23. May

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6 MESES ANTES DOS CRIMES

Quando as portas se abriram o ar frio tocou a pele de May.

Foi puxada com violência, e mesmo sabendo que poderia dar um chute no algoz, não o fez. O homem a retirou com pressa do carro.

Pedras embaixo dos saltos-altos deram uma dica do local afastado.

Guiavam-na aos puxarrancos, andava cambaleante, cega. Seu corpo obedecia por mais que não confiasse no condutor.

Cheiro de mato.

As pedras sob seus pés sumiram. Agora pisava na terra.

Sim, sentiu o cheiro de terra invadir seu nariz.

May não ouviu mais nada além dos barulhos comuns da noite. E o silêncio da noite indicava "ninguém por perto".

A vontade de gritar morreu quando percebeu que poderia levar um soco gratuito.

O ar frio arrepiou sua pele hidratada. Piorou quando ventou. Sentiu o frio trespassar suas roupas de madame. Ouviu o farfalhar das folhas. Haviam plantas? Haviam árvores ali perto? Bom, parecia que sim. Seus sentidos, misturados à imaginação, a colocou num local aberto, cercado por árvores, na terra. Longe de tudo, distante de qualquer pedido de socorro gritado.

Respirou fundo e detectou um cheiro de óleo. Óleo e mais algo metálico. Como poderia algo cheirar a "ranço metálico"?

Coloque sua mente para funcionar, sua inútil.

Quase tropeçou quando sentiu o solo mudar mais uma vez. Pisava em algo mais duro, sólido, porém, rugoso. Cimento!

Grande descoberta!

Seu braço ardia devido o toque cheio de indelicadeza.

Eles não falavam nada.

Só havia o barulho noturno junto aos três pares de passos. Duas duplas de botas pesadas (ou coturnos) e um par de saltinhos delicados.

May perdia o equilíbrio facilmente. Era difícil andar sem saber para qual direção ir. A sensação era a de que a qualquer hora daria de cara com um muro.

Os odores de terra, óleo, ferrugem e mato causavam náuseas.

Ela sentiu um puxão. Era um aviso para parar. Ela parou.

Ouviu um novo som, um som metálico. Correntes. Eram correntes. O outro que seguia na frente estava abrindo alguma coisa. Uma porta. Talvez um portão.

— Anda — disse o homem, puxando-a.

Notou que o chão continuava de cimento.

O ar estava mais quente. Abafado. Lugar fechado.

O silêncio era mais alto ali.

E o cheiro metálico e rançoso era mais forte também. O cativeiro. Sim, ali era o cativeiro.

Escutou o celular tocando, o seu celular. Eles nem ao menos tinham desligado o aparelho. Chamou até cair.

Uma luminosidade atingiu seus olhos vendados, no entanto, era impossível de distinguir alguma coisa a sua volta.

O celular dela chamou mais uma vez. É ele! Notou meu sumiço!

— Desliga. — Ouviu pela primeira vez a voz do segundo malfeitor. Se May fosse defini-lo como algum de seus personagens, apenas com aquela frase imperativa, já o consideraria o "chefe" do sequestro. Não "o mandante", mas o responsável do ato.

Torcia para que sua salvação dependesse de algum deslize estúpido do "sequestrador idiota". Sim, um deles... tem que ser "o" idiota!

Mãos pesadas e fortes (do capanga idiota) em seus ombros interromperam os pensamentos dela. Foi empurrada.

— Vai, senta aí logo...

Soltou um gritinho, assustada.

Suas costas se chocaram com a cadeira de madeira. Doeu. Seus ossos foram de encontro à estrutura da cadeira seca. Sua bunda nada carnuda sofreu da mesma dor ao bater no assento. Tentou se ajustar como pôde. Prometeu não chorar. Não demonstraria mais fraqueza.

Permitiu, sem muitas opções, que mãos amarrassem seus calcanhares junto às pernas do assento. Deixaram os saltos que compunham o look da empresária.

May seguia a cartilha da "Sequestradora obediente". Sem resistir a nada. Não queria apanhar. Mas também não queria morrer.

Com movimentos bruscos desataram os nós dos seus pulsos. Logo após, ouviu o homem dar a volta e ficar atrás dela. Sentiu seus dois braços serem puxados, já sabendo que teria as duas mãos amarradas novamente, agora nas costas.

O raciocínio a impediu de gritar, queria permanecer com a boca livre quando alguma oportunidade viesse. Esfregou a bochecha avermelhada pelo tapa no ombro. A pele estava sensível.

A dor reapareceu quando o homem deu mais nós.

— Não saia daí, benzinho.

Como se ela pudesse...

O homem se distanciou.

Ela tentou mover os braços. Impossível. Estava praticamente imóvel, como se fosse tetraplégica.

Sentiu a venda mais úmida e mais fria. A cegueira a deixava louca. Para ajudar, seu coro cabeludo estava prestes a transbordar suor por sua testa.

Sentia necessidade de gritar.

May ouvia passos e alguns ruídos metálicos lá longe. O ambiente parecia ser grande por causa do eco. Fora isso, o silêncio causava uma tensão crescente.

O que vão fazer comigo?

Não ouviu mais o seu celular chamar. Desligaram...

E sua chance de extravasar o medo, a angústia e a dor na forma de grito foi frustrada de uma vez por todas.

— Olha para cima, queridinha. Anda!

É o capanga idiota!

Ela obedeceu. Era uma bonequinha de pano. Agora: com os lábios selados.

Mais limitada, só podia sentir o contínuo cheiro rançoso e ouvir o vento lá fora soprando forte, movendo as copas das árvores. Seu foco agora era em adivinhar o que lhe aconteceria em seguida.

Sua mente ansiava, desesperadamente, por um spoiler, mesmo que fosse: "Ela morre no final". Ou... Será que seu herói, Norberto, teria igual astúcia e inteligência de um detetive para salvá-la?

Seu pensamento pessimista lhe dizia: Não!

E a sensação era de que tudo estava perdido.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora