𝑪𝒂𝒑𝒊𝒕𝒖𝒍𝒐 17

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Nunca me vi em uma situação tão inusitada, quando mais pensei receber forças de alguém, mais uma vez o destino me coloca contra a parede, e me esmurra a face, esperando que eu enfim acorde para a vida. E agora, eu estava parada diante de dois homens muito importantes para mim, enquanto eles trocavam ofensas e eu mal sabia o que fazer. Todas as minhas tentativas de me comunicar com ambos eram em vão, mesmo que estivessem falando sobre mim, era como se minha presença jamais existisse.
Eles não viram eu me afastar, mas observei de longe enquanto guardas os expulsavam para fora devido à confusão. Olhares curiosos se seguiam em minha direção, fazendo com que me sentisse ainda pior, sem nem pensar muito chamei um carro, e quando menos esperei, como se não tivesse com todos os sentidos, já estava afundada no estofado do automóvel, perdida em meus pensamentos. Não era naquele restaurante que eu havia feito reserva para o Fernando ter sua reunião, e o que ele estava fazendo ali? Meus olhos acompanhavam pelo vidro, o mundo passar enquanto eu buscava por uma resposta.
Daniel tinha sido tão gentil comigo durante todos esses dias, e ainda mais especificamente hoje, depois do meu encontro terrível com Guilherme, me convidando para sair da rotina e jantar fora. Já fazia tanto tempo que não me arrumava para me bem sentir comigo mesmo, que aceitei a oferta no mesmo instante. Sem nem me questionar se deveria mesmo, eu já tinha muitos fantasmas para lidar, e me encolhendo e me isolando do mundo não seria a solução mais sábia do universo. Então eu coloquei um belo vestido caro, lindas joias e me produzi para mim. Para sentir um pouquinho de uma garota que se escondia em meu interior há tempo demais, a garota alegre, sem preocupações, que independente dos problemas continuava sorrindo.
Não achei estranho como Daniel se portou enquanto comíamos, nem suas tentativas de contato enquanto pegava a minha mão, e a acariciava, ele sempre fazia isso. Mas havia algo que ele queria falar, e se calou assim que ouviu a voz de Fernando, assim como eu que perdi a cor desde os dedos do pé, até meus fios de cabelo, mesmo com meu coração batendo descompassadamente por aquele homem que se aproximava de nós.
Lágrimas e mais lágrimas escorriam pela minha face, lembrando, imaginando, tentando esquecer a expressão de desapontamento nos olhos do homem que encantou meu coração. Eu queria tanto, mas tanto falar para ele que não era o que estava pensando, eu queria tanto dizer que isso não era nada o que parecia, porém, depois que os dois começaram a se enfrentar, percebi que a intenção de Daniel era bem mais do que eu imaginava, e que talvez, ele alimentasse por mim, bem mais sentimentos do que eu esperava.

— Pare aqui, por favor... — Falei para o motorista, olhando para fora e sentindo as lágrimas ainda escorrerem pelo meu rosto.
  — Mas senhorita, já está tarde, está longe da localização que é para eu deixa-la. — o motorista, que já era um homem mais velho se virou para mim preocupado, assim que encostou o carro.
— Está tranquilo, preciso caminhar um pouco. — Seus olhos se arregalaram de medo por mim, Curitiba era perigosa à noite. Mas eu apenas sorri, como se não fosse nada, como se minha dor não fosse palpável em meu rosto.
— É perigoso... — o receio em seus olhos iluminava a minha dor. Mordi meu lábio, evitando a vontade de chorar.
— Eu sei, eu posso me cuidar. — falei com toda a ternura do mundo, e saí do carro acenando um adeus, quando eu o via partir.

Eu precisava caminhar, mas ele tinha razão, era muito longe da minha casa, mas era em frente a um prédio de alguém que eu conhecia muito bem, e que eu tinha total acesso. Podia entrar a hora que eu quisesse que o porteiro não iria falar nada, ele jamais falou, e não seria agora que iria me alertar. Passei por ele, que apenas sorriu para mim, notando minha presença que há um tempinho já não via. Mas eu não tinha vindo aqui por nenhum motivo especifico, eu só queria poder ficar em paz em um jardim, sem me preocupar com as perguntas de Ana assim que eu chegasse em casa, eu não queria ver Beatriz também sentindo toda a minha dor. Não era justo com ela. Com elas. Com ninguém.
Minha dor era só minha, e eu já tinha envolvido Daniel demais nessa história, e agora Fernando também parecia estar carregado da escuridão que andava comigo, e me afogava todos os dias. E agora estava imergindo com todos aqueles que eu amava. Mas hoje... Tudo tinha ido longe demais.
Fechei minha mão em punho, e avistei aquela figura conhecida passar pela entrada do seu luxuoso prédio passando as mãos em seu cabelo enquanto dirigia. Por mais que o jardim fosse pequeno, sua expressão estava tão centrada que ele mal notou que eu estava ali, então fiquei parada por mais um longo tempo, sentindo a raiva crescer dentro de mim. Estava a ponto de ebulição, quando me levantei e segui para a entrada principal, e entrei no elevador, apertando o botão para o ultimo andar. Eu só tinha uma chance para ser feliz, e há dias, eu estava tentando de todas as formas possíveis mostrar a Fernando isso, enquanto implorava para que ele abrisse espaço para que eu pudesse falar dos meus sentimentos, mas tudo isso era em vão. Nada mais disso importava, eu estava quebrada por fora, só que por dentro meu coração estava ainda mais estilhaçado, minha alma tinha uma ferida incurável.
Não havia nada que eu pudesse fazer se não aceitar o meu destino. Segui para a porta que eu conhecia tão bem e apertei a campainha, aguardando que sua face finalmente surgisse pela porta. O que não demorou, pois instantes depois eu encarei aqueles olhos surpresos que me olhavam cheios de culpa.

 𝓤𝓶 𝓬𝓸𝓻𝓪𝓬𝓪𝓸 𝓹𝓪𝓻𝓪 𝓬𝓱𝓪𝓶𝓪𝓻 𝓭𝓮 𝓒𝓔𝓞 Where stories live. Discover now