48. Laura

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DIA DOS CRIMES

21/02/17 – terça-feira, 20h43

Não havia tempo útil para Laura tecer interpretações mais profundas e protestos mentais humanitários, por causa de um Norberto furioso vindo em sua direção. Contudo, em alguns instantes, algumas sinapses foram feitas. Não restava dúvida de que Norberto estava potencialmente carregado de um preconceito venenoso, e quimicamente enriquecido com ódio. Racismo em pleno século XXI? Onde esse mundo vai parar? Até onde a humanidade retrocederá? Isso daria muito pano para manga, e teria que ser bem discutido em outra ocasião, afinal, o tema ali era: "Salve-se quem puder" e não: "O racismo no ambiente corporativo" nem "Agressores de mulheres".

Laura e Cris poderiam muito bem processá-lo por injúria racial grave, porém, este debate seria adiado, dando lugar ao embate. Norberto se aproximava com passos duros no chão, como se fosse um gigante.

Laura fitou as veias saltadas no pescoço dele. Um calafrio desgovernado percorreu seu corpo. Paralisada, sentiu seu corpo ser empurrado para o lado. Cris havia arremessado a cadeira de rodinhas o algoz, na tentativa de atrasá-lo ou pará-lo.

A cadeira deslizou cega até Norberto e o acertou, mas ele conseguiu se defender e a jogou do outro lado.

Cris puxou Laura pelo braço levando-a para o outro grupo de baias, ficando na diagonal, e não de frente com Norberto.

Quando Laura percebeu que uma cadeira não pararia aquele homem louco na sua frente, ela se obrigou a sair do estado de petrificação e fez o que pôde. Pegou um grampeador e apontou para Norberto. Seria cômico se não fosse trágico.

Cris gritou:

— Anda!

Laura sentiu mais uma vez seu braço ser puxado em direção à porta de acesso do almoxarifado, que era para onde poderiam fugir, e certa de que atrasaria Norberto, arremessou o grampeador na direção dele.

Quase...

Norberto desviou do tiro como se fosse um kungfuísta, desnecessariamente teatral.

Norberto se abaixou, ainda mantendo contato visual com ela, e pegou o objeto abatido no chão. Resgatou a maior carreira de grampos grudados, recarregou o grampeador — sempre fitando-a, fechou-o, e, por fim, depositou o grampeador em cima da mesa mais próxima dele, como que para Laura se sentir uma completa fracassada pela tentativa de machucá-lo.

Pelo apertão de Cris no seu braço, soube que estavam ferrados. Consciente de que nada ali ia parar o homem ensandecido, respondeu o aviso com o olhar e percebeu que Cris mordia insistentemente o lábio inferior.

Cris está com medo. Eu também estou. A ameaça foi real. Está sendo real.

Surpresa, notou que Norberto sorria.

Ele está sentindo prazer nisso?

Era demais para Laura.

Precisavam acabar com aquilo a todo custo. "Como?", era a questão. Com diálogo? Ela achava que não funcionaria. E estava certa.

O único jeito de escapar, seria correndo até a porta que levava ao almoxarifado. E se quisessem não ser capturados teriam que descer as escadas aos trancos, correndo o risco de tomarem quedas épicas e morrerem com fraturas nos pescoços.

Contudo, lá embaixo, Laura e Cris estariam mais que encurralados, estariam invadindo o habitat do maluco... Ele estará em vantagem?

Como que para causar mais emoção e desespero na corrida desesperada deles enquanto trotavam nas escadas, Norberto gritou às suas costas:

— Foram vocês que me caguetaram para May, seus filhos de uma puta?!

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora