30. Rodrigo

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6 MESES ANTES DOS CRIMES

Findado o reboliço, Rodrigo e Norberto acionaram a polícia e explicaram a merda toda.

May fora chamada para prestar depoimento, porém, Norberto pediu tempo aos policiais, pois ela estava assustada demais. Implorava pela casa.

Constatando com os próprios olhos o estado deplorável da vítima, o policial acabou acatando:

— Iremos agendar o dia para o depoimento dela.

Ela foi à caminho da ambulância, para receber assistência médica, junto com o esposo.

Rodrigo foi atendido — em pé, ao lado da viatura — pelo enfermeiro plantonista, que cuidou de estancar o sangramento nasal, pressionando uma bolinha de algodão com cheiro de hospital. Depois ele foi chamado pelo investigador; teria de contar os detalhes daquela noite agitada.

Quase sem problemas, e quase sem engasgos e gagueiras, Rodrigo relatou como tudo acontecera (ao menos a versão combinada, ou seja, a MENTIRA):

"Depois que ficamos sabendo sobre o desaparecimento de May, eu deixei Norberto na casa dele [...] Horas depois, não sei quantas, sou incapaz de me lembrar direito, ele me ligou. Disse ter recebido uma ligação; uma ligação do sequestrador. Depois ele ligou para mim e pediu ajuda. O coitado estava perdidinho, sem saber o que fazer. Eu também não sabia, mas, como eu também me preocupei demais com ela, May, minha chefe, eu decidi ajudar no que fosse preciso."

"Eu jamais imaginei que iria dar nisso, mas Norberto estava desesperado. E como ele havia deixado o carro dele na editora, viemos com meu próprio carro."

"Claro que eu tinha noção do grande risco de morte que corríamos, poderíamos ter sido assassinados, mas, como não havia polícia envolvida, eles devem ter achado que obedeceríamos direitinho e entregaríamos o dinheiro do resgate."

"Eu e ele combinamos algo perigoso: ele estava no banco detrás, armado, esperando para agir. Eu encostei o carro, ele abriu discretamente a porta traseira e se esgueirou, apontando a arma ao barracão, caso alguém aparecesse ameaçando."

"Deixei os faróis do carro acesos para dificultar a visão dos sequestradores. Finalmente um deles se aproximou de mim. E eu fiquei ali, estático no banco do motorista. Depois o outro apareceu, permanecendo perto da entrada do galpão, e logo quando viu que hipoteticamente era só eu, começou a se aproximar do carro também, vagarosamente, dando cobertura ao primeiro."

"Perdido e achando que estavam próximos demais, eu fraquejei, e disse que queria apenas uma informação. Fiquei em choque; não sabia como lidar com a situação, pois havia uma arma sendo apontada para mim, droga! Acho que só não vieram ao meu encontro me rendendo ou até mesmo atirando, porque eles estavam esperando um C4.

"Meu teatrinho rendeu alguns segundos de vantagem, mas não demorou muito para que meu nervosismo revelasse a farsa do turista perdido. Quase tive um ataque do coração quando de repente "o primeiro" avançou com tudo, rapidamente, para perto da porta. Sem me dar tempo de fechar o vidro, e agora vejo que isso não adiantaria muita coisa, eu acabei golpeando-o ao abrir a porta com toda a minha força. Derrubei ele no chão com a pancada. Na mesma hora me abaixei quando ouvi um tiro. Senti os pedacinhos do para-brisa chovendo sobre a minha cabeça."

"Norberto agiu: revidou com outro tiro no atirador... Eu nem sabia que Norberto ele era tão bom assim de mira assim, e ainda bem, senão, estaríamos mortos agora e May... May também estaria..."

"Enfim, quando eu vi que o homem caído havia se levantado e estava correndo em direção do que estava atirando, acho que a fim de tomar posse da única arma que tinham, eu disparei a correr e acabei pulando sobre ele. Nem sei como consegui, mas o derrubei no chão. Rolamos, trocamos socos. E veja bem o que ele fez com meu nariz. Depois do murro que tomei, caí para trás."

"Recobrei os sentidos segundos depois, e me desesperei quando percebi que o bandido tinha se levantado mais rápido que eu e, definitivamente, iria conseguir pegar a arma a tempo de me matar."

"Cambaleante, eu tentei voltar ao carro, enquanto Norberto estava apontando a arma para o filhodaputa. Só pensei: 'Atira, cara. Atira primeiro, Norberto. Ele vai me matar!' Mas quem atirou primeiro foi o maldito homem! O que me salvou foi eu ter me jogado de cara na terra, fazendo com que ele errasse a mira. A bala foi parar no pneu do meu carro. Eu saí rolando, esperando um tiro certeiro dessa vez."

"Porém, acredito eu, que por ele estar mais perto do galpão, e por Norberto estar me dando cobertura, ele saiu correndo, fugindo — pude ver, mesmo deitado no chão e em choque — que ele corria para lá. Neste momento, percebi, e evidentemente Norberto também percebeu, que era lá que May estava; lá dentro."

"Norberto conseguiu acertá-lo na perna, isso o atrasou. Ele gritou de dor, mas desistiu do objetivo dele, mesmo mancando e jorrando sangue pela perna."

"Sacamos na hora que o maldito homem ia... ele ia... ele correu para... para... matar... Para matar May."

"Norberto saiu detrás da proteção do carro numa velocidade incrível. Seguiu em disparada, ainda apontando a arma para seu alvo."

"Quase não deu tempo, merda... Veja, estou tremendo até agora... Ainda bem que o homem estava ferido, e isso deu uma boa vantagem a Norberto na corrida."

"O filhodaputa abriu o portão de ferro do galpão, e...

[...]

"Norberto conseguiu acertá-lo a tempo...

[...]

"Me desculpe pelo choro..."

"Lá dentro, encontramos May amarrada numa cadeira. Amordaçada, coitada. Entrei, rapidamente, e tomei coragem para tirar a arma do homem... Eu sei, eu sei, eu sei... Ele já estava morto naquela altura, mas na hora, não raciocinamos tão bem quanto deveríamos. Então, foi melhor precaver. Portanto, quando finalmente consegui controlar a tremedeira das mãos, descarreguei-a, e joguei as balas de um lado e a arma do outro."

"Norberto havia ficado estático ao ver sua esposa ainda com vida... e o meu medo era o de mais alguém aparecer por ali... Foi terrível... Nunca acreditei que eu teria coragem de fazer isso tudo... Caramba, eu... Eu nem ao menos sei explicar como ainda estamos vivos. Mas, o importante é que agora passou, e May está bem."

Claro que a declaração de Rodrigo carecia de corroboração junto à de Norberto, o herói.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora