu tenho e não posso deixa-lo assim. Ainda mais depois da oportunidade que Antony e Daniel me deram.
   — Acho que nem que eu cubra o valor que eles te pagam vai fazer você mudar de ideia, não é?
Olhei para a senhora Belinatti que agora estava segurando uma taça de champanhe e ria sem parar em uma conversa animada com Helena. Observei Fernando mais uma vez. Ele havia me admitido na empresa, então logicamente conquistei meu desafio com excelência, não existia nada no mundo que me desse mais prazer que essa sensação que acumulava em meu peito. Ele havia me contratado!  Soltei o ar dos meus pulmões e sorri para o homem a minha frente, sentindo certo pesar em meu coração com a confirmação que ele teria.
— Não...  Nem que você dobre a proposta.
Um sorriso se estendeu em seus lábios, e Anton levantou a taça em um brinde, o imitei casualmente e tomei um gole do meu suco natural. Acabei observando pessoas que não via há mais de um ano, e com um “boa noite” me despedi e entrei no meio daquela multidão.
Conversei com tantas pessoas que não avistava desde a época em que o meu relacionamento com Guilherme não estava bem. Desde quando tudo acabou. Ninguém me perguntava sobre nosso rompimento, o que para mim era um alivio. Desde que rompemos nossa relação, segui pelo anonimato, e assim ninguém mais ouviu meu nome. E logicamente quase ninguém sabia sobre a minha gravidez, e sobre Guilherme ser pai de Beatriz. Não queria esse tipo de exposição para ela, e nem para mim.
  Quase sempre estava sorrindo, assuntos como os negócios eram muito presentes. Apesar de algumas pessoas ainda estarem curiosas em como andava a minha vida pessoal.  Sempre fui muito reservada e agora estava ainda mais, propositalmente segui pelo caminho profissional, e apenas contava do meu trabalho com Fernando.
Ainda não tinha assimilado que ele me dera o emprego, me sentia igualmente surpresa, mesmo depois de já ter passado um tempo dessa informação. Estava sorrindo de orelha, a orelha.
Depois de muitas apresentações e conversas, tinha a plena convicção de que meu chefe havia conseguido arrumar ainda mais clientes em potencial para a empresa, e também possíveis novos investidores. Apesar de Fenando ainda soar estritamente sério, e profissional, podia vislumbrar em seus olhos um quê de divertimento, hora por outra. Era tão bonito quando ás vezes sem ele perceber estava sorrindo de verdade, e isso para mim não tinha preço.
Deveria afastar essa sensação do meu peito, mas a realização em que me encontrava era exorbitante. Eu tinha conseguido aquele emprego! E por mérito próprio. Talvez se as coisas no meu primeiro dia de trabalho não tivessem se desenrolado com uma simples manutenção em um elevador, eu mal teria estado aqui hoje. Fernando realmente me deu uma ótima chance.
  Estava saboreando meu suco quando senti o toque leve de uma mão em meu ombro. Virei-me instantaneamente e me deparei com Helena, à mãe do meu chefe, que sorria para mim largamente.
  — Estava me perguntando quando conseguiria trocar algumas palavras com você. — Seus braços me envolveram em um abraço materno que respondi com todo o afeto do mundo.
  — Oi Helena. — falei entusiasmada já me afastando de seu abraço. — fico feliz em vê-la, você estava conversando quando a vi, e não quis atrapalhar. Como estão as coisas?
    — Estão bem. — revelou alegremente.  — Fernando retornou para a casa, para minha total alegria.  Ethan ainda não deu noticias de quando vai desembarcar no Brasil, e tem seu casamento... Estou ficando louca.
Helena soltou um suspiro dramático que logo terminou em um lindo sorriso. E se abanou como se estivesse vivendo um completo caos. Adorava esse clima de animação que ela me passava. Nos dias em que eu não estava muito legal depois dos problemas e que enfrentei sozinha, ela sempre conseguia me tirar do fundo do poço. Sempre foi assim, desde que nos conhecemos logo quando entrei na construtora, e ela me acolheu como sua filha no mesmo instante. Então passei a frequentar a sua casa para almoços, cafés e jantares.   E não apenas eventos exclusivos profissionais.
— Nem acredito que Ethan já vai casar, ainda estou surpresa. — minha amiga concordou. Ela também foi pega de surpresa pela notícia que o filho a informara dias atrás.
— Ele deixou de ser meu bebê e finalmente vai criar raízes em algum lugar, isso me deixou realmente animada e aliviada. Chega de andar com mochilas pelo mundo.  — Helena levantou a taça em minha direção, e a espelhei murmurando um “chega”. Depois de bebermos ela se voltou novamente para mim. — E você querida? Como estão você e a Beatriz?
Senti aquele nó na garganta por ficar uma noite longe da minha filha, mas o sorriso em meus lábios não deixou de se formar quando a imagem dela dormindo em seu berço tranquilamente surgiu em minha mente.
— A Bia está bem, crescendo muito. Nem acredito que ela já está quase completando sete meses. — sorri nostálgica, com a lembrança de quando a peguei nos braços pela primeira vez. — Queria que o tempo passasse mais devagar.
  — Esse é o sonho de todas ás mães Ju, todas queremos que nossos filhos demorem a crescer.
Era o que mais desejava. Quando minha mãe falava sobre isso, sobre querer que o tempo não passasse tão rápido, achava loucura, porque o que eu mais queria era crescer. Hoje meu pensamento mudou, e eu a passei a entendê-la.
— Com quem ela ficou hoje para você vir? — Helena parecia um pouco curiosa demais.
— Com Ana, aquela minha amiga que eu falo constantemente. — informei.
Trocamos alguns assuntos que envolviam a minha neném. Era o assunto mais agradável para mim no planeta e eu amava falar em como Beatriz estava crescendo e ficando cada dia mais esperta.
Fazia dias que Helena não havia, então deixemos um jantar marcado em sua casa para que ela pudesse matar a saudade de minha pequena. Minha amiga se voltou para mim, um tanto dispersa depois que avistou alguma coisa ao longe. 
— Mas e você, como está? Não chegou a responder a minha pergunta.
— Eu estou bem, estou trabalhando incessantemente para o seu filho, e estou gostando bastante. — Seus olhos se arregalaram por um instante e senti que iria corar pela surpresa que Helena teve.
   — Fernando consegue ser meio difícil às vezes por isso estou espantada.
Isso que ela nem havia visto ele no trabalho junto comigo. Mesmo depois de socorrê-lo no elevador, ele ainda conseguia ser um imbecil, idiota, narcisista e egocêntrico com quase todos ao seu redor. Todos na empresa ainda morriam de medo dele, ou de ser mandando embora a qualquer hora, eu mesma pensei nisso várias vezes. Mas em todos esses momentos em que ele me tratava com ignorância, por mais que não me peça desculpas depois, sempre acabo observando arrependimento em seus olhos. Esse é um dos principais motivos por me dedicar a esse trabalho.
  Fitei minha miga por um instante, antes de reponde-la:
— Fernando não é tão ruim assim como todos falam. —Passei meus olhos para o homem que conversava com seu pai e seu irmão longe de nós. — Ele é uma boa pessoa, só meio isolado. E meio complicado de se lidar, só basta saber como agir com ele.
— Você só pode estar de brincadeira comigo... — Helena estava pasma, e eu sequer entendia o motivo disso. Vi seus olhos brilharem e eu não identifiquei o motivo. — Como faz para conviver com a frieza dele?
Essa pergunta me pegou de surpresa, um filme passou em minha cabeça desses últimos dias. Lembrei de algumas discussões que tive com Fernando, e de como sempre revidei e mostrei meu profissionalismo. Talvez fosse isso que o fizesse decidir manter meu emprego.
— Na maioria das vezes eu revido, quando acho que ele está sendo inconveniente, mas em outras horas apenas finjo que não o escuto. E assim seguimos nossa rotina.
  — Entendo completamente. — aquele brilho em seus olhos ainda estava ali. Ela nunca ficava tão exultante em suas expressões ao falar do seu filho mais velho, sempre tinha uma expressão triste. Para mim estava sendo uma tremenda novidade. — Isso é coisa mais fantástica que ouvi em todos esses dias.
Estava quase perguntado o porquê de tanta emoção pelo que acabei de falar, porém tive que me conter, quando Helena acenou para alguém atrás de mim. Virei-me e observei Antony com seus dois filhos se aproximarem.
Engoli em seco quando meu olhar encontrou por apenas um segundo o de Fernando. Ele não parecia mais relaxado como minutos atrás, e tão pouco calmo. Seu olhar era duro e ele parecia distante.
  — Que bom vê-la aqui hoje. — Antony falou quando já estava a minha frente. Seu sorriso era espetacular, assim como dos seus outros filhos.
  — Nem acreditei quando meu mais novo chefe me convidou para acompanha-lo. — acabei me virando para Fernando e vi um vislumbre de um sorriso arrogante em seus lábios.
  — E eu acertei no convite, tenho possíveis clientes em potencial para a construtora. E isso não é pouca coisa, graças a você. — Mesmo que isso fosse um tipo de elogio pelo meu trabalho, sua voz ainda tinha um pouco de ironia e a arrogância costumeira. O fitei por um pequeno instante, onde vislumbrei uma pequena piscadinha direcionada a mim.
  — Se você diz... — Dei de ombros como se não fosse nada.
— Fiz o certo então em muda-la de cargo. — Antony falou brincando, e um breve pigarreio atrapalhou nossa conversa.
  — Preferia quando a Júlia trabalhava para mim. — Daniel falou de uma maneira meio fria e olhou de canto para o irmão.
  — Pena que agora ela é a minha assistente. — Fernando o retrucou. 
Os dois se encararam por um breve segundo, seus olhos estavam carregados de raiva. Como se estivessem discutindo entre si algo que eu não sabia. Me senti um tanto intrigada e um pouco incomodada. Não estava me sentindo muito a vontade com toda essa situação. 
  Antony estava falando algo com seus filhos, voltando ao assunto principal, ou seja, a empresa. Então o clima pareceu diminuir, porém Fernando ainda parecia irritado. Senti que estava sendo observada e olhei para Helena que me encarava seriamente com a sobrancelha arqueada em uma interrogação silenciosa, que parecia ser mais voltada para ela, do que para mim. Apenas dei de ombros, e voltei a prestar a atenção no que falavam.
Antony se dirigia a Fernando nesse momento:
— Nunca imaginei que um imprestável, como você Fernando se tornaria alguém tão importante. — Antony falou como se não fosse nada e levou sua taça a boca degustando um pouco mais de champanhe antes de continuar a falar com seu filho. — Sempre botei mais fé no seu irmão, Daniel que sempre foi mais parecido comigo em tudo. Desde sempre eu visualizei seu irmão como um perfeito CEO, e não você.
Os olhos de Fernando gelaram ao encarar o seu pai, e meu próprio sangue pareceu ferver. A relação de pai e filho nunca foi das melhores entre os dois, soube disso através de Daniel. Mas nada, absolutamente nada se comparava com o que ouvi agora. Mesmo que eu adorasse Antony, estava começando a desgostar do seu jeito pomposo.
Meu chefe estava se preparando para falar quando o cortei instantaneamente. E encarei Antony.
— Fernando virou um incrível profissional, e um excelente chefe. Eu mesmo não o trocaria de nenhum jeito, e acredito totalmente em seu potencial e competência. Por isso ele está nas capas de revistas de negócios do mundo inteiro. — O sarcasmo estava tão presente em minha voz quanto no meu espirito. Nunca tinha me portado de tal maneira. — Não é atoa que ele resolveu a maioria dos problemas da M.Y.B.I em poucos dias. E está conseguindo expandi-la. Seu filho é sensacional no ramo empresarial. 
Todos estavam me olhando com incredulidade. Meu rosto estava quente devido à irritação de como Antony havia agido. Ele não respondeu mais nada, e parou de ficar humilhando Fernando em minha frente, nem tocou mais nesse assunto. Simplesmente relatou como estava maravilhado com a futura expansão dos negócios.  Helena sempre concordava com o marido, só que agora seus olhos não estavam brilhando incessantemente como antes.
A sufocação começou a tomar conta do meu peito. Estava me sentindo inconveniente, quando Antony se virou e se despediu de mim com um beijo no rosto. Ele não parecia estar com raiva, ou bravo. E sim me olhou com todo o carinho e afeto de sempre. Me despedi também, e antes que desse ás costas para Helena e seus filhos, Daniel chamou a minha atenção.
— Você está linda hoje Júlia, estou impressionado. — Seu sorriso era grande, e ele me olhava profundamente nos olhos. Senti como se estivesse um pouco fora de contexto.
  — Ah! Obrigada Dan, é muita gentileza da sua parte me elogiar. —Dei um breve sorriso e me retirei dali.
Toda essa situação era muito embaraçosa, e eu tinha muito que pensar. Tinha defendido Fernando do seu próprio pai, nem deveria estar me metendo assim no meio de assuntos de família. Mesmo que tivesse tanto carinho por todos eles.  E porque eu tinha reagido dessa maneira?  Havia uma justificativa plausível? 
  Meu pai nunca tinha falado dessa maneira comigo, sua boca sempre se enchia de orgulho quando tocava em meu nome. E um sorriso sempre tocava seus lábios. Nenhum deles, nunca me tratou como alguém que os desse desgosto, nem com os piores dos meus erros. Nem quando engravidei eles me puniram por isso. Sempre me acolheram com o abraço mais fraterno de todo o universo.
Já fazia três horas que estava ali e não conseguia tirar essa história da cabeça. Estava me sentindo cansada fisicamente e psicologicamente, até meu rosto parecia doer com tantos sorrisos que dei durante a noite. Queria tanto ir para a casa ficar com a minha filha, sentir o seu cheirinho, e olha-la dormir tranquilamente. Sempre fiquei admirando Beatriz quando dormia desde que ela nasceu foi assim. Às vezes passo horas ao lado de seu berço a olhando. Sentindo todo o meu amor transbordar.
  Antes das coisas com Guilherme ficarem mal, nunca me imaginei nessa situação. Que preferiria mil vezes ficar em casa em um sábado à noite com uma bebê, do que em um evento tão glamoroso como esse. E agora queria realmente isso. Peguei o celular mais uma vez e liguei para Ana, para saber sobre minha filha, que aparentemente parecia estar ótima em um sono profundo. Já passavam das onze, então não tinha como estranhar ela já estar dormindo. Estava sentindo tanta falta da minha pequena, que assim que chegasse a mudaria para a minha cama. Por hoje chegaria de berço, eu só queria que o meu porto seguro estivesse do meu lado.
Tinha acabado de finalizar a ligação, quando observei um rosto familiar vir em minha direção. No mesmo instante deixei meu celular cair com tamanha surpresa e espanto. Eu não o esperava aqui. Ele não deveria estar aqui.
Arqueei-me para pegar o objeto que deixei cair.
— Júlia? —A voz macia de Guilherme me atingiu em cheio, não tinha para onde correr, ou me esconder. Seus olhos me encararam de cima a baixo.
  — Oi Guilherme. — Respondi sem nem o encarar nos olhos, com a voz fria e indiferente. Meu corpo estava a ponto de entrar em colapso com todas as lembranças ruins que invadiram a minha mente.
  — Como você está? — Quase sorri com a ironia que sua pergunta me trazia.  Com toda a certeza sorriria se não estivesse com um nó no estômago e uma sensação de mal estar.
  ”Como estão as coisas?” “Como está à filha que abandonei?”, “Precisa de algo?”, “Foi uma menina ou um menino que tivemos?”, “O bebê está grande? Posso conhecer?” Foram essas as perguntas que imaginei sair de sua boca quando nos encontrássemos. Queria socar seu rostinho bonito a essa altura. Como ele não me perguntou de Beatriz por primeiro?
Era a primeira vez que o vi a mais de um ano, desde que contei a ele sobre a minha gravidez e ele foi embora. Sem nem olhar para trás. Eu não pude contar com ele aquela vez, porque imaginei que agora veria qualquer arrependimento em seus olhos?

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