09. May

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19 DIAS ANTES DOS CRIMES

02/02/17 - quinta-feira, 12h48

— Pronto... — disse May, voltando à mesa com o rosto ainda úmido. Imitava Cris. A "mordeção" labial era contagiosa. — Então, sobre aquele assunto da PAPGRAF: combinarei com eles, amor. E aí, já terminou, podemos ir?

Dentro do seu escritório e ignorando os afazeres profissionais ela começou uma nova tarefa (só faltou criar um novo quadro no Trello: DESCOBRIR A PIRANHA).

A primeira "piranha" a permear sua mente foi Rita, a secretária-barra-recepcionista da gráfica, a fiel funcionária de Norberto — A mulher era sua funcionária também, mas o fato de ela trabalhar apenas na recepção da gráfica dava a impressão que trabalhava apenas para ele. Rita era gorda; nem tão novinha; possuía alguns cabelos brancos que precisavam de retoque, e por mais que fosse nítido seu esforço em parecer atraente, acabava exagerando na maquiagem, digna de fazer uns bicos no circo. E tinha os dias em que trabalhava sem nenhuma pintura no rosto, o que também era perigoso, pois os traços masculinizados ficavam mais evidentes, ainda mais combinado ao seu jeitão de andar. Qualquer pessoa chutaria: "É lésbica". May tentou imaginar ela e Norberto trepando. Surreal. Rita foi descartada de cara.

A segunda candidata a piranha chamava-se Pâmela. Ela sim era lésbica, categoria: caminhoneira. Trabalhava operando as máquinas maiores na gráfica. May riu imaginando Norberto tendo um caso com ela. Pâmela era mais homem que os outros quatro funcionários da gráfica. Pâmela combinava mais com Rita. Que horror! Será que mulher com mulher é tão nojento quanto viado com viado?, questionou-se. Ao menos, era permitido pensar sem ter ônus ou manchar sua imagem de pessoa pública, tanto que havia contratado Pâmela e Nicolas com o propósito de cumprir a "cota" gay na editora sem que pegassem no seu pé em relação a "representatividade". De qualquer modo: riscou Pâmela da lista com um grande "tachado" imaginário. Duas estavam fora da contagem. Sobravam outras quatro mulheres e as mesas delas ficavam próximas, poderiam ser monitoradas até serem pegas num passo infalso.

Começou por Laura. Sinal de alerta. Náusea invadindo todo seu corpo, May até fechou os olhos. Laura! Tinha a bunda três vezes maior que a dela, assim como os lábios. A boca dela fazia a boca de May virar uma fenda tímida na face. Norberto gostaria de beijar Laura? Oh, certeza! Norberto adoraria dar umas tapas naquele bumbum durinho de academia? A boca de May parou num "O". Não precisou de mais, May foi acometida pela tontura.

— Laura sai para almoçar quase sempre no mesmo horário que Norberto! — Refletiu em quanto havia sido idiota durante todo esse tempo. — Mas... ela é negra...

A consciência adormecida veio com tudo e a fez se sentir tão imunda quanto o próprio marido-frequentador-de-drive-desprezível. A visão deturpada havia ignorado aquela bunda rebolativa; o estilo todo chamativo e imponente de Laura; a silhueta sem gorduras; carne em abundância. Era fácil conjecturar Norberto trepando com Laura. A imagem vinha tão nítida que May pôde vislumbrar seu marido segurando ela com força, cravando as mãos dele nas duas nádegas voluptuosas enquanto a penetrava ensandecido. A negrinha é gostosa mesmo... Será que Norberto havia enjoado de "carne branca"? Por um instante May se comparou a Laura. Puniu-se emocionalmente por conta do regime que insistia em fazer sem necessidade.

Sussurrou para si mesma:

— Se eu fosse um homem... — E chegou à triste conclusão de que realmente é bem melhor se fartar em carne do que chupar osso.

May entrelaçou os dedos e apoiou o queixo nas mãos. Refletiu assim até que seus cotovelos chamaram a atenção: doíam por causa da pressão. Quanto tempo devaneou? Depois das imagens especulativas sobre a piranha número 3, ficou difícil direcionar suas desconfianças às outras três mulheres. Mesmo assim seguiu com o propósito, Laura não poderia ganhar assim de lavada das outras. Pois bem: Gabriele, vulga Gabizinha: revisora, cabelos castanhos longos; rosto sem nenhuma característica clamando por atenção; corpo "normal".

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora