37. May

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DIA DOS CRIMES

21/02/17 – terça-feira, 20h15

Custou a se recuperar da adrenalina. Seus pensamentos estavam mais embolados que seu cardigã e seu cachecol no banco detrás do carro. Aquilo tudo estava sendo muito louco para ela. Seus nervos estavam à flor da pele. Quais as consequências? Qual o próximo passo? May chegou a pedir a Deus um sinal sobre o que fazer agora que a merda toda já estava feita. A resposta passou longe. Uma pensamento absurdo permeou sua mente: Nunca mais vou sair daqui de dentro desse carro! Quando afastou a maluquice da cabeça, secou os olhos com o máximo de cuidado e, antes de abrir a porta, bateu os olhos no painel digital do carro e viu que ele mostrava: 20:15. Fungou mais uma vez e tomou coragem em dar às caras ao mundo mais uma vez. Como serão as coisas daqui para frente? O medo lhe estampava a cara.

Às 20h17 entrou na loja sem tirar seus óculos, mesmo sabendo que chamava a atenção dos outros, e rumou até farmácia dentro do supermercado. May andou por entre as prateleiras baixas de produtos e seguiu até o balcão. Pediu por comprimidos capazes de amenizar sua dor latejante de cabeça que prenunciava uma crise de enxaqueca. Não satisfeita com as cartelas de Dorflex e Neosaldina, ela pediu mais uma de Advil. — Fortes dores musculares — explicou-se para o balconista com a voz de "nariz entupido". Antes de fechar a compra, agarrou também um calmante qualquer que viu na promoção. Fungava de minuto a minuto a fim de disfarçar a coriza provinda da sessão de choro. Passava a mão no nariz checando qualquer vazamento nasal.

— Mais alguma coisa?

— Não, só.

Porém, antes de chegar no caixa, lembrou de adicionar uma garrafinha d'água à compra. Depois de pagar, agradeceu à moça do caixa e saiu segurando a sacolinha de remédios. May estava certa de que só dormiria essa noite se estivesse dopada.

Por um instante pensou na possibilidade de trocar tudo aquilo por boas doses de vodca gelada, contudo, a ideia de acordar com mais dores de cabeça no dia seguinte fez ela desistir da façanha.

Retornou ao carro depois vencer uma multidão de curiosos pelo curto trajeto. Até parece que nunca viram uma mulher de óculos escuros! No seu refúgio tomou primeiro uma cápsula de Advil e depois virou a mão cheia de comprimidos (dois de cada) na boca e empurrou tudo com grandes goles de água. Quase secou a garrafinha de 500ml.

A garganta reclamou, afinal, a sensação era a de estar engolindo uma colherada de grãos de feijão ressecados e crus. Gastura lhe trespassou. E, antes que perdesse sua sobriedade por conta do consumo exagerado dos medicamentos (e no seu organismo já circulavam substâncias provindas de outras drogas mais fortes), ela decidiu ir embora dali.

Aceitou a auto-sugestão de hospedar-se no Chamonix Plaza Hotel, localizado na Marginal Dom Aguirre, onde havia se refugiado uma vez por semanas logo depois de ter sido sequestrada e ter adquirido um medo de ficar na própria casa.

Saiu do supermercado às 20h27 e partiu rumo ao hotel.

*****

Meia hora depois, já acomodada na suíte, ela tinha tomado a decisão de abrir o jogo com a pessoa que ela sempre julgou ser seu amigo: Rodrigo. Discou o número dele. Precisava desabafar e contar tudo, e inclusive, lhe pediria "um favorzão". Ela tinha certeza de que ele o faria sem hesitar.

Conversaram por um momento rápido.

— Obrigada — agradeceu May ao telefone. — Estarei aqui no Chamonix, aguardando você. E lembre-se do que eu disse: ele está muito nervoso, portanto, tome muito cuidado com ele — alertou, referindo-se a Norberto. — Estou confiando em você, ok? — Antes de desligar, agradeceu novamente: — Obrigada por estar do meu lado, Rodrigo. Significa muito para mim neste momento.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora