𝑪𝒂𝒑𝒊𝒕𝒖𝒍𝒐 23

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Não tocamos no assunto Guilherme. Não naquela noite, nem nos dias seguintes. Fernando pereceu achar melhor não me bombardear de perguntas, quando eu claramente estava me sentindo nervosa em abordar o assunto. Quanto mais me sentia pressionada a explicar minha vida ao meu namorado, mais ficava desconfortável com a sua possível opinião e o seu julgamento por me manter em muito tempo em uma relação abusiva.
Era madrugada, e eu estava rolando sobre o colchão, sem conseguir me entregar ao sono. Então há duas horas me encontrava sentada e apoiada na bancada de mármore da cozinha com uma caneca de chá de camomila fumegante entre as mãos. Meus dedos tamborilavam constantemente na porcelana, quando eu sentia minha mente divagar cada vez mais longe.
As mãos quentes e firmes de Fernando me despertaram do meu devaneio, quando ele me puxou para junto de si, e se arcou beijando meus cabelos.

- Sinto sua falta até mesmo quando estou dormindo, será que é normal isso? - Fernando murmurou para mim e riu enquanto pegava uma garrafinha de água da geladeira.
- Eu não sei como você sempre acorda quando não estou na cama. - Um sorriso frouxo surgiu em meus lábios, mas eu não tinha levantado meu olhar para ele quando se sentou em minha frente.
- O que tem se passado em sua cabecinha? Quer conversar?

Fernando puxou uma de minhas mãos e entrelaçou nossos dedos em cima do mármore. Minha atenção recaiu ao seu gesto simples tão carregado de amor. Eu o amava tanto...
Soltei um suspiro e levei a caneca a minha boca, tomando uma grande quantidade de chá para ganhar o máximo de tempo possível.

- Nós nunca falamos sobre meu relacionamento com o Guilherme... - Soltei rapidamente antes que eu perdesse a pouca coragem que me restava. - Acho que já passou da hora.

Fernando ficou tenso e seu corpo se retraiu, mas ele não se afastou. A alegria dos seus olhos se esvaiu, eles ficaram sombrios, demonstravam o quanto temiam o que eu tinha a dizer. Com um gesto de cabeça ele pediu silenciosamente que eu fosse em frente com o que eu fosse falar. Mal sabia ele que a história era longa, e que no caminho meus próprios demônios da vergonha me atormentavam demais.
Fechei meus olhos e inalei tudo o que pude de ar tentando me acalmar.

- Eu conheci o Guilherme em uma festa da faculdade... - Soltei o peso que estava se acumulando em mim por meses... Anos. Abri meus olhos e ali estava a força que muitas vezes eu esquecia que havia dentro de mim. - Ele estava indo no último período da faculdade. Na época eu namorava o seu irmão Daniel, mas não era nada sério, eu não conseguia ver ele além de um amigo.

Mordi meu lábio forte sentindo o gosto de sangue, quando Fernando inspirou com força. Ele parecia mais que irritado, mas não ousou me cortar.

- Nós tínhamos ido a essa festa, aonde seus amigos que iriam se formar estavam dando. E então eu e Guilherme nos esbarramos, e química da nossa conversa foi tão incrível e ele estava tão interessado no que eu tinha a dizer que eu terminei com seu irmão naquela mesma noite. - levei minha mão até o cabelo, eu queria puxar todos os fios para amenizar a dor no meu peito.

- Você traiu o Daniel? - Fernando estava rouco e mal me olhava nos olhos.
- Eu jamais faria isso. - Meus olhos estavam pinicando com as lágrimas que ameaçavam cair dolorosamente pela minha face. - Enfim... Nós começamos a nos encontrar depois disso. Eu morava nesse apartamento com a Ana, e com o passar dos meses, quando ele estava prestes a se formar, ele passou a dormir aqui todas as noites. Até que depois de um tempo ele me convenceu a ir morar com ele, e fazer estágio na empresa do seu pai.

Virei o resto do chá que já estava morno em minha boca, e me levantei caminhando até a janela. Encarava as luzes de Curitiba, quando as memórias iam e vinham me desgastando por completo, enquanto eu ia narrando detalhes para Fernando.

 𝓤𝓶 𝓬𝓸𝓻𝓪𝓬𝓪𝓸 𝓹𝓪𝓻𝓪 𝓬𝓱𝓪𝓶𝓪𝓻 𝓭𝓮 𝓒𝓔𝓞 Where stories live. Discover now