57. May

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1 DIA DEPOIS DOS CRIMES

22/02/17 – quarta-feira, 12h32

Com o choro engolido, prosseguiu com sua explicação.

— E foi bom ter parado para pensar. Fiquei lá por horas.

— Fazendo o quê? — Ele coçou a barbicha.

— Nada. Exatamente nada. Apenas fiquei chorando pelo choque da agressão. Fiquei no carro aos prantos. Pensando no que fazer. Para onde ir. Como eu iria resolver a situação.

— Fez o correto. No estado de nervos no qual você se encontrava, não era bom nem estar dirigindo.

— Sim, exatamente. Mas não aguentei por muito tempo...

— Você falou que ficou lá por horas — disse Ele. — Como assim não aguentou por muito tempo? É tempo demais chorando no carro.

— Se você quiser saber, exatamente, por quanto tempo fiquei aos prantos naquele maldito estacionamento do Carrefour, chorando por ter sido agredida e por ter sido traída, vá até lá e veja as câmeras de segurança. Conte as horas! Os minutos! Os segundos!

Pelo olhar que Ele lançou a May, era exatamente isso que Ele pretendia fazer. May até imaginou ele a vigiando pelas câmeras de segurança do supermercado para saber exatamente a hora em que entrou e que saiu do local.

Ele está achando que eu matei meu próprio marido? NÃO FUI EU! E POSSO PROVAR!

Rapidamente o dilema de mostrar o vídeo veio à tona.

— Calma, não precisa se exaltar. A gente está entendendo. Cada um tem seu tempo para entrar nos eixos novamente, cada um tem um modo de agir perante um episódio traumático como este.

— Obrigada. — May respirou fundo.

— E depois, o que você fez? — Ela prosseguiu.

— Depois eu saí do carro. Minha cabeça estava me matando, como se alguém estivesse martelando ela. Fui até a farmácia para comprar um remédio para dor de cabeça. — May olhou diretamente para Ele e decidiu enfrentá-lo: — Se quiser saber a hora exata também que entrei na farmácia, fique à vontade com os seguranças de lá.

— Isso cabe a mim — respondeu Ele, sempre analisando as expressões corporais dela, enquanto Ela prestava mais atenção no que ela falava.

Eu sei que você vai! Eu sei como funciona uma investigação.

— Prossiga, por favor. — Pediu Ela, projetando-se para frente, apoiada nas coxas com os cotovelos.

— Eu sei que, mesmo com a cabeça mais fria, e mesmo estando mais calma, eu pensei nas consequências que aquela briga traria. Então, sem pensar muito, eu acabei ligando para Rodrigo, o agente literário lá da editora, e disse que eu e Norberto tínhamos brigado e que era para ele tomar conta de algumas coisas na editora na minha ausência.

Automaticamente May omitiu o fato de ter enviado uma foto do seu rosto agredido para Cris e Laura, que estavam lá ainda, fazendo hora extra.

May foi interrompida pelas marcações agitadas feitas por Ele num bloco de notas. Por causa da pausa na fala e do olhar compenetrado no que o detetive fazia, Ele acabou perguntando:

— O que foi? Lembrou-se de algo importante?

— Sim, lembrei.

May voltou em si.

— Pois diga.

Ela olhou para Ele: "Menos rispidez, por favor".

— Rodrigo estava indo para a editora, ou melhor, Rodrigo já estava lá quando liguei para ele.

Ele voltou a rabiscar no caderninho, avidamente, fazendo seu papel de "investigador lógico", enquanto Ela devia estar fazendo relatórios mentais sobre o comportamento "emocional" dela.

— A senhora sabe que já ligamos o homicídio de Nicolas, seu até então, funcionário, à morte do seu marido, não sabe? — A pergunta havia sido retórica. — Interrogamos Rodrigo ontem. Estamos tentando traçar um cronograma dos acontecimentos.

May assentiu.

— O que você fez depois de avisar a Rodrigo sobre o "ocorrido"? — A voz calma de Ela soou na sala. —Voltou para a casa? Foi até a editora?

Se interrogaram Rodrigo, sabem que não fiz nem uma coisa nem outra.

May falou a verdade:

— Fui me hospedar num hotel. Não queria dormir com meu marido aquela noite até que eu pensasse no que fazer.

Ele estava com a caneta pronta no bloco de anotações:

— Hotel Chamonix, Avenida Dom Aguirre.

— Ok. — Ele balançou a cabeça uma vez.

May olhou para Ela. Sabia que ela era uma investigadora, e que aquela bondade e benevolência toda faziam parte do profissionalismo, contudo, Ela o fazia tão bem, que May queria confessar tudo o que sabia diretamente para a detetive. Queria contar toda a verdade para Ela, não fosse o nojento d'Ele ali, a encarando como se ela fosse Laura, como se ela tivesse matado seu esposo.

— Então, resumidamente, você esteve fora e não estava a par do que o seu marido, supostamente, estava fazendo?

Ele não havia sido específico na pergunta, mas May tinha captado o sentido da pergunta.

— Sim. Eu não sabia de nada. Não sabia o que estava acontecendo. Até que Rodrigo me ligou e contou.

A voz de May falhou sem querer.

Um silêncio chato se espalhou pela sala. Só olhos piscando.

— O que mais vocês querem saber? Eu pareço estar mentindo? Acham que eu fui até a editora e estourei os miolos do meu esposo por causa da traição?

— Ninguém aqui a acusou de nada. — Ela falou primeiro.

— Aliás, do que já sabem? — May perguntou, fazendo uma cara de choro que, aparentemente, comoveu até Ele, porque ele respondeu:

— Suspeitamos que o seu marido tenha matado o amante, Nicolas. Verificamos o celular da vítima e comprovamos as ameaças de morte vindas de Norberto.

May sentiu vertigem. A tontura queria levá-la para um lugar escuro. Até que não seria ruim ir para lá e se livrar daqueles dois. Contudo, resistiu.

Os dois detetives provavelmente notaram o "reboot" dela. Esperaram por mais alguns segundos, calados.

— Você descobriu a traição ontem, Mariane? — Ela tomou a frente, ao perceber que May estava recuperando a cor. May apenas disse que não com a cabeça. Silenciosa. — Descobriu quando? E como?

— Descobri, de verdade, faz umas duas semanas.

— Pode nos explicar o que quis dizer com "de verdade"?

— Bom, eu suspeitava até então. — May olhou para além dos olhos castanhos da inspetora. — Mas ontem, durante a briga que tivemos, Norberto não negou que me traia. Por isso eu me expressei assim.

— Então quer dizer que as brigas se iniciaram e perduraram da suspeita até a confirmação da traição?

May fez que sim com a cabeça, ainda calada.

— Como?

— Como o quê? — May foi obrigada a falar.

— Como aconteceu? E quando foi que você começou a desconfiar sobre o caso extraconjugal de seu marido?

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora